Pega Monstro – “Pega Monstro”
Se o EP de apenas cinco canções conseguia ter algum entulho, o álbum, de doze, não tem pontos fracos
Não valerá a pena gastar latim a discorrer sobre o hype, o consequente backlash (praticamente imediato) ou a ainda mais previsível análise a esses fenómenos (que este início de parágrafo também é), nem reiniciar a discussão do que é “tocar bem” e “tocar mal”, uma conversa muito antiga e nunca resolvida. Escreva-se mais sobre a música e menos sobre o contexto. (Este parágrafo serve de aviso para mim que já ia lançado para escrever sobre essas coisas todas. E, se me deixar na tentação, serve também de auto-crítica.)
O anterior EP “O Juno-60 Nunca Teve Fita” e as canções na “Grande Compilação!” da Cafetra projectavam as Pega Monstro como um fenómeno engraçado — duas raparigas, irmãs, muito miúdas, a fazer uma chinfrineira doida com uma guitarra e uma bateria e a desafinarem a preceito —, mas nada que entusiasmasse extraordinariamente este ouvinte, tirando o prazer de encontrar a energia e o descuido juvenis num panorama musical português dado ao serôdio. Claro que já se lhes reconhecia as letras desarmantes (ao mesmo tempo, demasiadamente confessionais e inteligentes) e a capacidade de produzirem música orelhuda: o mini-êxito de «Paredes de Coura» não aconteceu por acaso.
Este sentimento alterou-se a 3 de Dezembro de 2011, data do concerto dos Real Estate na ZDB, no qual as Pega Monstro fizeram a primeira parte. Maria e Júlia Reis enfrentaram o “aquário” cheio, protegeram-se a si e às suas singelas canções por baixo de um imenso ruído e ganharam claramente a noite. “Pega Monstro”, o álbum que editam agora, capta essas Pega Monstro: já não uma “brincadeira de crianças”; as qualidades intactas e os defeitos limados (sem lhes roubar as peculiaridades que as caracterizam e separam dos demais); daquelas bandas que causam arrepios e devolvem o brilho ao olhar.
Mas, mais importante do que tudo, “Pega Monstro” tem grandes canções. Se o EP de apenas cinco canções conseguia ter algum entulho, o álbum, de doze, não tem pontos fracos. Então a segunda parte do disco, com a sequência «Savanna 74», «Pall Mall», «Afta», «Suggah» (uma curiosa versão de «Sugar Hiccup» dos Cocteau Twins; e é preciso ter colhões para competir com a Elizabeth Fraser), «Homosec», é absolutamente espantosa. (Para não falar nos hinos «Fetra» e «Dom Docas», em que ajustam algumas contas e fazem uma espécie de ataque preventivo aos seus críticos.) Depois da primeira parte a abrir e a mandar tudo com o caralho, Maria aproveita esse “esconderijo” para abrir o coração, sem pose nem filtros, confessando algumas mágoas (em vez de “escatologias”, como é por vezes acusada de fazer), e mostrar que afinal “sabe cantar”.
A produção do Tio B, vulgo B Fachada, cheia de reverberação, a aproximar as Pega Monstro do shoegaze via Dinosaur Jr., resulta muito bem: respeita as tais peculiaridades e tira o melhor partido delas. Palavra também para Júlia, a nossa Maureen Tucker, cuja inventividade na bateria ultrapassa em muito quaisquer debilidades técnicas. Ah, já me esquecia: “Pega Monstro” é, até agora, o grande disco do ano.
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