Peter Broderick @ CCB (04.11.2016)
Dados viciantes
Foi de forma bastante despojada que o compositor norte-americano entrou em palco, para mais uma deliciosa noite Misty Fest, onde se encontrava apenas um piano e dois microfones (um acoplado ao piano e outro num suporte à parte), e nos informou prontamente de que iria tocar temas dos mais diversos álbuns que preenchem a sua carreira.
Ao segundo tema, por intermédio de «If I Sinned», estava instalado um ambiente quase religioso, tal como o título da música poderia deixar antever. No entanto, Peter Broderick clarificou depois que não pretende abordar o acto da confissão, apenas simples gestos quotidianos que podem não nos sair da melhor forma, como olvidarmo-nos de regar as plantas, por exemplo.
Peter Broderick respeita rigorosamente os silêncios entre cada tecla, libertando-as muita vez de forma suave e carinhosa, como que executando um fade artesanal. Noutras, porém, martela estoicamente as mesmas amadas teclas, como em «It’s A Storm When I Sleep», onde executa uma autêntica maratona braçal, merecedora de mínimos Olímpicos, não admirando que o músico tenha arregaçado as mangas da camisa no final da mesma. E de facto, no meio de toda essa turbulência, consegue transmitir-nos a tempestade que pretende retratar naquela composição.
Em seguida chegou a versão do tema «In a Landscape», do seu compatriota John Cage, que faz parte do seu mais recente álbum. Peter Broderick decalcou os métodos de composição tão sui generis de Cage na elaboração de «Partners», baseando na aleatoriedade de dados a ordem dos poemas e das notas musicais das suas mais recentes faixas, das quais foi exemplo «Conspiraling».
E eis que de repente Broderick ergue-se do seu banco junto ao piano, desloca-se até à frente do palco, salta para a plateia e percorre cautelosamente a sala até uma das cadeiras vazias a meio do auditório, que registava metade da lotação nesta noite de Misty Fest. Enquanto dava todos estes pequenos passos o músico entoou a capella «As I Roved Out», uma música tradicional irlandesa, bem demonstrativa do folk daquela ilha.
Mais tarde foi a vez do instrumental «Eyes Closed and Traveling» provar que tem um dos títulos mais bem atribuídos de sempre, dado que Peter Broderick nos deu boleia por diversas milhas, numa viagem que não requereu o uso de cinto, tal a segurança e reconforto oferecido.
«Below It» foi depois a prova que o músico nascido no Maine não permitiria que o piano limitasse o seu espectro, interpretando uma canção originalmente escrita para guitarra. E soou de forma tão ou mais maravilhosa que a versão presente no disco “Home”.
O regresso ao palco, após os merecidos aplausos, foi marcado por «Sideline», começado igualmente a capella como mandam as regras, transitando posteriormente para o piano num movimento sempre suave, como se Broderick se movesse como uma folha que balanceia nas brisas de Outono. Para finalíssima guardou uma das suas primeiras composições, criada com meros 19 anos de idade, confessando ter sido a primeira canção em que conseguiu intrometer o coração na partitura, sendo que anteriormente se cingia a outros géneros menos emocionantes e que mais tarde veio a reconhecer como ridículos.
Desta feita, no Pequeno Auditório do CCB, Peter Broderick conseguiu envolver o coração em todas as criações que nos apresentou, e com uma simplicidade que talvez nem devesse ser considerada surpresa.
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