rdb_picnic_header

Pic Nic is not Dead

Estejamos munidos com uma simples sande mista, ou algo mais requintado, existem sempre elementos comuns a um bom piquenique; Gargalhadas, uma expressão que espelha felicidade, um bom vinho e amizade. A tradição ainda é o que era.

Morte é o som de um trovão distante a meio de um piquenique”
W.H. Auden

De acordo com a Wikipédia (o piquenique do conhecimento), a palavra piquenique surgiu na língua francesa por volta do século XVII, para descrever uma “refeição num restaurante em que alguém trazia o seu próprio vinho para a mesa”. Depressa os franceses começaram a trazer também os seus próprios rissóis e croquetes e foram expulsos dos restaurantes, vendo-se obrigados a comer ao ar livre. E assim surgiu o piquenique quase como o conhecemos agora, apenas com mais requinte.

A refeição alfresco atingiu o seu apogeu no século XIX, na chamada Belle Epoque. Cenas de piqueniques desta altura são idilicamente representadas em quadros quase tão presentes nas casas dos nossos avós como os do menino da lágrima. É nesta “Era de Ouro” que surgem os principais símbolos agora associados ao acto: a cesta de verga e a toalha com quadrados. Era chique preparar a refeição e juntar toda a família em 30 metros quadrados de relva e arvoredo.

No século XX, ganham alguma força com o movimento hippie, mas nas últimas décadas do chamado século do povo, a refeição ao ar livre perde o seu charme. Os cestos são substituídos pelo cooler, as toalhas de pano por toalhas de banho, a fruta fresca pelos iogurtes líquidos. A febra para grelhar em tronco nu e o garrafão contendo a “melhor colheita lá da terra” são regra. Monet rebola no seu caixão e os saudosistas dizem que “antigamente é que era bom”. A aversão ao piquenique nasceu.

Porém, vivemos num tempo de renovação e, contrasenso, de reaproveitamento daquilo que era bom noutras Eras. Fruto desta onda, tem surgido um movimento neo-piquenique liderado por jovens de toda a Europa que invadem os parques das cidades com cestos e toalhas, baguetes, vinho e fruta fresca. Tal como o Renascimento criou uma ponte para a Idade Moderna usando a inspiração dos clássicos, talvez este movimento possa revitalizar o piquenique e devolver-lhe o seu trono de Rei de todas as refeições. No entanto, é preciso reformular as políticas relativas ao piquenique que têm sido postas em práticas nas últimas décadas. Aqui fica uma lista de alvos a abater:

Infantários
Para além da bata uniforme usada todos os dias, nos piqueniques organizados pelo infantário os petizes são obrigados a usar bonés moles, com pala torta e cor berrante (laranja ou amarelo-fluorescente, quando não rosa-choque). Normalmente o boné vem com o patrocínio de uma empresa de construção, supermercado ou loja de móveis local.

Existem apenas dois tipos de destino para este tipo de piqueniques: o mato mais próximo ou a praia. Nos matos as crianças são adormecidas com o discurso entediante de que não devem deitarem lixo para o chão, nem acender fogueiras nem comer caca de cão.

Na praia, para além do grande senão da areia, aumentam as probabilidades de intoxicação alimentar, com produtos como maionese exposto durante muito tempo ao Sol. Existe também o perigo do canibalismo, quando o miúdo mais balofo confunde o amigo coberto de areia da cabeça aos pés com um croquete. Já para não falar que a média de crianças que se perdem nestes eventos, depois de correr atrás do bobby, deverá ser extremamente alta.

Catequese
Os piqueniques da catequese são organizados próximos do Natal ou da Páscoa e buscam inspiração, não na Belle Epoque, mas na idade Média, com a Igreja a sancionar a exploração dos mais pobres pelas mãos dos mais abastados. As crianças da plebe trazem sempre o farnel mais recheado e os surtidos das bolachas e são sempre as que comem menos. Os miúdos ricos normalmente só trazem um Mars ou um Twix, mas não ficam saciados até acabarem com tudo o resto. Os mais impuros começam aqui a descobrir que o sexo oposto afinal não é igual e a amizade que existia entre duas almas puras perde-se desde aí.

Primária e segundo ciclo
Normalmente nas visitas de estudo, o boné mole pode ou não estar incluído na primária. Aqui também aparecem os miúdos carregados com tupperware recheados de bolinhos de bacalhau, pataniscas, rissóis, croquetes, batatas frias e bollycaos e aqueles que só levam panrico com fiambre porque as mamãs não querem que engordem, mas comem as iguarias dos colegas.

Os filhos de médicos trazem o farnel numa mochila que se transforma em banco, oferecida por um laboratório. Na altura parece uma invenção fixe e, por alguns tempos, até os torna populares, mas mais tarde percebem porque só arranjaram namorada aos 20 ou quando mudaram de escola. Sei do que falo. Acreditem.

Nota pessoal: Foi numa destas visitas que tive a minha primeira experiência com drogas, quando o meu colega Bruno, que era parecido com o Moe do Calvin and Hobbes, pegou numa seringa que encontrou no chão, enquanto comíamos numa mesa de pedra. Ninguém se aproximou nem falou com o Bruno durante algumas semanas, com medo de apanhar sida. Para a maioria dos jovens, as verdadeiras experiências com drogas e álcool durante piqueniques surgem mais tarde, no 9º ano, no Fórum de Religião e Moral. Isso e a primeira tentativa de suicídio.

Férias Desportivas e Encontro de Jovens
As aulas acabam e os miúdos querem ficar em casa a jogar consola. Os pais não podem permitir isso, então mandam-nos para os campos de concentração ao ar livre chamados Férias Desportivas. Regressa o boné mole, agora aliado à t-shirt com o nome do grupo de jovens de que se faz parte. O piquenique é assim associado a actividades como a gincana, o pedi paper, o rappele, a escalada e a canoagem. Os miúdos comem só sandes e bebem compal em mini-pacotes, a preço de desconto graças ao patrocínio.

Nos encontros de jovens, vulgarmente sancionados pela Igreja, como Têzê e o Fórum de Religião e Moral, tem um ambiente parecido, sendo os piqueniques aliados a espectáculos de body combat e danças hip hop, em vez de actividades radicais. Uma das poucas vantagens deste tipo de piqueniques é que muitos jovens do interior rural têm pela primeira vez contacto com sexo, álcool e drogas e percebem que se calhar existe mais na vida do que uma bela tarde a apreciar a montanha enquanto as ovelhinhas comem a sua ervinha.

Com o Sol a espreitar, não será complicado encontrar um qualquer casal jovem, ou um grupo de amigos, a aproveitar o momento como se não houvesse amanhã num qualquer parque. Seja uma simples sande mista, ou algo mais requintado, existem sempre elementos comuns; Gargalhadas, uma expressão que espelha a sua felicidade, um bom vinho e amizade. Afinal, nem tudo se perdeu no piquenique da Catequese.



Existem 4 comentários

Add yours
  1. deb

    A tradição pode perdurar, ou tão depressa ser ou deixar de ser moda, a questão é: E onde fazer Pic Nics?

    Não há qualidade nos jardins que temos, pelo menos na região de Lisboa e Vale do Tejo, a começar por apontar o dedo à maioria das pessoas que nem civilizadas conseguem ser.

    Por exemplo, no artigo menciona "nem comer caca de cão" na palestra dada às criancinhas que passeiam nos jardins através de infantários. Ir ao cerne da questão é mencionar que a cáca de cão nem lá devia estar lol e enquanto não se apreender o conceito de andar com saquinhos de plástico se tem cão, esqueçam!

    Nas praias além da questão dos "canitos" há o factor "bué de gente" que não permite que haja lugar para pic nics.

    De qualquer das formas, boa abordagem ;)

    Continuem assim,

    Deb

  2. David Carvalho

    Deb,

    Dizeres que não existem espaços verdes em Lisboa e no Vale do Tejo para fazer um belo de um pic nic, fico com a ideia que não conheces é os espaços verdes fantásticos que Lisboa tem…e acredita que não são poucos. Olha que este pic nic foi fotografado num Jardim absolutamente lindo no centro de Lisboa que está na sua maior parte das vezes sem ninguém…


Post a new comment

Pin It on Pinterest

Share This