Poesia na Rua de Baixo
Na sociedade, cada vez mais, existe menos tempo e espaço para ler e pensar. Aqui fica uma boa oportunidade.
Daniel Bayesha tem 27 anos, nasceu em 9 de Outubro de 1976 e é Advogado.
Viveu até aos 16 anos em Loures e vive hoje em Lisboa, no Alto de S. João, acordando todos os dias com uma magnífica vista do Mar da Palha. Licenciou-se em Direito em 1999 e pósgraduou-se em Direito da União Europeia, tendo um estudo sobre esse tema publicado, em 2003, exercendo advocacia no Chiado, em parceria com vários colegas. Ao espírito sintético, formalista e burocrático do Direito contrapõs-se a liberdade criativa da escrita. Na verdade, apesar de “amadora”, a escrita ocupa a parte de leão da sua vida, todos os tempos livres, durante o sono, no banho, na televisão. Tudo se decompõe em frases-chave (o início de tudo) que se transformam em folhas escritas (sempre no PC, nunca à mão).
A escrita é a terapia para uma profissão stressante, para uma cidade atrofiante, para apreciar a beleza da criação. Tem publicado regularmente no DN Jovem do Diário de Notícias e em outros sites dedicados à poesia, como o www.madredeus-osonho.pt e em amostra.mgoffline.com entre outros. Têm sido estas as pequenas vitórias num contexto adverso de abertura a novos autores, sobretudo na área da poesia, onde se matam à nascença novas possibilidades de criatividade, negando oportunidades de exposição. Mas a criação não se interrompe e a espera amadurece.
Tem como objectivos não parar nunca de escrever, ler, evoluir e ter a oportunidade de mostrar algum do talento que pensa possuir.
Depois de nos ter contactado, fizemos um convite ao Daniel: Escrever sobre a Rua de Baixo ou sobre aquilo que para ele representa este nosso projecto. O resultado é este:
as vozes em ti
Procuram as vozes em surdina, na lentidão da luz,
em madeira rara, esquecidas e quentes, descarnada,
amaciando, arrepiando o veludo azul,
incandescente, de intensidade crepuscular,
inteiramente inventado na monção de verão,
percorrendo e envolvendo as mãos, nas tuas, longe,
querendo, temendo, ansiando, antecipando,
rasgando a madrugada e fios de prata caídos sem glória, sem brilho,
volteando, toureando demónios ao amanhecer,
perseguidos, eles e nós, sem nada em comum,
os mesmos medos, debaixo da almofada, quente e suada,
gritando mais alto que a fita, com gravilha na imagem,
invejando as letras e a escrita, a preto, em papel brilhante,
melhor que o teu, rascunho de peça, de dança rangendo no soalho,
de tinta escorrendo, alagando, mortificando-se,
temendo o afogamento em ti, imprevisível, inevitável, insaciável,
um insolente urro em plenos pulmões,
sou eu, mostrando-te o que sei, sobejando, explodindo,
a fascinação, a excitação digna de exibição, carnal, erótica, diferente,
cumplicidades de ser tão urbano, embriagado pela criação,
movimentos e contemplação, viver como aparições,
a busca silenciosa nas sombras do mar, onde o sol não tem lugar,
os fugazes desenhos, os amores tristes e enebriados,
a mentira do sonho que acaba, mesmo ali, na rua de baixo,
tão perto como o mal que nos vigia, que nos atormenta, rodeia,
estremecendo num marulhar distante do fim do mundo,
temendo o fim da polifonia, devoradora, insaciável,
o esquecimento, a cegueira, a mudez da voz que há em ti.
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