Primavera Sound 2013 | Barcelona

Primavera Sound 2013 | Barcelona

A sinfonia da Primavera fez-se na Catalunha

O Primavera Sound tem evoluído, ao longo da última dúzia de anos, para um dos maiores eventos da música contemporânea na Península Ibérica e garantindo posicionamento no firmamento dos mais pertinentes da Europa. Com o irmão mais novo prestes a apresentar-se no Porto para a segunda edição, no próximo fim-de-semana, a edição de Barcelona realizou-se no passado fim-de-semana, entre os dias 23 e 25 de Maio.

Ao longo de três dias, e entre seis palcos de concertos e mais alguns de acompanhamento e apresentações menores, foram quase 200 os nomes que passaram pelo Parc del Fòrum. Com uma média de 12 horas diárias de música sem intervalos, não será difícil induzir que a reportagem que aqui se apresenta se trate de uma de infindáveis versões do mesmo festival, que prima tanto pela diversidade como pela qualidade.

Deerhunter

Dia #1 (23.05.2013)

O início da tarde deu-se no palco Heineken com os Wild Nothing. O palco, que se trata do maior do festival, foi mesmo demasiado grande para a banda que em disco recupera o dream-pop numa pop actual bastante orelhuda e sem renegar as suas influências longínquas. Abriram com talvez um dos seus melhores temas, o single «Paradise», numa versão com pouca carga, que de resto ditou o rumo do restante alinhamento.

Pouco depois, já se apresentavam as aclamadas Savages ao palco Pitchfork (meio que lhes deu muita da visibilidade que por ora ostentam), apresentando um alinhamento de temas do seu disco (de estreia), num seguimento atrasado no tempo do post-punk do final dos 70 de bandas como os Joy Division ou os Bauhaus. Vestidas de preto e dotadas da mesma energia que as alimenta, foram uma boa surpresa, ainda que sem grandes inovações. Minutos depois, já se apresentavam os Tame Impala novamente no palco Heineken, com um desfile dos respectivos êxitos com pingos de criatividade em palco: paragens obrigatórias em temas como «Feels Like We Only Go Backwards» ou «Alter-Ego» justificaram a presença da banda no festival. Relembramos o magnífico concerto em 2011 no Meco, que superou bastante o que vimos no Parc del Fòrum.

Entretanto já tocavam os Dinosaur Jr. no palco Primavera. Tios do rock alternativo, deram vislumbres de um repertório variado q.b., passando por hinos como «Feel The Pain» ou a reinterpretação de «Just Like Heaven» dos The Cure. Tivémos de abandonar o concerto mais cedo porque entretanto os Deerhunter já se preparavam para invadir o palco Ray-Ban, mesmo ao lado, e o mais bem conseguido palco do festival – um auditório que nos faz lembrar um pequeno Tabuão acimentado, é aqui que podemos disfrutar da acústica mais cristalina do recinto.

Bradford Cox sucede a sua banda a subir ao palco, com um vestido que parece surrupiado ao guarda-roupa da avó. E para a ocasião, a banda norte-americana preparou um alinhamento particularmente feliz: o início, repescado a “Microcastle” com «Cover Me (Slowly)» e «Agoraphobia», dá início a um set repartido entre o transcendente “Halcyon Digest” e o mais recente e não menos fabuloso “Monomania”. E se em disco os Deerhunter correm em várias direcções – desde o mais atmosférico e quase shoegaze ao rock lo-fi, nas andanças mais recentes -, in loco não são menos que muito expansivos. Tendo a noite entretanto caído, dificilmente o cenário poderia ter sido melhor para ouvir «Desire Lines» ou a excelente sucessão «Sleepwalking» – «Back to the Middle» – «Monomania», esta última com queda para o caos e para a distorção maciça. Não ouvimos a mota no final, mas ficou registada uma das prestações mais efusivas dos três dias de festival.

Hora de correr novamente para o cenário Primavera, para receber os Grizzly Bear. Com a destreza ao vivo a que nos acostumaram – todos eles grandes, grandes músicos – recriam temas de “Shields” e “Veckatimest”, este último ainda o seu maior trabalho. E desengane-se quem pense que são banda para tomar tudo isto por garantido: com roupagens novas para hits como «Knife» ou «Two Weeks» – desfile certeiro quase na recta final – sob um cenário à média luz (com candeeiros que sobem e descem o cenário), os Grizzly Bear debitaram melodias que parecem medidas ao milímetro mas que soam medidas a olhómetro.

Os Phoenix subiam ao palco Heineken com a sua máquina muito mal oleada de hits. Se em estúdio parecem erguer canções pop pegajosas que aparentam valer como um todo, ao vivo não são mais do que a soma das partes. Nenhum dos músicos é particularmente virtuoso e nem a coordenação entre eles o é (pareceu-nos que Thomas Mars queria dirigir-se ao público quando os seus companheiros o atropelaram com o início de «Too Young») e ninguém parece perceber que a nível lírico os Phoenix não são bons, como de resto se demonstrou com a versão acústica manhosa de «Countdown (Sick for the Big Sun)».

A noite terminaria a cargo dos Animal Collective, numa performance um pouco mais acessível do que nos acostumaram. Pela amálgama sonora, desfilaram, para forte recepção da audiência, temas como o fabuloso «What Would I Want? Sky» ou o intermporal «My Girls».

The Knife

Dia #2 (24.05.2013)

O fim da tarde traria Kurt Vile & the Violators ao palco Heineken, com o novo “Wakin’ On a Pretty Daze” em peso no alinhamento. Houve ainda tempo para uma serenata com o músico norte-americano a solo com a guitarra acústica, mas houve também oportunidade de repescar temas mais antigos – o fecho com «Freak Train» demonstrou bem a grande forma do colectivo.

Pelas t-shirts e camisolas respectivas, seria fácil adivinhar a expectativa geral que antecedia o concerto dos PAUS, a banda que é tão grande em Espanha como o Tom Waits o é no Japão. De resto, foi a energia e o alinhamento irreprensível do costume a tomar de assalto o auditório do palco Ray-Ban, arrancando recepções efusivas à audiência.

Num festival desta escala, em que a audiência ronda os 150 mil espectadores, crescem vários microcosmos. Caso disso foi o magnífico concerto de Matthew E. White no palco Vice, com a sua banda residente da Spacebomb reduzida às cordas e percussão. Visivelmente comovido por estar a tocar tão longe casa, fez desfilar uma boa porção dos temas do seu genial “Big Inner” que resultaram em pleno neste formato.

Um dos grandes destaques do dia seriam os The Jesus & Mary Chain, autores de um dos maiores discos alguma vez gravados: “Psychocandy”. Os escoceses optaram por um alinhamento que recuperou muitos (demasiados) da última e menos inspirada fase da banda, no limiar da separação. Na recta final houveram vários temas de “Psychocandy” (com direito à voz de Bilinda Butcher em «Just Like Honey»)  e “Darklands”, ou mesmo o incendiário single «Reverence», que levaram a prestação para um fôlego bem diferente. É pena que se tenham transformado numa banda quase convencional, aquela que um dia redefiniu o limiar entre a música e o barulho.

Pouco depois, James Blake apresentava-se no palco Primavera. Rodeado por dois assistentes (na percussão e nas cordas), Blake apresentou ao sintetizador um alinhamento que excedeu em grande escala os seus singles mais orelhudos e deu uma das performances mais surpreendentes do dia. Tempo de correr novamente para o palco Heineken para acolher os ressuscitados Blur, num registo best-of. Apesar da energia variável do set, é indiscutível que a banda reuniu o conjunto de hits mais bem conseguidos dos idos anos 90, e a audiência responde a isso em puro êxtase. Com o seu dente de ouro, Damon é um excelente mestre-de-cerimónias que pula, percorre o palco, canta junto da fila da frente e percorre uma panóplia de instrumentos.

Reservado para o final da noite estava o concerto dos suecos The Knife. Chamar-lhe concerto será redundante, uma vez que raras vezes existiu alguém a tocar instrumentos. “Shaking the Habitual Show” é antes uma performance absolutamente singular, com todo o tipo de coreografias e elementos cénicos. É uma apresentação extremamente sinistra que volta a questionar as concepções do concerto e fundi-las com o espectáculo visual.

Nick Cave & the Bad Seeds

Dia #3 (25.05.2013)

O último dia no Parc del Fòrum centrou as atenções nos dois palcos mais próximos: Heineken e ATP. A abrir o palco ATP estavam os Mount Eerie, o projecto de Phil Evrum, ou The Microphones. Com músicas curtas e quase impenetráveis, talvez não fosse este o cenário ideal para assistir a um concerto destes (também a proximidade dos palcos teve consequências acústicas num concerto onde o silêncio também é parte da música). Deixando o repertório menos novo para trás (nem sinais de “Dawn” ou “Lost Wisdom”), Evrum apresentou-se acompanhado de três meninas, e dizia “é um prazer estranho tocar aqui”. O sentimento é mútuo.

No palco Pitchfork tocava Melody’s Echo Chamber, a dama de Kevin Parker dos Tame Impala, que teve um dedo (uma perna, ou duas) na produção do seu disco de estreia. Variando entre o inglês e o francês, Melody Prochet mune-se de uma banda que rouba o pedal de distorções aos Tame Impala e não tem especial interesse nas estruturas previsíveis das canções que apresenta.

À audiência do palco Heineken apresentavam-se agora, segundo os próprios, os “Band of Horses part 2: The Reckoning” (em português, o ajuste de contas). A substituir o cancelamento dos Band of Horses, era o regresso dos Deerhunter ao Parc de Fòrum. Vê-los novamente é como aquela sensação quase infantil que fica depois de um concerto (o de quinta-feira): “mal posso esperar por vê-los outra vez”. Com um alinhamento com algumas variações, nomeadamente a introdução que foi agora recuperada ao gigante “Cryptograms” ou a inclusão do tema final de “Monomania” como chave de ouro, o regresso de Cox fez-se acompanhar de muito bom humor e distorção (“esta é uma preview do que poderão ver logo, nos My Bloody Valentine”, dizia brincando com o feedback). Sejamos sinceros: o concerto de dois dias antes foi largamente superior, tanto não seja porque o som deste palco principal não é bom; mas decidimos ainda assim seguir o nome do disco à regra.

Seguidamente, era a vez de Nick Cave & the Bad Seeds ocuparem o mesmo palco. Uma performance absolutamente visceral de uma banda que têm química como poucas (e também relevância). Nick Cave é um agente de caos e debitou letras que vão do inferno ao paraíso, percorrendo alguns temas do novo “Push the Sky Away”, mas abrindo clareira para obras-primas de outrora: «From Her to Eternity», «The Mercy Seat» (com direito a umas gotas de chuva certeiras) e «Stagger Lee», quase no final, definiram uma uma prestação avassaladora, onde Cave não largou o público (literalmente) até o levar ao mais puro exorcismo e respectiva redenção. Um dos maiores concertos do certame.

A espera foi longa (ou assim nos pareceu) pelos My Bloody Valentine. Por volta das duas e meia da manhã, as colunas do palco Heineken foram vítimas de uma prestação absolutamente devastadora. Pediam-se as vozes de Kevin Shields e Bilinda Butcher (que não chegaram a subir de volume, por exigências conceptuais), num alinhamento que contou um capítulo da história da música. Temas como «Honey Power», «To Here Knows When» ou «Soon» preencheram um set que terminaria com o puro holocausto sonoro que divide «You Made Me Realise». Bombardeando a audiência com ondas sonoras da mais bela das frequências que saiu daquelas colunas do festival durante estes três dias, os My Bloody Valentine parecem ter parado no tempo e, no entanto, continuar com a mesma pertinência de há 20 anos atrás. Devastador.

O final da noite, de volta ao palco Primavera, deu-se ao som de Hot Chip, com uma performance previsível e sem particular vida de uma máquina de hits que costumamos conhecer como muito bem oleada.

Para a festa de encerramente fica reservada a terceira oportunidade de assistir ao concerto dos Deerhunter, desta feita em sala fechada, no Apolo.

Fotografia por Dani Canto e Xarlene, fotógrafos oficiais do festival



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