Primavera Sound Porto 2023 | Dia 4 (10.06.2023)
Texto por Daniel Espírito Santo e fotografia por Graziela Costa.
Tripla de estrelas para o adeus que merecíamos
Chegara, finalmente, o último dia de um festival agridoce e este quarto dia foi, sobretudo, a despedida que os mais resistentes mereciam depois de tanta intempérie. O festival também merecia terminar em grande e deixar boas memórias, sem mácula e sem pingo de chuva.
Este último dia foi, por isso, um belo contraste com os restantes. Até houve, imagine-se, quem se queixasse do calor que se fazia sentir no Parque da Cidade, ainda a secar as poças de água e lama dos dias anteriores.
Com o bom tempo deu para relaxar na relva, aproveitar o sol, beber uma cerveja a ver as nuvens (hoje bem menos ameaçadoras) e até entreter os olhos enquanto não começavam os concertos. Para além da zona de restauração, com todo o tipo de propostas alimentares (vai um mac n cheese ou uma tripa de Aveiro?), também vale a pena destacar o espaço dado no festival às barraquinhas de artistas nacionais e as suas criações.
É delicioso passar os dedos pelos vinis à venda, experimentar brincos e colares, t-shirts peculiares e até caçar alguns brindes nas banquinhas dos patrocinadores (saudável destaque para as propostas da cidade do Porto, que oferecia de tudo, entre t-shirts, mantas, tote bags, provas de vinhos e até maçãs e sacos para levar às compras no Bolhão). Tudo atividades quase que impensáveis por entre os pingos da chuva traumáticos dos dias que se antecederam.
Mas voltemos à música, num dia em que é impossível destacar apenas um artista. Se, no primeiro, tivemos Kendrick Lamar como estrela quase única, no segundo rendemo-nos a Rosalía e, no terceiro, não paramos de falar de Pet Shop Boys… neste derradeiro dia de Primavera Sound 2023 não é aceitável falar só de uma estrela maior, quando três passaram pelos dois palcos principais do evento.
A primeira foi Halsey que, ali à hora de jantar, fez muitos jovens correrem para entrar no recinto a tempo e horas de a ver. Só, talvez, eles não ficaram surpreendidos com a norte-americana. Muitos dedos foram apontados à organização pela aposta numa estrela tão pop – e muitos dos que estavam plantados em frente ao palco principal estavam somente a guardar lugar para Blur – mas quem conhece o álbum “If I Can’t Have Love I Want Power”, produzido por Trent Reznor, já sabia que Halsey é tudo menos uma boneca bonita. Longe disso. E ela faz questão de o afirmar com cada movimento, palavra e ação.
Mesmo alguns dos seus êxitos menos rockeiros levaram, ao vivo, um banho de guitarra e bateria. Foi o caso da sua famosa «Closer», que aqui até teve direito a pirotecnia. Alternando entre conversar imenso com o público (ficamos a saber muitos detalhes sobre a sua vida íntima, que foi mãe, que é bissexual, que a família estava entre o público e até que ia a correr ver New Order a seguir) e quase não respirar entre canções, Halsey conseguiu compactar numa hora um espetáculo rico, coeso e inebriante, para tirar definitivamente as dúvidas quanto ao seu posicionamento no palco principal.
Halsey não teve, mesmo assim, tarefa facilitada. Notou-se a cada movimento um trabalho esforçado e competente para cativar um público que, talvez, não estive ali propriamente para a ver mas que, arriscamos, vá olhar com outros olhos para ela a partir de agora.
Destaque especial para «Without Me», talvez o seu maior êxito (com direito a mergulho na multidão), «Easier Than Lying», onde conseguiu provar os seus dotes vocais, «The Lighthouse» (também do álbum cunhado com a ajuda de parte dos Nine Inch Nails) e com o derradeiro «I am Not a Woman I’m A God», que fechou com chave de ferro forjado no fogo o espetáculo e que, diríamos, era mais do que fitting. Estivemos, de facto, perante uma espécie de deusa que fazia questão, a cada momento, de nos lembrar que era falível e humana. A rever, definitivamente, talvez a solo e sem o público de Blur e New Order…
Por falar em New Order, era hora de ir a correr para o palco Vodafone. Sim, os New Order não tocaram no palco principal. O espaço que ladeava o anfiteatro natural onde se encontrava este palco (era o principal o ano passado, vá) foi manifestamente insuficiente para todos os festivaleiros que quiseram ver a mítica banda ao vivo. E se, de início, ninguém arredava pé, nem quando o concerto de Blur começou, perigosamente, a aproximar-se, o cenário foi mudando de figura no decorrer da atuação. O peso de quarenta anos de história era muito, mas a “hype” ficou-se por isso mesmo.
Os problemas vocais de Bernard Summer foram mais que muitos e culminaram com… problemas técnicos. “True Faith”, uma das suas canções mais badaladas, foi tocada três vezes e interrompida outras tantas, até que a banda desistiu de a tocar e passou para o êxito seguinte, já quase no final da sua atuação. Se eles não desistiram – e até agradeceram a paciência dos presentes perante os problemas técnicos – muitos foram os que aproveitaram a deixa para debandar para o lado de lá… Com o palco principal lá tão longe e os pés já calejados de quilómetros percorridos por estes dias, foi mesmo a melhor opção para garantir um bom lugar nos Blur, perante um recinto finalmente à pinha.
A desilusão, no entanto, durou pouco e o festival fechou com a pompa e alegria que tanto merecia, cortesia dos Blur. A banda britânica até começou a meio gás, com o single de avanço «St. Charles Square», como que a aquecer os motores para o que se seguiria, mas depressa mergulhou em acordes mais conhecidos e o nonsense da britpop instalou-se. «Popscene», «Coffee and TV», «Country House» e «There’s No Other Way» em óbvio destaque e, claro, Damon Albarn a saltar para o meio do público foram ingredientes fulcrais para tornar um concerto inicialmente ameno numa festa a céu aberto. Seguir-se-iam os não menos icónicos «Parklife», «To The End» e «Boys and Girls», assim – de rajada -, para não dar tempo para meter o pé no chão novamente. Era a loucura. Aquela cerveja tão cara que fomos bebericando ao longo da noite? Voou. As gotas de chuva dos dias anteriores? Viraram suor. As cadeiras colocadas estrategicamente ao lado do palco principal… Serviam para quê, mesmo? A hora era de comunhão e festa. Afinal de contas, estavamos a dizer adeus à edição pouco abençoada pelo tempo do Primavera Sound e a fazer as pazes com o São Pedro. A hora era de dizer adeus, mas feliz – e com direito a duas horas de concerto de uma das bandas mais esperadas e mais queridas do público. Toque de génio para encerrar estes quatro dias caóticos, mas memoráveis.
No final, e depois do pó, chuva e lama, ficou o que sempre fica e o que mais conta: a música. E a certeza de que para o ano há mais. Pois é, para o ano o Primavera Sound volta a ter só três dias e estreia-se com um domingo, para aproveitar o feriado. É marcar os dias 7, 8 e 9 de junho no calendário e rezar para não haver outra pandemia… Nunca fiando.
Podem encontrar as reportagens dos restantes dias aqui: 7 de Junho, 8 de Junho e 9 de Junho.
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