“Primeira Pessoa do Singular”, de Haruki Murakami
Registos e confissões (sur)reais.
Se existem escritores donos de uma obra única e criadores de uma categoria literária própria, o japonês Haruki Murakami é o expoente desse universo reservado apenas aos escolhidos.
É por isso que qualquer novidade literária por parte do autor de obras como “Kafka À Beira-Mar”, “Crónica do Pássaro de Corda” ou a mirabolante trilogia “1Q84”, é motivo de alegria e agradecimento para quem gosta de Murakami e de se envolver nas suas desconcertantes narrativas.
Tal como tem sido apanágio do autor nos tempos mais recentes, é em formato de conto que Murakami oferece mais um livro. No caso, e mais precisamente, oito pequenas estórias que foram reunidas em “Primeira Pessoa do Singular” (Casas das Letras, 2021) e nos levam a sonhar, de olhos bem abertos, entre amores de adolescência, macacos massagistas, amantes de basebol ou discos que não existiram, mas que bem podiam ter, e música, muita música, do Jazz à Bossanova, passando pelas sempre atuais vibes dos The Beatles ou o perfil épico da música dita clássica.

Destas oito pérolas, sete já tinham conhecido a luz da edição, ainda que não em português, e uma é estreia absoluta, no caso o difícil de classificar conto homónimo que encerra o livro. E, não querendo cair na tentação de revelar mais do que o devido, destaca-se a capacidade eximia de Murakami explorar a melancolia em relação a um passado que, conscientemente ou não, molda cada personagem e narrativa.
Em “Primeira Pessoa do Singular”, há também espaço para homenagear heróis do escritor japonês, como acontece com Franz Kakfa no conto Confissões de Um Macaco de Shinagawa, cujo protagonista é treinado para assumir a personificação de um vulgar, mas erudito, humano, lembrar antigas namoradas fãs de easy listening, em “With The Beatles”, ou o fascínio pela beleza de uma mulher feia confessado em Carnaval.
Mas, e como falamos, é a música um dos temas mais focados nesta coleção de contos, em especial em Charlie Parker Plays Bossanova, onde um jovem escritor faz uma crítica falsa a um disco que nunca existiu, numa clara homenagem à capacidade de fundir sonho e realidade. Essa fronteira é também explorada em Créme de la Creme e no já referido Carnaval, nestes casos com elevadas doses de um cativante enigma.
Aconselhado a todos, fãs de Murakami ou leitores de primeira viagem do autor, “Primeira Pessoa do Singular” é (mais) um exercício de elegância em forma de escrita cujo embrulho surreal, entre a exploração de um universo mais pop e as tradições nipónicas, é sinónimo de bons momentos de leitura.
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