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Primeiro Amor

Beckett Forever.

Está sempre a ser revisitado. Desta vez é A Gaveta – Associação Cultural e Pesquisa Teatral, sediada em Portimão – que vem até ao teatro da Trindade trazer mais uma obra do dramaturgo irlandês mais aclamado do século XX.

Para começar, parece-me interessante salientar como, em Portugal, tanto se encena Samuel Beckett. Companhias pequenas, maiores, grandes produções – embora Beckett nunca exija ‘grandes produções’ mas sim rigor nas poucas linhas que orientam as movimentações em palco – pequenas produções, textos muito conhecidos representados até à exaustão – como “À Espera de Godot” – ou outros que ficaram mais esquecidos – como é o caso deste “Primeiro Amor” escrito originalmente em 1970 em Francês e traduzido para Inglês pelo próprio três anos mais tarde. Há uma atracção, que existe em todo o mundo, mas que em Portugal parece ser especial. Já nos anos 80, Miguel Esteves Cardoso – autor de diversas traduções de Beckett – e a maravilhosa actriz e grande personificação do teatro Graça Lobo, tocavam na tecla Beckett com grande insistência.

Parece que há nas personagens do autor o mesmo fatalismo dos portugueses. O miserabilismo, a ideia de que não há saída, do sofrimento eterno, de que o melhor já passou. E, no caso de Godot, o paralelismo com o mito do sebastianismo, a ideia de que algo ou alguém virá salvar-nos da desgraça é flagrante e assombroso. A diferença é que D. Sebastião virá de forma épica salvar a pátria e levantá-la a patamares de glória superiores aos já conquistados, e Godot apenas virá salvar dois homens que se encontram à beira do abismo. Trata-se de uma versão minimal, no entanto é do mesmo sentimento que estamos a falar.

O “Primeiro Amor”, a que podemos assistir até ao próximo dia 19 de Março, de quinta a sábado, no Teatro-Bar do Teatro da Trindade às 23h00, envolve-nos mais uma vez no universo Beckettiano com recurso mais do que suficiente a um actor, um monólogo, um banco corrido, roupas que indiciam indigiência, variações de luz branca – muito importante para este dramaturgo –e, excepcionalmente, um strobe para intensificar momentos em que o tom de loucura (ou será de lucidez?) sobe para níveis mais perturbadores.

A interpretação de Rui Cabrita demorou mais de dois meses a preparar e impressiona pelo realismo, a crueza, os murros no estômago que o texto pede para passar para o público e a que o actor não se esquiva em entregar. “Naquela altura eu n percebia as mulheres. Aliás agora também não. Nem os homens nem os animais. O que percebo melhor, e não é dizer muito, são as minhas dores.” – excerto de “Primeiro Amor” de Samuel Beckett

Sandro William Junqueira, o encenador e director artístico que veio do Algarve e que volta ao Teatro da Trindade depois de 2007, na sala principal com “Dois Senhores” a partir de um texto Gonçalo M. Tavares, conversou com a Rua de Baixo depois da estreia e disse-nos que este homem, que debita a experiência dolorosa do seu primeiro amor, é acima de tudo isso mesmo, “um homem”. Acrescenta que ele é uma criatura que não tem esperança e, sobre o autor, lembra e cita “não há nada mais cómico que a infelicidade”.

Cada vez mais, e tendo em conta o momento que se vive no mundo hoje, aquele que é o teatro do absurdo vai sendo cada vez menos. Sandro William Junqueira concorda perfeitamente. É uma mutação na perspectiva com que se assiste ao dramaturgo que tanto gostamos e que continuará a ser aplaudido infinitamente.



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