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Venda ambulante no maior país da América do Sul

A versão brasileira do “Olha a batatinhaaaa!”

Qual Yves Rocher, Avon, Herbal Life e outras marcas de venda directa que proliferam pelo mundo? Qual telemarketing e novas estratégias de comércio? O verdadeiro mundo das vendas está no Brasil onde através de proeminentes representantes comerciais que trabalham na rua, na praia, nos semáforos, dentro dos autocarros, nas estações de metro e carruagens, uma grande rede de troca é estabelecida. Em suma, no país da percussão, das caipirinhas e da boa disposição, qualquer espaço físico é sinónimo de ponto de venda, e ainda que seja proibido, é tolerado e desejado pela população.

Comecemos por São Paulo. Na grande e poluída metrópole, as transacções realizadas ao ar livre ocorrem normalmente à saída da cidade, a caminho da periferia, entre condutores e vendedores. Chicletes (ou pastilhas elásticas), rebuçados, lenços de papel, pensos rápidos e vários tipos de fruta são vendidos à vasta rede de clientes que param na sinalização luminosa, e com bastante sucesso.

A oferta é em massa, portanto, quem não quiser comprar num determinado momento, uma simples e discreta subida do vidro pode resolver o problema. Mas há que ser realmente discreto, porque se o vendedor estiver a olhar enquanto a janela é fechada, pode ficar seriamente aborrecido – tal não convém e deve ser evitado. Se a pessoa não foi a tempo antes da aproximação do vendedor, o melhor é esquecer esse procedimento, desviar o olhar para o lado contrário e, neste caso, se for o condutor, deve girar a cabeça ligeiramente para a direita e movê-la pausadamente para a direita e esquerda, denotando o “não” em linguagem expressiva. Incliná-la suavemente para a frente, parar, e voltar a subi-la, em sinal de “obrigado, mas não obrigado” também é válido e mantém a cordialidade entre vendedor e cliente.

Já nas deslocações dentro de transportes públicos, isto é, do “metrô” ou do “ônibus”, destacamos dois tipos de vendedores: o tímido, que é aquele que entra na carruagem, cabisbaixo e apressado, deixando os pequenos papelitos coloridos no colo das pessoas, sem estabelecer qualquer tipo de contacto visual; e o destemido, que enfrenta os seus clientes – no momento em que entra no transporte público, faz uma breve apresentação em voz alta, rodando o corpo para um lado e para o outro com os braços no ar, contando o motivo que o leva a estar ali a vender ilegalmente. Ao contrário do que vemos em Portugal, o estilo de venda é um pouco diferente. O comerciante não se apresenta com os pensos rápidos ou lenços de papel suspensos na mão, e não se vai dirigindo aos passageiros ao longo do transporte. Em São Paulo, os vendedores de rua, aqueles operam dentro dos transportes públicos, pousam no colo do passageiro o produto a vender, entram numa ponta, percorrem todo o espaço deixando a chiclete em cima das pernas das pessoas, e depois retornam, recolhendo o produto do colo dos passageiros que não desejaram comprar, ou então, recebendo o dinheiro daqueles que quiseram. Na versão semáforo, o vendedor pendura o pacote de chicletes no retrovisor, e o processo é o mesmo que o referido acima: ou recebe o dinheiro ou recolhe o produto.

Apesar de tudo, por trás do momento em que nos cruzamos com estes vendedores, estão na sua maioria histórias de vida longe das dos contos de fadas. Pontualmente (ou não), alguma mão necessitada e oportunista rouba e depois vende na rua, agregando a venda à sua história “Sou o Emerson, sou artista plástico, e preciso de dinheiro para pagar a pensão essa noite. Consegui esses livros e vendo cada um por 5 reais”. Não vamos dizer que comprar o Crime e o Castigo de Dostoievsky por menos de 2 euros é mau, mas essa do artista plástico não enganava nem a mais crente das avós. A criatividade brasileira é, de longe, muito avançada e bastante válida nestas situações. No entanto, a maioria costuma, muitas vezes (e com a ajuda de algumas cachaças), revelar toda a sua vida e passado, e escutar frequentemente custa mais que dar algum dinheiro.

Não desviando o assunto, continuamos com as vendas ambulantes, mas agora na praia. Aqui é bem mais divertido. Há sol, mar, e barriga para o ar. Não existem preocupações e o negócio é realmente rentável. Pode não haver água, mas cerveja nunca falta. E tem de estar bem geladinha, senão não há compra. Nas praias de Santos, a 100 quilómetros de São Paulo, as bebidas são os produtos mais vendidos, porém, vamos subindo a costa e parece que o negócio vai aumentando, logicamente pelo calor constante que se faz sentir do Rio de Janeiro para cima e que permite o comércio em chinelos todo o ano. A praia é, sem dúvida, um espectáculo de vendas e para as vendas.

Na terra do Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Chico Buarque e Marisa Monte, existem também outros grandes artistas, protagonistas do universo comercial. Morenos já de si, mas notavelmente com a pele bem tostada pelo sol, brilhante e reluzente do suor que se instala nas horas de maior calor ou depois de uma longa jornada de comércio, os homens e mulheres trabalham sob o sol ardente com chapéu com tapa orelhas e indumentária branca adequada ao clima e ao tipo de labor. Desfilando na orla do mar, ganham a vida vendendo tudo que é típico da sua terra: os biquínis, as sungas, os vestidos, os chapéus, os sorvetes, os refrigerantes, a água de coco e o “AAAAAAbacaxi”, distribuído pelo famigerado senhor que grita próximo das nossas orelhas nos momentos de maior relaxe e descontracção, tal e qual como o escrito.

Também, quem visita as praias do Rio de Janeiro dificilmente se esquece dos biscoitos Globo. Doces ou salgados, são uma espécie de hóstia volumosa, leve e estaladiça, e sem grande sabor. Se não se come o biscoito, traz-se a saída de praia (canga em português do Brasil) da marca, que também já existe. Para acompanhar o biscoito (ou mesmo para ajudar a engoli-lo), podemos tomar mate com limão, um chá frio, espécie de “Ice-Tea”, ligeiramente menos refinado e muito refrescante – todo este conjunto até parece uma adaptação britânica do chá das 5pm. Em seguida, qualquer coisa quente para reconfortar o estômago também é bem-vinda, e minis assadores rectangulares suspensos por um fio de alumínio vagueiam pelo areal para assar queijo coalho em espetadas, como se fossem gelados.  Mas não são gelados, até são bem quentes, e há que ser nativo para comê-lo debaixo de uma temperatura de 45 graus.

Já no nordeste brasileiro, nos locais de maior afluência turística, existem hippies emigrados que tomaram conta dos locais e o seu conhecido trabalho de artesanato e barraquinhas de fruta, nas quais podemos beber caipirinhas de qualquer fruta imaginável, e inclusive, dentro de cacaus.

Ainda, na praia de Natal, no estado de Rio Grande do Norte, o Domingo é uma alegria: crepes de frango, carne, banana com chocolate, caipirinhas, e verdadeiras discotecas portáteis tomam conta da praia. Elas são uns carrinhos de madeira com rodinhas e rádio incorporado, que vendem cd´s a uns decibéis exagerados.

Quem sofre daquela ligeira dor de cabeça provocada pela normal ressaca do fim-de-semana, pode dizer mal da vida até no paraíso mais belo. A busca de uma praia deserta para descansar torna-se complicada devido à massa de vendedores, que interrompem a cada cinco segundos a contemplação do horizonte, como se fossem umas formiguinhas obreiras de um lado para o outro, contudo, os corpos mais preguiçosos agradecem com certeza e de muito bom grado o facto de poderem consumir sem terem que se levantar e sair do lugar. Ora pois!

Fotografia por Lia Jorge



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