Queer Lisboa 2014
A 18ª edição decorre de 19 a 27 de Setembro
A homossexualidade tem estado presente em filmes desde os primeiros passos da sétima arte. Personagens homossexuais poderiam ser vistas de relance em filmes, da mesma forma que podem ser vistas nos dias de hoje. Contudo a sua presença tem sido amplamente codificada, enquanto as personagens homossexuais têm sido insultadas, ridicularizadas, silenciadas e catalogadas enquanto patologia. A enumeração é contínua, é vasta e não nos levaria a lado nenhum.
Inicialmente o Cinema Queer foi entendido como sendo parte do silver lining do HIV, como uma espécie de evolução cultural e política acelerada de identidade gay trazida pelos inúmeros desafios e riscos da crise da AIDS. Surgia assim um novo tipo de cinema que, segundo muitos, recorria ao pastiche como truque para prestar homenagem às influências criativas e para sublinhar uma postura ousada tanto política quanto subversiva.
Quem não se recorda dos primeiros filmes de John Waters, Paul Morrisey e Pedro Almodóvar? O trabalho destes realizadores, muitos outros poderiam ter sido aqui nomeados, servem para se tentar compreender as raízes do cinema queer e como este começava a desenvolver aquela que viria a ser a sua reconhecida forma de narrativa visual. O cinema transformara-se num paraíso punk com transexuais e freaks circundados por um abandono liberal. Criou-se um mundo que não requer noções de senso comum ou mesmo de normas sociais. Não há nada permanente. Preferências sexuais, religiosas, fetiches e lógica, mudam num piscar de olho.
De uma forma ou de outras as histórias contadas começavam a trazer ao de cima emoções reprimidas e traumas negligenciados. A dor sentida por aquela específica minoria, deixada há muito a apodrecer, dava os primeiros passos numa deflagração a partir do passado. Isto acontecia no passado e, infelizmente, não há razão para se ser optimista a respeito de uma mudança mais ampla no que toca à produção de filmes da referida temática.
O Queer Lisboa – Festival Internacional de Cinema Queer celebra dezoito primaveras. Olhando para a programação rapidamente percebemos que o festival conta com: histórias de época, documentários sobre a história do LGBT e do seu património, e filmes sobre personagens da terceira idade. Um fascínio pelo passado que é menos sobre a saudade do que sobre a tomada de acções, sensibilizar e preparar-se para um futuro em certo.
Diz-se que dramas humanos e histórias de personagens são capazes, muitas vezes, de preencher o vazio deixado pela ausência de uma grande ideia no centro do filme. No entanto, o drama precisa de ser alimentado por um habilidoso argumentista e criativo realizador. Depois tem que ser colocado nas mãos do actor ou actriz certa. Numa primeira leitura do programa do festival poder-se-á afirmar que ou primeira parte se aproxima do ideal ou o trabalho do elenco fica a desejar.
Algo que a nova geração de cineastas oferece, e que poderá visto extensivamente nesta edição do festival, é a crescente tendência para mostrar sexo explícito como uma extensão da linguagem cinematográfica face à intimidade emocional. No entanto, muitas vezes os mais recentes filmes são, literalmente, saturados em sexo e fazem levantar uma questão pertinente: Será o sexo em cinema como o sexo em literatura, difícil de retratar?
Não basta mostrar tudo o que até então não se mostrou, há que fazer algo cinematograficamente coerente. Não se poderá dizer que o filme é uma fabricação de momentos de pornografia, mas também é incerto qual a intenção para lá de ser um deleite com uma nova liberdade encontrada. Será isso o suficiente?
A resposta a esta pergunta tentará ser respondida entre dia 19 e dia 27 de Setembro. De curtas-metragens a longas-metragens; de filmes de reconhecidos realizadores a estudantes que começam a dar os primeiros passos, esta edição do festival tem de tudo um pouco, um pouco espalhado pelas suas inúmeras secções, que agradará a gregos e a troianos. O festival estreia e encerra com uma produção brasileira, mas pelo caminho permita que o levem numa volta pelo mundo. Delicie-se com as primeiras obras de John Waters, que este ano é homenageado através de uma restrospectiva que promete levar os amantes do cinema aos céus. Encanta-se com a naturalidade africana que este ano começa a ser passada a pente fina na secção Queer Focus. Atreva-se com a secção Noites Hard e divirta-se com as inúmeras festas que o festival irá apresentar ao longo dos dias.
Vários serão os títulos que irá reconhecer mal dê uma vista de olhos ao programa e vários serão aqueles que não lhe dizem rigorosamente nada.
A não perder:
Aya de Yopougon de Marguerite Abouet e Clément Oubrerie (Queer Focus)
Bevor der letzte Vorhanng fällt de Thomas Wallner (Queer Art)
gODDESSES (we believe we were born perfect) de Sylvie Cachin) (Queer Focus)
I Fantasmi di San Berillo de Edorado Morabito (Competição Melhor Documentário)
Nan Goldin – I Remember Your Face de Sabine Lidl (Queer Art)
Opium de Arielle Dombasle (Panorama)
Matterhorn de Diederik Ebbinge (Panorama)
Nånting Måste Gå Sönder de Ester Martin Bergsmark (Competição Melhor Longa-Metragem)
Party Girl de Marie Amachoukeli, Claire Burger e Samule Theis (Competição Melhor Longa-Metragem)
Peter de Rome: Gay Father of Gay Porn de Ethan Reid (Noites Hard)
Polyester de John Waters (Retrospectiva de John Waters)
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