Privilege

Queer Lisboa e Queer Porto anunciam retrospetivas das edições de 2023

O cinema de Yvonne Rainer ocupa os ecrãs em Lisboa; no Porto, a retrospetiva “No Present. No Future. No Wave.” enfoca a obra de Vivienne Dick e o movimento punk.

Os Festivais Internacionais de Cinema Queer – Queer Lisboa e Queer Porto confirmam o regresso às salas de cinema para a 27ª e a 9ª edição, respetivamente. O Queer Lisboa 27 terá lugar no Cinema São Jorge e na Cinemateca Portuguesa entre os dias 22 e 30 de setembro. Entre os dias 10 e 14 de outubro, o Queer Porto chega pela primeira vez ao Batalha – Centro de Cinema, continuando também a sua programação na Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto e no Maus Hábitos.

A retrospetiva deste ano do Queer Lisboa, “Tornar-se Yvonne Rainer”, será dedicada à norte-americana Yvonne Rainer (São Francisco, 1934), em colaboração com a Cinemateca Portuguesa. Coreógrafa, bailarina e cineasta, Rainer é pioneira do movimento de vanguarda norte-americano, com uma carreira de mais de cinco décadas na dança e no cinema. Embora esta sua faceta seja menos conhecida, a artista é amplamente considerada uma das personalidades mais influentes da vanguarda do cinema feminista queer, com um trabalho que enfatiza o experimentalismo e que desafia formas convencionais na exploração de questões sociais, políticas e de género.

As suas sete longas-metragens, recentemente restauradas pelo MoMA – Museum of Modern Art, com o apoio da The Celeste Bartos Fund for Film Preservation, e distribuídas pela Zeitgeist Film em parceria com a Kino Lorber, abordam temas provocadores e oferecem perspetivas inovadoras que ampliam os cânones do cinema contemporâneo. Nos seus primeiros filmes, “Lives of Performers” (1972) e “Film about a Woman Who…” (1974), Rainer desenvolve uma análise performativa da mulher como sujeito, cuja complexa posição social incorpora um potencial transformativo; em “Kristina Talking Pictures” (1976) e “The Man Who Envied Women” (1985) continua a abordar temas relacionais, focando a natureza das relações românticas. Através da utilização de uma série de sessões psiquiátricas como dispositivo narrativo, o seu filme de 1980, “Journeys from Berlin/1971”, explora as ramificações do terrorismo, evocando experiências de poder e repressão. As últimas duas longas-metragens da artista, “Privilege” (1990) e “Murder and Murder” (1996), fecham a sua filmografia com reflexões ousadas sobre o envelhecimento, a doença e a identidade sexual.

Para além dos filmes realizados por Rainer, a retrospetiva integra também dois documentários sobre a sua trajetória: “Feelings Are Facts: the Life of Yvonne Rainer”, pelo realizador Jack Walsh, que estreou na Berlinale em 2015; e “Rainer Variations”, de Charles Atlas — um subversivo e inventivo retrato do processo de pensamento de Rainer. Radicalmente diferentes na sua forma e abordagem, os dois documentários propostos ajudam-nos a compreender o trabalho de corpo – que rompe com o clássico e olha antes para o gesto quotidiano – que Rainer desenvolve nos palcos, em contraste com uma preocupação mais psicologista que virá a explorar no cinema. O programa conta ainda com um debate sobre a obra da artista homenageada, em parceria com a BoCA – Bienal of Contemporary Arts, com convidades a anunciar brevemente e que terá lugar também na Cinemateca Portuguesa.

Lydia Lunch: the War Is Never Over, Beth B (EUA, 2019, 75’)

No Queer Porto, a retrospetiva “No Present. No Future. No Wave.” dedica-se ao movimento No Wave nova-iorquino e contará com um foco especial na obra da cineasta irlandesa Vivienne Dick, que estará presente no Porto durante o festival. Vivienne Dick abandona a Irlanda rumo a Nova Iorque durante os anos 70, onde descobre o universo social e cultural da vanguarda da cidade. Mapeando-o em “Guerillère Talks” (1978) e em “She Had Her Gun All Ready” (1978), a autora retrata questões relacionadas com a identidade feminina e as normas sociais de género. Os posteriores “Beauty Becomes the Beast” (1979) e “Liberty’s Booty” (1980) continuam a questionar a posição da mulher face às estruturas patriarcais. Já “New York Conversations” (1990) e “New York Our Time” (2020) criam uma justaposição da materialidade da cidade, como foi e como se transformou. Fora da boémia urbana, desenvolve estéticas mais poéticas a partir dos espaços onde cresceu, no poderoso retrato familiar “A Skinny Little Man Attacked Daddy” (1994). Em dois dos seus filmes mais recentes, “Red Moon Rising” (2015) e “The Irreducible Difference of the Other” (2013), Dick convida ao questionamento existencial num mundo orientado para a guerra e o consumo.

A retrospetiva irá pôr em diálogo o cinema de Dick com filmes de outras cineastas incontornáveis da altura como Bette Gordon e Beth B, e com figuras proeminentes como Nan Goldin ou Lydia Lunch. A vida artística da icónica Lydia Lunch é retratada no documentário “Lydia Lunch: the War Is Never Over” (2019), realizado por Beth B, que juntamente com Scott B assina ainda o desconcertante “Black Box” (1979), protagonizado também por Lunch. “Empty Suitcases” (1980), pela mão de Bette Gordon, navega os conflitos sociais e económicos de uma mulher através da desconstrução da imagem e da linguagem; “Rome ’78” (1978), da realizadora James Nares, simula uma vida romana improvisada no que talvez seja o manifesto mais seminal do movimento.

O Queer Lisboa tinha anunciado recentemente a longa-metragem “Arrête avec tes mensonges”, de Olivier Peyon, incluída na Secção Panorama. No âmbito desta sessão e em parceria com o programa MaisFRANÇA, o escritor da novela na origem do filme, Philippe Besson, marcará presença no Festival para uma conversa.

Este ano, a equipa de programação dos Festivais Internacionais de Cinema Queer – Queer Lisboa e Queer Porto teve em consideração 1.061 filmes, 455 deles recebidos como submissões. As competições do Queer Lisboa 27 e Queer Porto 9 e restante programação de ambos os Festivais serão conhecidas ao longo das próximas semanas.


FILMES ANUNCIADOS NO QUEER LISBOA 27:

RETROSPETIVA: “Tornar-se Yvonne Rainer”

Feelings Are Facts: the Life of Yvonne Rainer, Jack Walsh (EUA, 2015, 83’)

Film about a Woman Who…, Yvonne Rainer (EUA, 1974, 105’)

Journeys from Berlin/1971, Yvonne Rainer (EUA, Reino Unido, antiga RFA, 1980, 125’)

Kristina Talking Pictures, Yvonne Rainer (EUA, 1976, 90’)

Lives of Performers, Yvonne Rainer (EUA, 1972, 90’)

The Man Who Envied Women, Yvonne Rainer (EUA, 1985, 125’)

Murder and Murder, Yvonne Rainer (EUA, 1996, 113’)

Privilege, Yvonne Rainer (EUA, 1990, 103’)

Rainer Variations, Charles Atlas (EUA, 2002, 42’)

* Debate: “Yvonne Rainer: cinema e dança” – em parceria com a BoCA

PANORAMA

Arrête avec tes mensonges / Lie with Me, Olivier Peyon (França, 2022, 98’)


FILMES ANUNCIADOS NO QUEER PORTO 9:

RETROSPETIVA: “No Present. No Future. No Wave.”

A Skinny Little Man Attacked Daddy, Vivienne Dick (Reino Unido, 1994, 23’)

Beauty Becomes the Beast, Vivienne Dick (EUA, 1979, 41’)

Black Box, Beth B, Scott B (EUA, 1979, 20’)

Empty Suitcases, Bette Gordon (EUA, 1980, 52’)

Guerillère Talks, Vivienne Dick (EUA, 1978, 25’)

The Irreducible Difference of the Other, Vivienne Dick (Irlanda, 2013, 27’)

Liberty’s Booty, Vivienne Dick (EUA, 1980, 48’)

Like Dawn to Dust, Vivienne Dick (EUA, 1983, 7’)

Lydia Lunch: the War Is Never Over, Beth B (EUA, 2019, 75’)

New York Conversations, Vivienne Dick (Reino Unido, 1990, 21’)

New York Our Time, Vivienne Dick (Irlanda, 2020, 79’)

Red Moon Rising, Vivienne Dick (Irlanda, 2015, 15’)

Rome ’78, James Nares (EUA, 1978, 82’)

She Had Her Gun All Ready, Vivienne Dick (EUA, 1978, 28’)

Staten Island, Vivienne Dick (EUA, 1978, 6’)



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