Raymond Chandler

Raymond Chandler

O dia em que o policial deixou de ser tratado por tu

Se há escritor que contribuiu para que a literatura policial deixasse de ser olhada como um género menor ou menos recomendável, esse terá certamente sido Raymond Chandler. O mais curioso é que este apenas decidiu tornar-se escritor de ficção policial aos 44 anos, após perder o seu emprego de executivo numa companhia petrolífera durante a Depressão.

Nascido em 1888 na cidade de Chicago, Chandler mudou-se sete anos mais tarde para Inglaterra com a sua mãe, onde frequentou o Dulwich College – por onde já haviam passado importantes escritores do séc. XX como P.G. Wodehouse ou C.S. Forester.

Regressou aos Estados Unidos em 1912, estabelecendo-se na Califórnia onde conheceu Eugénie Hurlburg, com quem se viria a casar em 1924.

A sua primeira história, “Blackmailers don`t shoot”, foi publicada na Blackmask, uma popular revista pulp. “The Big Sleep”, o seu primeiro romance, viu a luz da edição seis anos mais tarde, apresentando ao mundo Philip Marlowe, um detective com um estilo muito particular. Durante a sua vida, para além de algumas short stories, Chandler publicou sete romances. Com excepção feita a “Playback”, todos eles tiveram adaptação cinematográfica, alguns deles por mais de uma vez.

Após a morte da sua mulher, Chandler voltou a beber, chegando a tentar o suicídio. Morreu em 1959, tendo expressado o desejo de ser cremado e colocado junto às cinzas da sua mulher. Em vez disso foi enterrado no cemitério de Mount Hope, uma vez que não havia deixado instruções para funeral ou enterro. Em 2010, Loren Latker, o biógrafo de Chandler, conseguiu com o apoio de uma advogada levar a bom porto uma petição para reunir as cinzas de Cissy às de Chandler no cemitério de Mountain Hope. Desde então, partilham a mesma inscrição tumular: “Dead men are heavier than broken hearts”. A poesia de Chandler tornou-se eterna.

Philip Marlowe

Numa introdução a “Trouble is my business”, livro que reúne uma dúzia das suas pequenas histórias detectivescas, Chandler desvendou a fórmula para se escrever uma boa história policial, mostrando a diferença entre o espírito das revistas pulp e as anteriores histórias policiais.

Enquanto a base emocional de uma típica história policial – ou de detectives, se preferirem – é a de que o crime será desvendado e a justiça feita, tornando de certa forma insignificante o caminho até à revelação do final apoteótico, para Chandler a construção de cenas suplanta o desvendar da trama, uma vez que uma boa história é feita de cenas fragmentadas e bem construídas. A prosa de Chandler criou um grande número de admiradores, refinada com diálogos afiados, sorrisos líricos e muita poesia que revela um poderoso lado fotográfico.

Philip Marlowe, o detective saído da imaginação de Chandler, continua a ser porventura a maior criação de todos os tempos no universo policial, suplantando companheiros de profissão como Holmes, Maigret ou Poirot e servindo de inspiração a escritores contemporâneos (não terá Harry Hole, o inspector criado por Jo Nesbo, uma costela Marlowniana?).

Por detrás de um hábito alcoólico compulsivo – quase sempre acompanhado por uma nuvem de nicotina – e de um humor refinado e subtil, esconde-se um ser contemplativo, alguém que adora filosofia, xadrez e respira poesia. Não foge a um bom combate, apesar de não ser um tipo violento. Aliás, consegue normalmente acabar surrado por polícias ou insultado verbal ou fisicamente por mulheres quase sempre fatais, que não o conseguem enganar mesmo usando apenas uma lingerie provocadora sobre um corpo de formas esculturais. No grande ecrã foi representado por Humphrey Boggart, que representou na perfeição o detective imaginado por Chandler (e também pelos seus leitores).

Com Philip Marlowe, Raymond Chandler deu-nos o novo herói norte-americano: cerebral, cavalheiro, cínico, sentimental e rebelde. E, com isso, acabou não só por reinventar o romance policial, mas a própria forma de se escrever ficção. Um Prémio Nobel seria mais do que merecido.

Raymond Chandler em Portugal

“A Dama do Lago”
Contraponto

“À Beira do Abismo”
Contraponto

“O Imenso Adeus”
Editorial Presença



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