RDB @ Berlim
Há lugares para os quais somos transportados e outros que efectivamente nos transportam. Todos os caminhos deveriam ir dar a ... Berlim!
Há lugares para os quais somos transportados e outros que efectivamente nos transportam. Sempre que visito uma cidade pela primeira vez penso nesta ideia e apercebo-me de como são raras as ocasiões em que me sinto realmente envolvida.
A viagem a Berlim começou por ser apenas uma oportunidade de espairecer além fronteiras. A expectativa era bastante moderada, até porque o pouco que conhecia da cidade limitava-se aos nefastos acontecimentos históricos e confesso que enquanto ambicionado destino turístico ocupava mesmo um lugar algo negligente na minha lista de prioridades. Hoje acho curioso como uma feliz coincidência acabou transformando-se no início de uma bela amizade, e ainda que saiba que as emoções nem sempre são fáceis de reproduzir em palavras vou mesmo assim arriscar um testemunho escrito.
Antes de mais convém desmistificar alguns dogmas… Os alemães (pelo menos os de Berlim) não são terrivelmente antipáticos e a frieza de que tanto se fala só se sente nos graus negativos que temperam o Inverno. É verdade que existe um certo formalismo na mentalidade alemã, a organização e a disciplina são de facto uma presença constante, mas não se pense que são todos talhados à imagem de Hitler e demais ditadores.
Muito pelo contrário, é precisamente no extremo oposto que se descobre o fascínio da cultura berlinense actual. Os ordenados em média triplicam os praticados em Portugal com a diferença que tanto os preços dos bens necessários como os alugueres de habitação serem bem mais baixos que por cá; a serenidade que as pessoas transmitem onde quer que se vá; a ausência do stress da hora de ponta e a consequente certeza de se chegar a horas seja quando, onde e como for (não fosse quase certo a palavra atraso não fazer parte do dicionário alemão e a rede de transportes ser de tal forma abrangente e eficiente que só não é utilizada por quem prefere a velhinha bicicleta – aqui é um veículo quase tão popular quanto em Amesterdão); e a mescla de raças, credos e culturas e a tolerância e o respeito por formas de vida alternativas. Daí que não seja de estranhar que o conceito “qualidade de vida” seja aqui mesmo levado a sério. Porém, é sobretudo na diversidade e nos contrastes que assenta o dia-a-dia berlinense, quer se fale da oferta cultural, dos assuntos do foro alimentar ou da engenhosa paisagem urbanística.
Uma cidade em constante melhoramento
O primeiro contacto visual atira-nos para uma cidade em constante reinvenção – poucos são os espaços onde não está a ser construído algo –, edifícios modernos (maioritariamente envidraçados) com arquitecturas completamente distintas brotam como cogumelos nas principais praças da cidade. O aparente caos urbanístico esconde uma planificação meticulosa e simultaneamente discutível. É deveras fascinante atestar este contraste entre estilos antigos e modernos convivendo lado a lado.
Se partirmos da zona do parlamento alemão, começamos logo por encontrar uma estrutura clássica central com excepção da cúpula envidraçada no topo (ao qual o público pode subir tendo acesso a uma impressionante vista sobre a cidade). No entanto, todos os restantes edifícios ministeriais remetem novamente para a modernidade de design evocativo de transparências e amplas janelas. Continuando pelo quarteirão da ilha dos museus e seguindo pela imponente catedral da cidade (Berliner Dom) onde a majestosa arquitectura romana se impõe; mesmo ao lado logo nos confrontamos com o edifício da república (que está previsto ser destruído por conter amianto na sua estrutura, como se sabe um material altamente cancerígeno), um enorme paralelepípedo coberto de vidros avermelhados que também dá de frente para a praça da torre da tv (um dos símbolos mais associados à capital alemã e visível a partir de quase todas as zonas da cidade), um pouco mais à frente encontra-se o aglomerado de blocos cinzentos e de linhas direitas herdados da conturbada década de 1980 que caracteriza uma das mais populares praças berlinenses, Alexander Platz. Um exemplo curioso é também a Potsdamer Platz (onde se situa o complexo Sony e o museu do cinema) com as suas gigantescas torres com estruturas completamente antagónicas mas que remetem para um moderno e interessante conjunto arquitectónico, ainda que algo contestado.
A cultura urbana não se veste só de belos e futuristas edifícios, os vestígios da revolução social e artística após a queda do muro ainda se faz sentir em algumas zonas da cidade. Os agora turísticos prédios ocupados por artistas e movimentos anarquistas – cujo exemplo mais conhecido é o edifício Tacheles – continuam a ser uma referência paisagística e mantêm o espírito liberal de outrora.
Porque nem tudo é museus e arquitectura
Nas questões do estômago não há nada que enganar: salsicha, kebab ou pasta! Pois bem, cada vez mais as ementas alemãs se vêem invadidas por repescagens das cozinhas turca e italiana, não fossem estas as comunidades emigrantes com maior presença na capital. O bairro de Kreuzberg (também conhecido como o bairro da cultura jovem alternativa) é mesmo célebre por ser o espaço em que vivem mais turcos fora da Turquia. Uma zona genuinamente fascinante, imperdível mesmo.
Na maioria dos bares e restaurantes é ainda hábito comum partilhar a mesa com desconhecidos e aqui a formalidade alemã restringe-se apenas ao respeito mútuo.
Para os portugueses que têm saudades de casa, Berlim hospeda a pastelaria Galão, um espaço repleto de produtos made in Portugal onde não falta o pastel de nata, com gerência e empregados de todas as origens menos portuguesa.
A animação nocturna começa no simpático barzinho da esquina – das duas uma, ou com decoração arte deco ou tipicamente germânico – na companhia da obrigatória cerveja alemã de meio litro (tal como em Portugal há uma considerável palete de variedades) ou se o género for menos alcoólico, a escolha recai naturalmente na malga de café com leite (mais especificamente aquilo que conhecemos por malga de sopa; e quanto aos aficionados do café forte é melhor esquecerem temporariamente o conceito).
Ao contrário dos ecos que sempre nos chegam, a cena nocturna não se pinta só de sons electro, punk e hard metal. A quantidade e diversidade também aqui têm ponto de honra e basta dar uma vista de olhos nos magazines culturais semanais – que eficientemente apresentam agendas detalhadas dos eventos e estilos defendidos em cada bar, clube ou discoteca – para perceber que a oferta é mesmo para todos os gostos, tendências e bolsos (em média as discotecas não cobram mais do que 10 euros de entrada e a maioria não ultrapassa os 5 euros).
Agora quase acho estranho os ecos negativos e subvalorizadores que nos chegam da capital alemã, mas de facto a História é por vezes um factor inevitavelmente condicionante. Os berlinenses acusam o peso do passado como poucos, senão vejam-se as dezenas de monumentos e estruturas criadas ao longo de toda a cidade com o intuito de homenagear os judeus e demais vítimas dos conturbados eventos históricos que continuam a marcar o povo alemão. Nisto das marcas do passado e ainda que o muro já não exista, a zona ocidental continua a demarcar-se e a conservar especificidades em relação ao lado oriental. Apesar das dissemelhanças, uma coisa é comum ao longo de toda a cidade: cada esquina, rua, bairro, avenida ou edifício transpira História ou tem algo interessante para contar. Temo não ter sido capaz de passar a mensagem a que me propus, de qualquer forma em Berlim tal como nas páginas amarelas está tudo lá, basta estar-se atento e procurar.
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