Ricardo Adolfo
"Há muito tempo que o calão bem empregue é um clássico"
Emigrante em digressão, observador periférico, crente e criador de finais felizes. Entrevista com Ricardo Adolfo, autor de “Maria dos Canos Serrados”, livro recomendado pela RDB de que falámos há bem pouco tempo.
Antecipaste há muito o convite do PM e fizeste-te à estrada em tenra idade. O que te levou a abandonar Lisboa e abraçar a vida no estrangeiro?
O desejo de sair da minha zona de conforto, de ser questionado e desafiado por outras realidades, de ser um peixe pequeno num aquário grande.
Depois de Amesterdão e Londres fizeste mais uns quilómetros e mudaste-te para Tóquio. Como tem sido a experiência?
Viver em Tóquio é viver no futuro, sempre 8 horas à frente da hora 0. Tudo acontece primeiro aqui. É como se fossemos uma cobaia do tempo.
Vais seguindo o que se passa por cá ou tentas alhear-te um pouco?
Sigo o mais perto possível, há uma parte de mim que ainda vive em Portugal.
Após “Depois de morrer aconteceram-me muitas coisas”, este livro é quase um regresso à infância e a títulos como “Os Chouriços São Todos Para Assar” e “Mizé”. É caso para dizer que escreves melhor sobre o que conheces?
Escrever num território dramático que conheço bem dá-me mais segurança para me atirar para fora de pé.
O calão ainda vai virar moda?
Há muito tempo que o calão bem empregue é um clássico.
No fim, o Estado ganha sempre?
O fim também é um princípio. E quem ganha hoje perde amanhã.
O País corre o risco de fechar portas nos próximos tempos?
O País já fechou as portas. Agora é preciso abri-las outra vez, enxotar as fraudes e não deixar entrar os mesmos erros nem enganos.
Quem é a Maria dos Canos Serrados?
A Maria dos Canos Serrados somos todos nós que não deixamos que o Estado ganhe sempre.
O livro pode ser lido, de certa forma, como um hino ao feminismo e à independência da mulher?
Pode e deve. Ainda temos de ser todos feministas.
É isto pura ficção ou a experiência na periferia permitiu-te ter matéria real para construir um mundo inteiro?
Nada é pura ficção. Foram mais de 20 anos de pesquisa delirante nos subúrbios de Lisboa.
Onde podemos encontrar um bar como o Nandos, para darmos uns tirinhos depois de um dia que corra menos bem?
O único que conheço é em Amesterdão. Mas quando me deixaram entrar obrigaram-me a esquecer a morada.
Apesar do lado cómico e do grande instinto de sobrevivência, as personagens vivem em angústia permanente. Concordas?
Sim. As personagens lutam para sobreviver como tantos de nós neste momento por este mundo fora. É uma luta diária para satisfazermos as necessidades mais básicas. E essa luta constante para pagar a renda e colocarmos jantar na mesa pode ser demolidora.
Acreditas em finais felizes?
Não só acredito, como gosto muito de finais felizes. O optimismo é contagiante e acaba por se tornar destino.
O livro parece casar perfeitamente com o olhar Tarantiniano. Já pensaste em propor-lhe a adaptação do livro ao cinema?
A minha versão da Maria dos Canos Serrados está feita. Se o Quentin Tarantino quiser fazer a versão dele fico muito contente.
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