Rolling Stones @ Dragão
O maior espectáculo do Mundo.
Depois de mais de quarenta anos de carreira, os Rolling Stones são aquilo a que se convencionou apelidar de “banda de estádio”. Este é o nome simpático que se coloca aos grupos que se transformaram, ao longo dos anos, em verdadeiras máquinas capitalistas de fazer dinheiro. E até nisto os Stones são os melhores, não deixando os créditos por mãos alheias, ou não fossem eles “a maior banda rock do mundo” – um palco enorme que se metamorfoseia de forma inacreditável, serpentinas gigantes, animações fantásticas num ecrã gigante, muita pirotecnia e explosões e, principalmente, um profissionalismo irrepreensível, foi o que presentearam ao público português no passado dia 12 de Agosto, no Porto.
Um concerto destes leva, obrigatoriamente, dois tipos de fãs: aqueles que vão em romaria porque todos os outros vão, transformando estes espectáculos em verdadeiros acontecimentos sociais (e são estes os espectadores que vemos durante a tarde a cearem verdadeiros repastos, juntamente com a família, em pleno relvado do Dragão); e os fãs mais hardcore, que vão atraídos pela qualidade musical, esperando ouvir os temas mais “obscuros” da banda, cansados da exposição mediática exagerada dos singles clássicos.
Pois esta quarta visita dos Rolling Stones a Portugal foi, quiçá, a que mais agradou a todos. Aos primeiros, porque não se furtou aos hinos que todos queriam ouvir (apenas faltou «Angie») e aos segundos porque mostrou que aqueles rapazes ainda são os mesmos que nos anos 60 se juntaram para tocarem blues e r&b (com destaque para a interpretação magistral de «Midnight Rambler», uma espécie de jam bluesly que se prolongou por quase dez minutos).
Há quem diga que eles já estão velhos e que já não deviam andar na estrada. A estes, os Stones limitam-se a responder em palco – Mick Jagger está a dançar melhor que nunca, Charlie Watts continua a não falhar um break, Ronnie Wood está cada vez mais desenvolto e Keith Richards… bem, Keith Richards continua a ser Keith Richards. E mesmo que pareça estranho ouvir um Mick Jagger sexagenário queixar-se de “problemas de satisfação”, o mais estranho é vermos ao nosso lado raparigas com idade para serem nossas avós a quase desfalecerem aos convites de Jagger para “passarem a noite juntos”. E depois? Que se lixe, é apenas rock’n’roll e nós gostamos.
Mas vamos por partes.
Quarenta anos de carreira permitem aos Stones fazerem o alinhamento que quiserem sem nunca perder o controle do público. No entanto, eles parecem não querer saber disto (e parece também que a idade continua a não lhes pesar), uma vez que arrancaram a todo o gás, abrindo o concerto com uma tríade explosiva: «Jumping Jack Flash», «It’s Only Rock’n’Roll» e «Let´s Spend The Night Together». Se a primeira tratou de colocar logo toda a gente a saltar e gritar em uníssono, a segunda tratou de provar aos mais cépticos que eles não se transformaram em velhotes conservadores – bastou atentar à troca de olhares cúmplices entre Ronnie Wood e Mick Jagger, quando este último cantou «I bet you think you’re the only pussy in town».
O concerto fez-se sobretudo com os clássicos dos anos 60 e 70, mostrando a intemporalidade da banda junto a um público que, mesmo quando não sabia as letras de cor, fazia questão de acompanhar as melodias, seja transformando-se em “guitarras humanas”, seja acompanhando os coros, como os uh-uhs em «Sympathy For The Devil» ou os oooh oooh oooh oooh oooh oooh ooohs de «Miss You». Quanto a “A Bigger Bang”, o álbum de 2005 que serviu de pretexto a esta digressão, apenas foi visitado em três temas: primeiro «Oh No Not You Again», depois «Streets Of Love» e, por fim, «Rough Justice».
O momento alto do concerto fez-se então com os dois temas mais inesperados do alinhamento: primeiro, o já citado «Midnight Rambler», tema que tem o solo de harmónica mais norte-americano do Reino Unido; e depois com «The Night Time Is The Right Time», versão de um dos maiores clássicos de Ray Charles, quando este era o rei do piano boogie, em que Lisa Fischer puxou dos seus galões e, na frente do palco, cantou em dueto com Mick Jagger, como se fosse a última das soul sisters. Foi este o momento em que os Stones brilharam por aquilo que simplesmente são: a banda rock mais criativamente eclética e equilibrada da década de 60 e 70.
Já depois do tradicional momento em que Keith Richards toma controle das operações (tocando «Slipping Away» e «Before They Make Me Run», esquivando-se a «Happy», naquela que foi a única falha do concerto), iniciou-se então o maior espectáculo do Mundo. Aos primeiros acordes de «Miss You», o palco começou a mover-se literalmente e deslcou-se até ao centro do relvado, levando o público ao delírio. Ao som da disco dos anos 80, o Estádio do Dragão transformou-se numa verdadeira pista de dança.
O palco regressaria ao sítio quatro canções depois sendo recebido por uma enorme boca insuflável. A partir daqui, uma sequência de tirar o fòlego: primeiro, o hino satânico de «Sympathy For The Devil», com Jagger vestido de vermelho (fazendo lembrar o traje imortalizado pelo documentário “Gimme Shelter”) a dançar em contra-luz frente a um jogo de luzes demoníaco que saltava do ecrã gigante, à medida que o palco cuspia enormes explosões de fogo; depois, «Start Me Up», com um início de pirotecnia explosivo, que fez as primeiras filas recuarem uns metros perante o bafo das chamas; e por fim, «Brown Sugar», terminando com o público em uníssono – yeah, yeah, yeah, ouuuh!
A banda despedia-se dos fiéis admiradores, sempre com Mick Jagger a tentar falar em português, mas haveria de voltar. Ainda faltava «You Can’t Always Get What You Want» e, claro, «Satisfaction». Por essa altura já muito do público tinha desistido de dançar, vencido por duas horas de rock’n’roll inimigo da letargia. No entanto, o ritmo imparável de Mick Jagger, incansável ao puxar pelo público, dançando, pulando e gesticulando, fez com que a multidão desprendesse um último esforço, acompanhando-o naquele que era o tema que todos queriam ouvir.
No final, o habitual número do fogo-de-artifício, que procurava entreter o público enquanto a banda abandonava o estádio a alta velocidade, em direcção ao hotel mais luxuoso e moderno da cidade do Porto. Como se fosse necessário – como que hipnotizados, as milhares de pessoas que enchiam o Dragão mantiveram-se ainda imóveis no escuro, durante vários minutos, procurando absorver as últimas sensações do maior espectáculo do Mundo.
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