Rosa Pomar

Rosa Pomar

"Estamos no limite, se não aprendemos com estas pessoas que têm agora 70 e 80 anos já não vai haver quem ensine." Conversa com a autora de “Malhas Portuguesas”, um livro fascinante

Depois de ter caído em grande desuso nos anos 1990, fazer tricot tornou-se de novo uma moda em Portugal (e além fronteiras). E, se há pessoa que muito tem contribuído para o ressurgimento de uma arte que valoriza o que é feito à mão, ela é sem dúvida Rosa Pomar.

Rosa Pomar conheceu a paixão pela malha desde muito nova e, hoje em dia, a sua vida é indissociável desta arte: mantém um blog há já uma dúzia de anos – A Ervilha Cor de Rosa -, que funciona como uma espécie de diário de viagens e partilha de descobertas e conquistas; é o rosto da Retrosaria, uma loja situada em Lisboa e de venda online, que se dedica aos tecidos, lãs e outros artigos, ao mesmo tempo que  promove workshops variados; é a parceira de Tiago Pereira no projecto Lã Em Tempo Real, uma aventura audiovisual em torno do ciclo tradicional da lã e dos lanifícios em Portugal; e, desde há bem pouco tempo, é também a autora de “Malhas Portuguesas”, um livro que está entre um manual avançado de tricot e um estudo etnográfico de uma arte quase perdida.

Estivemos à conversa com Rosa Pomar a propósito de “Malhas Portuguesas”, um livro que nos leva numa viagem única através do património da malha portuguesa. A edição, que merece todo o tipo de vénias e elogios, pertence à Civilização Editora.

Rosa Pomar

Pode dizer-se que a vida de Rosa Pomar tem sido dedicada à malha portuguesa?

Pode dizer-se que a malha me acompanhou desde muito pequena, e que nunca passei muito tempo longe das agulhas. Nos últimos anos sim, a malha portuguesa e a lã portuguesa foram os meus temas de eleição.

Como é que a malha, que tinha passado a ser uma recordação das avós, passou a ser um novo movimento colectivo no feminino?

É uma boa pergunta. O movimento de valorização do feito à mão é um fenómeno cíclico. Marcou a geração da minha mãe, a geração 100 idées que teve filhos na década de 70, como está a marcar a minha geração. Fazer tricot deixou de estar na  moda algures no final dos anos 80. A seguir a isso, encontrar bons fios à venda passou a ser uma missão quase impossível. Mas desde o início deste século que o regresso se faz sentir, primeiro nos Estados Unidos e depois na Europa. E sim, é um movimento essencialmente feminino, agora como nos seus mil anos de história, mas sempre pontuado por excepções, como os pastores franceses a fazer malha do alto das suas andas, os nossos maiorais ribatejanos que faziam meia ou os designers contemporâneos como o Kaffe Fassett ou o Jared Flood.

Este livro é um trabalho no âmbito de uma etnografia da malha?

Acho que sim, apesar de o livro ter tentado fugir ao formato e à linguagem académica. O que acontece é que, ao contrário do que se passa em muitos outros Países, nós por cá não temos etnógrafos ou antropólogos dedicados ao estudo das malhas. Tivemos grandes etnógrafos a quem as malhas não passaram totalmente despercebidas, como o Leite de Vasconcelos e o Sebastião Pessanha, mas infelizmente quase não temos produção académica contemporânea dedicada ao traje e às tecnologias têxteis tradicionais, nem do ponto de vista histórico nem do ponto de vista antropológico. Os primeiros capítulos do meu livro acabam por ser um começo, um conjunto de pistas que espero que suscitem outras pesquisas e descobertas.

Rosa Pomar

Em que estado anímico estão os têxteis artesanais portugueses, e o que lhes reserva o futuro?

Muitos estão literalmente por um fio. Nas áreas que conheço melhor é frequente haver uma única pessoa que domina uma técnica ou de quem depende a sobrevivência de toda uma tradição. Por um lado sabe-se que há cada vez mais público urbano sensibilizado para valorizar e disponível para comprar este tipo de produto, mas na sua origem, no local em que ele é feito, essa ocupação ainda não é vista como atractiva. O discurso dos tecelões, tamanqueiros ou fiandeiras mais velhos é sempre o mesmo de norte a sul: ó menina, isto dá muito trabalho, agora as pessoas querem é ter empregos. Estamos no limite, se não aprendemos com estas pessoas que têm agora 70 e 80 anos já não vai haver quem ensine.

Será este livro também uma tentativa de salvar uma arte que é parte importante da história e da cultura portuguesa?

Salvar é uma palavra muito dramática. É uma tentativa de dizer que isto também é património, o que há é pouca gente a dar por isso. Como é que se pode entender que os museus da capital tenham os trajes escondidos nas reservas? Não é à toa que o estafado galo de Barcelos e os lenços de namorados estejam por toda a parte – é que os alunos de design (e os outros todos), pelo menos cá em Lisboa, não têm onde ir alargar o seu repertório de referências!

A Internet ajudou a fazer da malha um movimento à escala planetária?

Claro que sim. Pôs uma diversidade nunca antes vista de materiais em circulação, pôs as pessoas em contacto umas com as outras, criou e divulgou tendências e criadores… E pôs muita gente a aprender a fazer malha pelo YouTube!

Rosa Pomar

Como tem sido manter o blog há já dez anos?

Um prazer. E não são dez, são quase doze. O blog é uma parte muito importante da minha vida e do meu trabalho, um registo do meu percurso, da evolução dos meus interesses. E há muitas pessoas para quem A Ervilha Cor de Rosa é uma referência, uma companhia de há já vários anos.

É este um livro para principiantes, conhecedores ou curiosos?

Acho que para os três. Há pessoas que não sabem nem querem saber fazer malha mas se interessam pela parte histórica e etnográfica, outras que finalmente encontram um manual de como fazer tricot à portuguesa, outras que reencontram peças ou coisas que se lembram de ver fazer ou ouvir contar às avós.

Como foi a experiência de viajar até à fonte para aprender e partilhar técnicas quase perdidas, como os barretes de vilão ou as meias da Serra de Ossa?

Foi e continua a ser o melhor deste trabalho. É totalmente diferente tentar deduzir técnicas a partir de uma peça ou aprender directamente da fonte. Ouvir as histórias, aprender o vocabulário de cada região para designar os pontos ou as ferramentas, ver os gestos treinados por muitos anos de prática, conhecer os contextos… Essa é sem dúvida a parte mais bonita.

Rosa Pomar

O que se poderá fazer de modo a preservar este património cultural?

Aprender, entrevistar a avó, impedir que o tear da tia que está desmontado no sótão seja queimado e encontrar quem ajude a urdi-lo, pôr a uso as agulhas feitas de vareta de guarda-chuva, levar os filhos para eles aprenderem também. E comprar conscientemente, usar cestos portugueses em vez de cestos do Ikea, lã de ovelha bordaleira em vez de poliéster, ler os rótulos e perceber de onde vem e como foi feito o que compramos e usamos… Tantas coisas!

Que conselhos daria a quem quisesse começar a fazer malha mas se sentisse perdido ao olhar para padrões e desenhos explicativos?

Telefonar à avó ou a uma amiga que faça malha e combinar um encontro. Não há nada como ver fazer para aprender. Também podia dizer para virem a um dos meus workshops. Já ensinei muitas pessoas a fazer malha e é uma coisa que adoro fazer.

É este o trabalho de uma vida ou poderemos esperar por novas aventuras literárias no mundo da malha?

Isto foi só o princípio…



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