Sabrinas
Mas que sapatinho tão bonito que a menina tem.
É em tom de prenúncio que em 1998 a voz de Brian Molko avisa They say romance is back in fashion, they say that kitsch is back in fashion. Talvez porque andasse a fazer aparições no “Velvet Goldmine” e no Club Kitten, ou talvez porque lesse demasiadas revistas de cultura underground que primam pelo trend-setting. No entanto, a verdade parece ser uma só – o órfão de Bowie tinha razão.
No espaço de quatro anos, o imaginário da moda fechou-se em copas, à excepção dos minimalistas, restringindo-se a uma autêntica obsessão pelas décadas de 40, 50, e 60. Dá-se, então, o advento do retro, do vintage, e do kitsch.
Espelho da alma e da carteira de quem os calça, os sapatos tornaram-se num objecto de culto nesse mesmo período, e desde então a indústria mundial do calçado tem apresentado um crescimento impressionante. Se atentarmos no nosso círculo social, dificilmente encontraremos quem possua menos do que cinco pares de sapatos. Muito pelo contrário, torna-se cada vez mais usual ter um amigo que, perdendo-se em lojas como a Sneakers Delight, colecciona de trinta a quarenta pares de ténis, ou uma amiga que adquire sapatos que não lhe servem, unicamente pelo prazer de ter aquilo que pode ser percepcionado como uma peça de design, seja na Happy Days ou na Feira da Ladra.
É, então, sob esta luz revivalista que se deve compreender um fenómeno que há três anos poucos imaginavam – as sabrinas. Derivando dos Capezios – sapatilhas de ballet -, foram criadas nos anos 40 pela estilista Claire McCardell. A mutação do palco para a rua revelou-se bastante simples, já que o corpo do sapato não se alterou, sendo-lhes somente adicionadas solas rijas.
Contudo, só em 1953 é que este tipo de calçado se tornou popular, pelos pés de Audrey Hepburn, ícone de elegância e beleza, sendo imensa prova disso o facto de o nome da personagem que esta interpretou no filme “Sabrina” ter sido aquele que desde então é utilizado para designar os anteriores Capezios. Usando-as como contraponto das justíssimas calças Capri, Audrey afirmava-as como essenciais para o seu look simultaneamente infantil e boémio, revelando-se também génese das próprias sabrinas um dual carácter, revestido de timidez e ousadia na forma como deixam vislumbrar o início das fendas entre os dedos dos pés.
A sua sola plana transmite a ideia de um design comandado pela função, saldando-se daqui um verdadeiro triunfo do conforto sobre a frivolidade de uns quaisquer stilettos ou pumps. Para além da noção de prudência, as sabrinas comportavam a idealização da mulher como uma prima ballerina que pode caminhar no asfalto e dançar rock’n’roll. E, convenhamos, poucos serão os sapatos que seduzam tanto.
Porém, nos anos 60 e 70 o grito de ordem não era a sedução, e as sabrinas foram guardadas no armário. Foi preciso que em 1982 miúdas que só se queriam divertir como Cyndi Lauper as desempoeirassem e as calçassem por cima de soquettes com folhos, para que pudessem brilhar nas pistas das discotecas.
Consideradas pirosas nos enfadonhos anos noventa, o seu uso foi vetado às comunhões católicas. E o que poucos imaginariam é que em 2001 designers como Phoebe Philo, Marc Jacobs, Karl Lagerfeld, Miuccia Prada, e Erench Sole, à custa da mega-tendência da sobreposição, recriassem as clássicas sabrinas e as transformassem no must-have de qualquer fashionista que se preze.
Em todas as cores e padrões possíveis, com laços e sem laços, cravejadas de aplicações como carrinhos de brincar, flores, rebuçados, e tesouras, têm como seu expoente de invenção a Irregular Choice e a Bronx do Alexandre Herchcovitch. Porque este é um tempo em que menos não significa mais, em que nada existe de tão trendy como um trench-coat rosa-bebé combinado com uns jeans rasgados e um relógio dourado. O maior luxo traduz-se na individualidade que cada um imprime à sua aparência. Estes sapatos permitem-no e incitam-no.
E se Shari Hershon assegura que até 2006 o kitsch vai dominar as passerelles, daí só se pode concluir que a palavra sabrinas continuará até então a rimar com soquettes brancas e com sangrar do nariz ao som de Whirlwind Heat.
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E em 2009 continuam aí em força…E espero que continue,que é um dos tipos de calçado que gosto de ver o sexo feminino a usar.