#AGC SAMUEL ÚRIA 005

Samuel Úria @ Teatro Tivoli BBVA (16.03.2023)

O enorme concerto d’O Grande Medo do Pequeno Mundo.

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Dez anos passaram desde a edição do álbum que serviu de big bang para a carreira de Samuel Úria, pelo menos foi aquele que o fez concluir que teria bases suficientes para se tornar músico a tempo inteiro. Os bilhetes estavam dados como esgotados há umas semanas, portanto a casa cheia estava assegurada no Teatro Tivoli BBVA.

Acompanhado pela sua banda dos últimos largos anos, e recuperando o coro enriquecedor que era costume acompanhá-lo, Úria começou a aquecer com «Espalha Brasas», ao fim do qual notou que ao invés do que sucedia em 2013, agora já não tinha que se preocupar em apanhar e trocar de instrumentos por já estar emancipado a esse ponto.

Numa noite com um recheado elenco de convidados, ao segundo tema estava em palco Jorge Rivotti, que para além do esperado «O Deserto», entoou igualmente uma canção que estará presente na edição em vinil de “O Grande Medo do Pequeno Mundo”, que contará com mais algumas faixas adicionais. Neste caso, tratou-se de «Fado Emaranhado», cuja letras esteve meio desaparecida e foi agora recuperada, dando azo a este fado propositadamente desajeitado, como se andasse moribundo num deserto. Outro tema a incluir na referida versão, que distingue os melómanos dos restantes fãs (como brincou Samuel), será «Para Ninguém». Um excelente número de cantautor que fez originalmente parte da compilação “Voz e Guitarra”.

Um dos momentos altos da noite coube à aparição de Manel Cruz, cuja presença acaba sempre por contagiar cada palco que pise. O hino «Lenço Enxuto» nunca perde o cariz monumental, nem ao vivo, mas nesta ocasião superou-se a si mesmo, mercê da reconstrução do duo original e do magnífico registo do coro, que também sobressairia na extraordinária interpretação de «Ninguém É Quem Queria Ser», sacada ao catálogo de Foge Foge Bandido, à qual foi injectado um tom Tom Waitsiano. Não tendo sido a primeira vez que Samuel e Manel a tocaram juntos, não deixou de constituir uma bela surpresa.

«Tema Triste», faixa escondida do disco ali celebrado, fez o autor recuar bem mais que uma década, visto que é uma composição que tem origem na adolescência de Úria, e na qual (ainda) se consegue sentir a toada grunge, essencialmente na melodia vocal, nesta abordagem mais musculada a nível instrumental. «Tema Triste”» conta com participação de Armando Teixeira e Quim Albergaria na versão de estúdio, mas que permaneceram escondidos, fazendo jus ao papel que a faixa tem em “O Grande Medo do Pequeno Mundo”.

Márcia assegurou o seguinte papel de convidada, tendo este par de amigos revisitado duas das suas colaborações, «Eu Seguro» do álbum da noite, e «Menina», do disco homónimo da cantora, que foi transportada para o lado selvagem de Lou Reed nesta roupagem especial. Ambas as canções tiveram ainda a participação especial de Tomara, que se ocupou do slide, estando sempre à espreita de emprestar mais melodia a ambas.

Após uma interpretação de «A Tua Voz» com pés de rock n’ roll, soou «Onomatopeia», composição que Samuel Úria concebeu originalmente para uma peça de teatro realizada em Guimarães, e donde brotou a sua alma gémea «Estrondo Mudo», uma pequena delícia que acabaria por fazer parte da obra homenageada nesta noite.

As cenas seguintes envolveram a reunião com os amigos da Praia da Tocha (referência à história que explica onde o trio se cruzou pela primeira vez), António Zambujo e Miguel Araújo, com quem o cantautor de Tondela revisitou a formação original de «Triunvirato», e aproveitou para dar ainda mais atitude ao sempre vigoroso «Império». As vozes de Zambujo e Araújo estiveram estelares, como seria previsível, não tendo o segundo perdido a oportunidade de dar uma mãozinha nas guitarradas.

A recta final foi composta por «Em Caso de Fogo», inspirada na maravilhosa poesia de António Pocinho, e pela sempre luminosa «Forasteiro», que antecederam o encore que inclui a versão absolutamente assombrosa de «Armelim de Jesus». Esta dedicatória de Samuel Úria ao seu avô foi abordada no Tivoli de um prisma de verdadeiro ambiente country, novamente enriquecido pela slide de Tomara (envolvendo neste caso um arco de violino), e que logrou estar à altura da forte lírica do tema.

Foi um final marcante, tal como foi (e é) este disco para a carreira de Samuel Úria, e para a vida de muito boa gente, como demonstra a afluência que ambas as datas registaram (o evento do Porto esgotou também).

Alinhamento:

– Espalha Brasas
– O Deserto
– Fado Emaranhado
– Pequeno Mundo
– Para Ninguém
– Lenço Enxuto
– Ninguém é Quem Queria Ser (Foge Foge Bandido)
– Tema Triste
– Eu Seguro
– Menina (Márcia)
– A Tua Voz
– Onomatopeia
– Estrondo Mudo
– Triunvirato
– Império
– Em Caso de fogo
– Forasteiro

(encore)
– Armelim de Jesus

Texto por Álvaro Graça e fotografia por Andreia Carvalho.



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