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SBSR 2016 | Dia 3 (16-07-2016)

A condecoração do rei Kendrick Lamar

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A história dos The Parrots trouxe-os ao Festival Termómetro em 2011. Cinco anos depois regressaram a Lisboa, para o primeiro concerto do dia no Palco EDP do Super Bock Super Rock de 2016. Baixo, guitarra, bateria e uma enorme vontade de fazer a festa. Foi assim que os espanhóis se apresentaram ao público e a verdade é que, pé ante pé, foram ganhando público e convertendo fieis à sua causa. Um concerto em que o rock’n’roll foi rei e senhor e que terminou com o vocalista a cantar enquanto fazia crowdsurf. E de rock o festival não teve muito mais, o que não quer dizer que tenha perdido qualidade. Muito antes pelo contrário.

O Palco Antena 3 está cheio para receber Slow J e nem ele o esperava. A acompanhar Slow J (de seu nome João Batista Coelho) nas percussões estava Fred Ferreira, dos Orelha Negra, que haviam de subir ao palco do MEO Arena, ali mesmo ao lado. Com um forte background instrumental, Slow J consegue ainda aliar a seu favor um talento nas rimas como em «O Cliente» onde se pode ouvir “O cliente nunca tem razão / Bem vindos ao teste da vida / Onde o dez a ti não te ajuda na avaliação / Não vivo por cash, metade do esforço pa’ mim é metade da inspiração”. A face Slow J era o reflexo puro da felicidade e tinha até concretizado o sonho de tocar num festival que contava com a presença do Kendrick Lamar. Depois chegou a hora de dar um pulo à rampa norte do MEO Arena para alguns minutos de conversa com os Salto, que poderão ler por aqui muito em breve.

Não será muito longe da verdade se dissermos que Kelela, no final do concerto que deu no palco EDP, estava mais surpreendida do que nós e é perfeitamente compreensível. As canções de Kelela fundem electrónica e R’n’B e são daquelas que se entranham com extrema facilidade. Se aliarmos a isso a simpatia e sinceridade com que nos encara, temos uma receita para o sucesso. Não é por acaso que no fim faz um apelo para que nunca se desista de um sonho, mesmo que as coisas pareçam muito difíceis e improváveis de vir a acontecer, dando o seu caso como exemplo disso mesmo. Mesmo antes de ir embora remata dizendo: “se a minha pele não fosse castanha, corava”.

Mike El Nite tem casa a rebentar pelas costuras no palco Antena 3. Fazemos uma visita curta apenas para picar o ponto. Em palco o rapper e DJ dá a conhecer o seu novo álbum, “Justiceiro”, com uma bateria que confere força às canções. O público, esse, entrega-se de alma e coração como sempre.

Os Orelha Negra tocaram para uma plateia do MEO Arena completamente lotada. E foram enormes. Iguais a si próprios, é certo, mas enormes. São realmente a prova de que quando se combina a experiência de cinco indivíduos, já por si só excepcionalmente bons naquilo que fazem, o resultado é algo maior do que soma de todas as partes. O concerto tem início com um pano enorme a cobrir a banda que surge a contra luz, com as silhuetas a alternar em função da forma como os focos de luz incidem. A meio do concerto dei por mim a pensar que naquele momento, nos três palcos do festival que estavam em actividade, todas as bandas eram portuguesas. Não é todos os dias que algo do género acontece num festival desta dimensão. O concerto incidiu sobre o álbum que já foi apresentado no CCB no início do ano mas que ainda não tem data de lançamento mas as impressões, tal como no início no ano, continuam a ser óptimas. Soube tão bem escutar aquele sample de Mind Da Gap. Perto do fim apresentaram o single acabado de lançar, «Parte de Mim».

Ainda nem 30 segundos passaram sobre a entrada dos De La Soul em palco e já têm a multidão no bolso. Posdnuos e Dave desempenham o papel de MC’s e dinamizam de forma exímia cada um a sua metade da sala. Maseo está atrás da mesa no papel de DJ e é o garante de que os beats surgem sempre no momento certo. Posto de forma simples, foi uma hora de festa e de boa disposição, que começou logo com o pedido para toda a gente baixar as câmaras (fotógrafos incluídos) e bater palmas. A partir daí foi um desfilar de clássicos e de provocações para o lado direito e esquerdo da sala para descobrir onde estava a melhor festa. Destaque para «A Roller Skating Jam Named “Saturdays”» que foi apresentada como a canção perfeita para celebrar um dos dias favoritos da banda ou a «Me, Myself and I»… It’s just me myself and I”. A fechar e para surpresa de muitos, surgiu «Feel Good Inc» dos Gorillaz, canção que conta com a colaboração dos próprios De La Soul.

O que Kendrick Lamar fez no dia 16 de Julho de 2016 no MEO Areno está ao alcance de muito poucos. Não tenham dúvidas disso em momento algum. Mas também não podemos deixar de escrever que isso só foi possível graças a um público que se entregou de alma e coração nas mãos. Durante uma hora e tal Compton (ou melhor, Bompton) e Lisboa foram unos.

Ao fundo do palco pode-se ler uma frase da autoria de George Clinton, músico norte-americano: “Look both ways before you cross my mind”. Esta frase estará sempre presente durante todo o concerto e agora, algumas horas passadas sobre o mesmo, penso nela como um aviso para o que estava prestes a chegar. «untitled 07 | 2014 – 2016» abre o concerto com Lamar a debitar num ritmo frenético “Love won’t get you high as this / Drugs won’t get you high as this / Fame won’t get you high as this / Chains won’t get you high as this”. Assim que a canção termina, Kendrick pára e olha o público olhos nos olhos mas aquilo que inicialmente parece ser apenas pose e fazer parte do número, vai-se tornar com o decorrer do concerto em respeito e admiração porque um público que se dá assim merece-o. Todas as canções foram recebidas em apoteose; «Institutionalized», «Swimming Pools (Drank)» ou a magnífica «These Walls», com dois versos iniciais que nos deixam logo em sentido “I remember you was conflicted, misusing your influence / Sometimes, I did the same”. «Hood Politics» traz-nos a dissertação sobre a adolescência de Lamar em Compton, contada na perspectiva de quem agora sabe mais do que na altura. A experiência é um posto; “I don’t give a fuck about no politics in rap, my nigga / My lil homie Stunna Deuce ain’t never comin’ back, my nigga / So you better go hard every time you jump on wax, my nigga”.  «Complexion (A Zulu Love)» fala sobre como a sociedade encara os padrões de beleza de minorias; “You like it, I love it / You like it, I love it”. Até então tudo estava a ser cantado em coro, com um empenho impressionante mas eis que soam os primeiros de «Bitch, Don’t Kill My Vibe». Aí veio tudo abaixo. O chão tremeu e quantos não estarão ainda a cantar “I can feel the changes / I can feel the new people around me just want to be famous”? Mas o momento mais intenso da noite nem chegou com uma canção. Esse momento durou dois ou três minutos entre canções. O público aplaudiu, cantou, gritou, riu, chorou e Lamar olhou-nos; olhos nos olhos, incrédulo, agradecido e rendido como nós. Neste momento sentimos que estamos a presenciar a condecoração do rei Kendrick Lamar. E sai uma longa vénia! Voltemos às canções. Há «The Art of Peer Pressure» e a tremenda «King Kunta». «i» pode-se escrever com uma minúscula mas é grande; faz-nos sentir vivos, com vontade de encarar qualquer coisa. A fechar o concerto surge «Alright». E toda a gente saltou como se não houvesse amanhã. Fez-se história.



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