Sísifo, com Gregório Duvivier @ CCB (07.12.2022)
Enquanto lá fora, o dilúvio tomava conta de Lisboa, dentro do CCB, num grande auditório lotado, assistíamos ao esforço de Sísifo, ou seriam Sísifos, a tentar empurrar as várias pedras que pesam nas costas da sociedade contemporânea, das redes sociais, do imediatismo das acções sem consequências verdadeiras ou conexão com a realidade, no tempo de um meme, ou um gif, como se diante dos nossos olhos fosse discorrendo um feed em piloto automático.
Gregório Duvivier apresenta-se desfraldando talento, o trabalho físico é notável, não só pela resistência que subir e cair de uma rampa íngreme por, pelo menos, 60 vezes exige, mas porque o cenário não tem mais nada para além da rampa, um colchão e a determinado momento alguns sacos de plástico. A nossa experiência vive de tudo o que ele passa e consegue montar na nossa imaginação, desde dançar numa discoteca cheia, a conduzir um Ubber. É um ator numa carruagem de metro que representa Hamlet, por uns trocados, é um mimo que esbarra de frente quando as paredes deixam de ser onde e como ele quiser, etéreas e imaginárias e passam a ser concretas e pesadas; Moisés, que no meio do deserto tem de lidar com as mesquinhezas miudezas humanas, típicas de qualquer grupo de humanos, com ou sem fé, exasperados pela viagem sem destino à vista, um grupo de migrantes, que apesar de saber o destino que quer ver, arrisca-se a não chegar lá, porque aposta tudo na viagem, e mesmo assim, vai.
O texto, escrito em parceria com Vinícios Calderoni tem momentos exímios, principalmente como, de repente, nos apercebemos que nem tudo é “avulso” e há um fio de ligação, tal como na vida, que muitas vezes parece absurdo, mas que se liga e nos liga, cuja manifestação mais concreta é o amor e tudo o que o envolve, a descoberta, a perda, a dor, a vulnerabilidade, a alegria.
A política, não podia ser uma pedra que fica por carregar morro acima, e mais uma vez, este Sísifo carrega-a com mestria, exemplificando um Brasil que nos últimos quatro anos esteve, como a pedra a rolar morro abaixo, aos trambolhões, e percebemos no final, durante um agradecimento sentido aos aplausos de pé, que este Sísifo hoje, entrega esta pedra com a esperança já no futuro, já conta esta pedra como passado. Diz Gregório, que o texto mudou e que foi a primeira vez que disse que nos últimos quatro anos o Brasil foi aquilo, em vez de falar no presente, que o Brasil é aquela pedra desgovernada aos tombos.
Outro momento em que se ouviu claramente a manifestação de quem ali estava, foi quando, recordando muitos dos que não sobreviveram aos últimos quatro anos no Brasil, Sísifo vai carregando os seus nomes rampa acima, surge o nome de Mariele.
Gregório Duvivier e Vinícios Calderoni entregam-nos, nas sessenta subidas, descidas, saltos de fé, destes Sísifos e suas pedras, uma série de imagens com as quais todos nos podemos identificar, enquanto seres humanos, um reflexo de uma sociedade que não sabemos ao certo para onde caminha, mas onde ainda existe esperança e o abismo apesar de parecer perigosamente perto, continua a não ser o único desfecho final.
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