Sónar 2014 | By Day + By Night
Alguma da melhor música electrónica que se produz neste momento
A vigésima primeira edição do festival de música electrónica de Barcelona, que decorreu entre 12 e 14 de Junho, brindou-nos, como tem sido habitual, com alguma da melhor música electrónica que se produz neste momento durante 90 horas brilhantes, divididas por três dias – Sónar by Day – e duas noites – Sónar by Night.
Apesar de uma adesão 10 % inferior ao ano passado, o festival contou com 109.000 presenças, e a organização voltou a superar as expectativas com uma panóplia de ofertas.
SÓNAR BY DAY
A transferência do Sónar by Day do MACBA para a Fira Barcelona foi uma aposta já ganha no ano anterior. A Fira, localizada a escassos metros do Palau Montjuic, possibilitou que 40.000 mil almas ouvissem música com o sol catalão de fundo.
Os icónicos James Murphy e 2manydjs, com a ajuda da prestigiada companhia áudio norte-americana McIntosh, actuaram durante os três dias da versão by day entre as 15h30 as 21h30! Uma experiência clubbing única intitulada de DESPACIO e que consistiu num dancefloor circular escuro, com uma bola de espelhos gigante no centro, alimentado por sete torres de 3,5 metros com speakers e amplificadores que debitavam cerca de 50.000 watts. Foi possível vislumbrar o ex-LCD Soundsystem e os dois Soulwax a trocar os seus discos favoritos, às escuras, durante 18 horas. Com capacidade para 1200 pessoas, este foi o único espaço que gerou pequenas filas em todo o evento. Um verdadeiro festival dentro do próprio festival. Sem dúvida a maior inovação do Sónar 2014.
O primeiro dia do by day ficou marcado pela actuação do pianista Germânico Nils Frahm no SónarHall. Nesta sala, mais escura, os presentes foram completamente hipnotizados pelo piano gigante de Nils que, com o apoio de quatro sintetizadores, criou um clímax encantador. Quem não conhecesse o seu trabalho acharia estranho o aparente desfasamento entre o aparato de pianos, os sintetizadores que enchiam o palco e a figura tímida, que parecia não ocupar devidamente o espaço. É que o Nils Frahm faz parte de uma geração geek, e é, fundamentalmente, um operador de instrumentos com formação clássica, que depois extravasa com subtileza o seu trabalho num resultado electrónico progressivo. Foi simples mas eficaz; sentou-se no primeiro piano, começou a premir umas teclas e a rodar uns botões. Existe um lado melancólico na música, que funciona muito bem com a timidez do artista. O som muito baixo e um silêncio que encheu a sala, para que o artista pudesse ser ouvido. A sua música, presente nos temas que foram montados nesse grande álbum “Spaces”, traduz um minimal que faz lembrar os grandes Philip Glass e Keith Jarret, mas que se desenvolve progressivamente e, em algumas músicas, atinge picos que quase traduzem linhas de techno. Foi um grande concerto que concluiu com um público energizado que pedia mais, sempre mais.
Daniel Miller, o produtor de 63 anos conhecido pela colaboração de longa data com os Depeche Mode, tomou conta do SónarVillage com batidas sombrias e energéticas. Metade do público passou o set a perguntar-se se ele não teria idade para ter algum juízo.
Trentemoller, o multi-instrumentista dinamarquês, teve uma aparição discreta atrás de um sintetizador com uma banda de apoio.
Plastikman, alter-ego lendário de Richie Hawtin e a grande figura do dia, apareceu numa plataforma no meio da plateia do SónarVillage para apresentar o seu novo espectáculo “Objekt”. Este espectáculo é construído num paralelepípedo gigante, animado com quadro LED´s com luzes oscilantes, e alude ao controle total do homem sobre a máquina. Supostamente, Richie controla tudo, desde o som à iluminação do objecto. A sua apresentação roçou o sucesso e o fracasso, pois se por um lado a imagem foi muito forte, deixando a multidão perplexa com o obelisco, a qualidade de som foi deveras fraca para o Village, talvez explicada pela pouca quantidade de colunas e/ou pela orientação dos mesmos.
O segundo dia contou com o melhor live act de todo festival. Jon Hopkins, o produtor britânico de Coldplay e aprendiz de Brian Eno, apresentou o seu aclamado “Immunity” em ritmos orgânicos, viscerais, transcendentais, a roçar a alucinação. Hopkins misturou de forma insaciável techno com texturas de música ambiente, interrompendo com pausas e contra-tempos, prometendo ser um novo paradigma no cenário da música electrónica e tornar-se a passos cavalgantes uma das figuras de proa da dance scene.
Simian Mobile Disco apresentaram o seu novo projecto Whorl, deixando o maximalismo de outrora e entrando em labirintos mais minimalistas. Antes, Bonobo apresentou no SonarVillage um espectáculo mais rockeiro do que é seu hábito, com uma banda de suporte, onde tocou guitarra, sintetizadores e djambé.
No terceiro dia foi altura da máquina criada pelo Vita Motus Design Studio brilhar. Matthew Dear, no seu alter-ego super-vitaminado Audion, realizou o seu live act “preso” dentro de uma bola com milhares de efeitos luminosos em forma de play que alteravam a cor dos LED´s ao ritmo do seu minimalismo incoerente e sóbrio. O soundsystem montado no SónarHall não acompanhou a nave espacial de Audion, e as batidas desvaneceram-se quando Dear puxou por elas. Acabou por se tornar uma apresentação de excelência ao nível visual, mas nem por isso no que toca ao som.
James Holden foi o senhor que se seguiu no Hall com a árdua tarefa de convencer uma plateia com a sua consola de sintetizadores, apoiada por um saxofone e uma bateria. Abriu com a incontornável «Renata», esticada quase por um quarto de hora, e logo se percebeu que a prova seria superada. Acabou por tocar todo o LP “The Inheritors”, saindo de cena debaixo um memorável coro de palmas. DJ Harvey teve a tarefa que encerrar um SónarVillage e não se fez de rogado, imprimindo sintetizadores analógicos e bass musculados, com o pôr-do-sol de fundo.
SÓNAR BY NIGHT
A plataforma mais mainstream do Sónar é composta apenas pelas duas últimas noites e as actuações dividem-se por quatro palcos: SónarClub, um recinto fechado gigante, SónarLab, SónarPub, também em larga escala mas a céu aberto, e SónarCar com uma pista de carrinhos de choque grátis pelo meio. Inexplicavelmente, continuam a não existir vítimas mortais registadas neste espaço.
Na primeira noite, sexta-feira 13, o céu com lua cheia imperou sobre o azar dos supersticiosos e parece ter inspirado os artistas na apresentação de boa música.
Os berlinenses Moderat (Apparat e Modeselektor) apresentaram-se no SónarLab equipados com quatro LED´s em forma de cruz Suíça, com imagens hipnóticas dominadas pelo preto e branco. Abriram com o tema corrosivo «A New Error» e pegaram de estaca a audiência. Quando Apparat perguntou: “Barcelona how are you?”, a resposta foi rápida e houve um coro ensurdecedor de palmas. Um concerto memorável dominado pelo álbum “II”, com os Modeselektor a controlar os fortes e destrutivos sintetizadores apoiados pela voz, guitarra e órgão de Apparat. Destaque também para o melódico «Rusty Nails».
Gesaffelstein, o menino francês, aliou de forma poderosa e exemplar o dark industrial ao techno. A apresentação realizou-se num altar fechado onde tomava o controlo em tempo real de todo o som, dominado por ritmos marcados, vários BPM acima do seu registo em álbum. Fumava cigarros atrás de cigarros, com a sua juba em headbanging.
Caribou, um dos alter-egos do canadiano Dan Snaith, foi um dos momentos-chave do festival ao cimentar a tendência de que a maioria dos beats apresentados durante estes três dias vêm de facto de baterias reais, relegando para segundo plano as máquinas e laptops. Num concerto dominado pelo álbum de 2010 “Swin”, Snaith apresentou também alguns dos novos e interessantes temas que tem vindo a preparar para o seu sexto álbum.
O momento alto da noite acabou por ser de Richie Hawtin. Pouco mais de 24 horas depois da sua apresentação como Plastikman, encheu por completo o SónarClub. É difícil encontrar palavras para resumir o techno massivo que o iluminado Canadiano apresenta ano após ano em todas as edições do Sónar. Cada malha que tocou parecia ser a final, mas conseguiu responder sempre por cima; o set de hora e meia provocou a sensação de estar a tocar horas infinitas. Terminou como no ano anterior, com uma explosão de confetis sob uma audiência em êxtase. Hawtin, DJ residente, volta a escrever a história do Sónar e Loco Dice sofreu com isso, pois Richie já tinha sugado as energias da plateia. O ritmo tribal impresso pelo set de Loco revelou-se escasso para o legado deixado pelo patrão da M_nus.
A segunda noite abriu com o novo show de Massive Attack criado por Robert Del Naja em parceria com o cineasta Adam Curtis. Cumpriu plenamente com a evolução audiovisual apimentada com propaganda de carácter político. Dez anos depois de terem actuado no evento catalão, Robert del Naja, Daddy G e companhia voltaram a tocar os clássicos que elevaram a banda a um dos maiores marcos do trip-hop da década passada. «TearDrop», seguido de «Angel», arrastaram um coro arrepiante da multidão do Club. «Inertia Creeps» foi o tema mais mediático com mensagens de carisma político; Sílvio Berlusconi, Tony Blair, e especialmente a família Real espanhola não se livraram de um “puxão de orelhas”. Em temporada de Campeonato do Mundo, a mordida de Suarez a Chiellini também não foi esquecida pelo conjunto de Bristol. O encore abriu com o mega-hit «Unfinished Sympathy» interpretado por Shara Nelson. Arrepiante!
O ponto negativo acabou por ser a música final cantada pelo eterno Jamaicano Horace Andy, não pela música em questão mas por «Splitting the Atom» ser demasiado slow para o que vinha já de seguida. Matthew Dear, apenas cinco horas depois de ter actuado no by Day, parecia com sede de vingança da partida de que foi alvo pelo soundystem do SónarHall e atirou batidas poderosas alternando microhouse e o glitch para finalmente conseguir deitar para fora aquilo que tinha para mostrar provavelmente como Audion.
Chic feat Nile Rodgers foi o concerto mais divertido de todo o Sónar tirando da cartola temas produzidos pelo guitarrista de Nova Iorque como «Like a Virgin» de Madonna, «Let´s Dance» de Bowie ou «Get Lucky» dos Daft Punk. O concerto foi como uma lufada de ar fresco no meio de tanta batida com toda a audiência a bailar abraçando uma plataforma mais pop nada usual nestes três dias e cerca de quarenta elementos da área VIP foram convidados a ir dançar os últimos temas para o palco. Nota para a prestação discreta e empenhada de Mr. James Murphy antes de Rodgers. Em toada disco, quase sem apoio audiovisual e agastado pelas três longas tardes que tocou em Despacio, Murphy não virou as costa a “meia casa” no Pub. No SónarLab existiu uma curiosa e histórica troca de informações entre o kraut, psicadelismo e trance sofisticado de James Holden e o house cósmico com influências afrobeat de Daphni (aka Caribou). A operação a dado momento deu uma sensação de se tratar de um mano-a-mano com clara goleada para Holden; Caribou acabou mesmo por perder-se num loop e acabou salvo pelo patrão da Border Community. Não desfazendo, pareceu um set em cadência bipolar.
Boys Noise teve um set poderoso no SónarPub impróprio para doentes cardíacos. Tiga e Paul Woolford tiveram uma surpresa nos seus acts e uma chuva tropical abateu Barcelona depois de três dias em que as temperaturas teimaram em não baixar dos 30º. A pista do Pub ficou mesmo completamente vazia com a multidão a refugiar-se nas laterais para se proteger da água. O DJ de Montreal não se fez de rogado e continuou o seu set com o habitual boné na cabeça como se nada se passasse. Para mais tarde recordar de Tiga fica só mesmo este pequeno episódio.
Apesar deste final azarado, o Sónar 2014 merece nota plenamente satisfatória para a RDB. As experiências audiovisuais destes três dias, o Despacio e o SónarD+ assumiram-se como algo vanguardista e de referência para os demais.
Não podemos deixar de voltar a elogiar a prestação de Jon Hopkins, um valor sério a ter em conta no cenário da música electrónica actual.
Segue-se ainda este ano a edição em Cape Town e Tokio. Hasta luego Sónar!
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