Super Bock em Stock 2021 | Dia 1 (19.11.2021)
Tomás Wallenstein e The Legendary Tigerman entregaram com brio no primeiro dia do festival que decorreu pela Avenida da Liberdade e periferia.
O Super Bock em Stock voltou à Avenida da Liberdade depois de um interregno forçado e foi bom poder voltar a desfrutar de um festival que, mesmo diferente de edições anteriores, permitiu sentir um pouco de normalidade para quem decidiu marcar presença. Resta esperar que não seja sol de pouca dura, como relembrou o Tigerman durante a sua actuação, quando recomendou que fizéssemos amor, que nos divertíssemos porque não sabemos como vai ser o próximo fim de semana…
A entrada na bonita sala do Tivoli revela uma casa muito bem composta e um piano de cauda à frente do qual Tomás Wallenstein se senta. As leituras que faz das canções que vai interpretando são extremamente pessoais. Entre temas há tempo para fazer a devida introdução, como no caso de «Depois de Ti», canção das Doce, escrita por Tozé Brito, e que foi reinterpretada por Wallenstein para o recém lançado “Tozé Brito (de) novo”, após um convite feito por Inês Meneses, e que na versão entregue à dupla responsável pela produção, Luís Nunes (talvez mais conhecido como Benjamim) e João Correia (Tape Junk) ia incluída o choro do bebé que passou a ser presença assídua nessa altura, mas que acabou por não chegar à versão final da canção. Escolhas. Ouvimos também entre outros, Erasmo Carlos e Debussy com a interpretação de uma peça do compositor francês. «Amor, a Nossa Vida» marca uma passagem pelo reportório da sua banda, os Capitão Fausto, peça central naquilo que Wallenstein é, como aliás ficaria verdadeiramente demonstrado, no fabuloso final de um concerto em que nos sentimos mesmo como se estivéssemos numa acolhedora sala de estar. Quis o destino que no dia 19 de Novembro passassem exactamente dois anos sobre a morte de José Mário Branco. Estava dado o mote para o que se seguiria. Começou por se juntar a Tomás Wallenstein em palco, o pai, Pedro Wallenstein que havia gravado com José Mário Branco a canção que iriam tocar juntos, «Eu vim de longe, eu vou pra longe», acompanhando-o ao contrabaixo. Seguiram-se a mãe, a irmã e a namorada, nos coros. “Eu vim de longe, de muito longe pra aqui chegar”! São palavras que carregam uma parte da nossa história que estamos proibidos de esquecer. A Wallenstein ainda se juntaram depois os elementos que integram a já vasta família Cuca Monga e por último, mas nunca menos importante, os restantes elementos dos Capitão Fausto. 18 elementos em palco e um final de concerto bonito, bonito e que nos deixou de coração cheio.
O Coliseu está a meio gás para receber os Django Django, no entanto isso não impede a banda inglesa de fazer uma entrada extremamente bem sucedida, naquele que é o primeiro concerto fora de Inglaterra nos últimos dois anos, conforme Vincent Neff faz questão de frisar. Um sinal dos tempos. Os Django Django têm uma capacidade invejável de soarem sempre frescos ao vivo e procuram usá-la em seu proveito da melhor forma, perante uma sala que gradualmente vai-se compondo. Mas o Super Bock em Stock é um festival que exige mobilidade e por isso decidimos rumar à Sala Santa Casa, ali mesmo ao do Coliseu na Garagem EPAL.
Com a curadoria do palco a cargo de RIOT (que observa do fundo do palco), é a vez de João Não atuar para uma sala com muito espaço livre (é possível ver as marcas dos lugares de estacionamento no chão) mas com aquilo que falta em massa humana a ser compensado pela entrega de quem escolheu estar ali naquele momento. Esta corrente que o gondomarense João Não íntegra (e que esteve bem representada neste Super Bock em Stock) tem ganho uma força que poderá espantar os mais distraídos, mas que é feita e apresentada com estrutura, realmente pensada. A indumentária é um desses aspectos, e neste caso pontifica a camisola do Gondomar, como Mike El Nite, faz questão de frisar quando se junta a João Não em palco para juntos entregarem «Danceteria Love», naquele que foi um dos momentos altos da performance. Pelo meio houve oportunidade de escutar algumas canções em estreia absoluta, bem como a faixa título do álbum lançado este ano, “Terra-Mãe”. Até pode ser em garagens que este fenómeno vem a ganhar forma mas não se enganem… já saiu de lá.
A presença do The Legendary Tigerman não estava nos planos iniciais e foi fruto do cancelamento dos Black Country, New Road, que levou inclusive à mudança da atuação dos Iceage para o dia seguinte para o Coliseu. Paulo Furtado regressou ao palco do Tivoli, em formato one-man band, algo cada vez mais raro nos tempos que correm, fruto do rumo que o seu projecto vem a tomar, onde uma banda se revela agora como essencial para lhe dar corpo. Naquele mesmo palco, há alguns anos tinha apresentado um álbum incontornável da sua carreira, “Femina”. «Naked Blues» continua irreverente tal como no primeiro dia, e apropriadamente apimentado pelo fantástico e provocador vídeo que acompanha o tema. Viajamos pelo 28 ao som de «& Then Comes the Pain», juntamente com Phoebe Killdeer. Depois, de pé e apenas empunhando a guitarra, presenteia-nos com o sensacional «Mississippi River Blues» de Big Bill Broonzy. Uma actuação intensa e competentíssima, que demonstrou (mais uma vez) que o The Legendary Tigerman é um tesouro nacional.
Antes de se regressar ao Coliseu há ainda tempo para fazer uma paragem na Sala Rádio SBSR.FM, na Estação do Rossio, onde os Sports Team partem a loiça toda perante um espaço realmente a rebentar pelas costuras. A fórmula é fácil (o que não quer dizer que esteja ao alcance de todos); punk e rock bem doseados com irreverência e uma enorme vontade de se divertirem e disfrutar o momento. Não é menos verdade que há nomes em Inglaterra a mover-se por terrenos semelhantes e a fazer coisas mais interessantes (black midi ou os BC,NR são dois nomes que ocorrem), mas os Sports Team conseguiram encontrar o seu espaço. O concerto é uma celebração intensa onde conseguimos escutar a Casinha dos Xutos a ser entoada pelo público a dado momento, depois de Alex Rice perguntar ao público para cantar uma canção portuguesa bem conhecida. É incrível os contextos em que esta canção surge.
A noite terminou depois no Coliseu, com Rui Pregal da Cunha e Paulo Pedro Gonçalves. Dois nomes indissociáveis da nossa música, e em especial dos Heróis do Mar, para algo que começou num formato de DJ e depois evoluiu para algo mais híbrido, com Paulo Pedro Gonçalves na guitarra e Pregal da Cunha a dar nova vida a algumas canções dos Heróis do Mar em algo que poderia ser visto como um remix ao vivo.
Texto por Miguel Barba e fotografias por José Eduardo Real.
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