Tangerines

Tangerines

Não seremos todos metades do mesmo gomo?

“O que acontecerá se colocarmos dois inimigos de morte a viver sob o mesmo tecto, sem a possibilidade de se matarem um ao outro?”. Uma permissa simples, curta e que acabará por revelar uma das obras mais bonitas que tivemos o prazer de assistir nos últimos tempos.

A narrativa passa-se em 1992, em plena Guerra da Abecásia, onde, após a queda do regime comunista, várias pequenas regiões viraram palco de conflito entre combatentes chechenos e guerrilheiros georgianos. Nestes territórios, poucos foram os naturais que sobreviveram para contar a história. Entre os poucos que ficaram para trás está Ivo (Lembit Ulfsak), que escolheu não seguir os passos da sua família para viver humildemente a ajudar o vizinho e amigo Margus (Elmo Nuganen), um agricultor que não teme o tempo que dedica a céu aberto à plantação e colheita de tangerinas no jardim da sua casa. Já a Ivo cabe a missão  de fabricar as caixas que as irão transportar, caso venham a sobreviver à implacabilidade dos conflitos étnicos que eclodem um pouco por toda a parte.

Um dia, inevitavelmente, a Guerra chegaria.

E, quando esse dia chegou, chegou-lhes literalmente à porta. Numa terra que é de Ninguém, das duas facções em conflito sobrevivem dois mercenários, de lados opostos.

Acolhê-los em casa e tentar promover uma vivência pacífica entre estas duas metades diferentes poderia parecer uma loucura para qualquer um, mas não aos olhos de Ivo. Um idoso com um olhar atento, perspicaz e com noções de justiça e valores humanos a que a poucos (ou mesmo quase nenhuns?) outros conseguimos reconhecer.

Apesar de estarmos perante um tema denso e que reflecte uma realidade esmagadora não muito distante dos dias actuais, este é um filme que apesar de nos incomodar com a predisposição ao ódio que vemos reflectida nos olhos dos inimigos, consegue ainda assim fazer prevalecer uma sensação de satisfação pela fatalidade que lhes aconteceu.

A excelente realização de Danis Tanovic ajuda a salientar os contrastes entre os dois sobreviventes, ao brindar-nos com um filme que se presta a merecidos momentos de pausa e reflexão, necessários para que consigamos interpretar as consequências esmagadoras da Guerra no que à degradação dos valores humanos diz respeito. A simplicidade das cenas e o ambiente intimista são também âncoras importantes para nos deixarmos surpreender sem darmos conta. A certa altura, esquecemos que estamos a assistir a um filme de Guerra, passando a nossa atenção a estar presa a novos palcos, trivialidades domésticas e de convivência diária. A forma incrível como a história se torna humana e deixa que se esbata a animosidade existente entre os guerrilheiros provoca-nos uma espécie de sorriso omnipresente e igualmente reflexivo a respeito da fraqueza, estupidez e afectação humanas perante as imposições das Guerras.

As barreiras étnicas e os conflitos territoriais que antes podiam existir acabam por ser o estímulo necessário à plena celebração da existência junto de quem nos é semelhante e se podemos até reconhecer que a história não traz um tema totalmente novo para o novo ecrã, certo é que o processo com que se desenrola toda a história é, talvez, o mais essencialmente humano. E esta é a beleza maior deste Tangerines (Mandariinid no original). O facto de abrir uma janela para a celebração da vida sem qualquer esforço emocional que chegue perto, sequer, de lugares-comuns ou maneirismos do cinema comercial.

E é assim, com uma simplicidade arrebatadora que nem nos apercebemos da inquietante dúvida que agora ecoa nas nossas cabeças.

Se estamos numa terra de Ninguém, porque lutam eles?

Não seremos todos, ao final de contas, metades iguais do mesmo gomo?



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