The Vicious Five

O hype materializou-se num excelente disco de estreia. Conheçam os riot boys portugueses em discurso directo e exclusivo para a rua de baixo.

Tudo começou com muita vontade de agitar as hostes. Depois surgiram alguns temas e um ou outro concerto ao vivo. Quem assistia à prestação da banda, rapidamente passava a palavra aos amigos e a “bola de neve” aka hype começou a crescer. “The Electric Chants of the Disenchanted” foi o EP que colocou a “revolução” numa rodela digital e que a levou a outras paragens, trazendo ainda mais concertos, repletos por uma juventude sedenta por dançar sem tabus e constrangimentos. ”Up on the walls”, o disco de estreia dos The Vicious Five, é o resultado natural do trabalho da banda, mas ao mesmo tempo uma agradável surpresa para todos aqueles que só agora conhecem o som do grupo lisboeta.

Os The Vicious Five são formados pelo vocalista Joaquim Albergaria, os guitarristas Bruno Cardoso e Edgar Leito, o baixista Rui Mata e o baterista Paulo Segadães. Com uma postura punk-rock/hardcore ao vivo, o grupo baseia a sua música essencialmente nas suas letras, nas ansiedades de uma juventude, no amor sem tabus, nos costumes conservadores da sociedade, na política e a necessária revolução que poderia alterar o estado das coisas.

Editado pela Loop, ”Up on the walls” é composto por temas mais “fáceis” do que aqueles que os deram a conhecer. Continuando embora a apostar nas guitarras e postura punk, onde se destaca a voz aguda e “berrante” de Joaquim Albergaria, a banda parece procurar o formato “normal” de canção, com refrões ainda mais orelhudos e radiofónicos.

Ao vivo a postura continua a mesma: um festim para dançar como não houvesse amanhã. (Vejam o artigo relacionado).

Estivemos à conversa com Bruno Cardoso, um dos guitarristas da banda, que falou sobre o percurso dos The Vicious Five, desde a sua génese até ao novíssimo “Up on the Walls”. Fiquem com a entrevista e façam o favor de ouvir música portuguesa.

Como e quando é que surgiu a ideia de formar os The Vicious Five?

A banda começou a partir do nome e da vontade de experimentar uma sonoridade que nunca tínhamos explorado em bandas anteriores. Acabou, também, por ser um desafio para nós começar a tocar, por exemplo, com menos distorção nas guitarras, principalmente porque tecnicamente não éramos muito bons.

Quais são as vossas maiores referências musicais?

As nossas maiores e mais directas influências encontram-se nos últimos 40 anos de rock (ou de música com guitarras). Desde os Beatles até aos ciclos revivalistas do novo século, mas com a escola principal a vir da segunda metade da década de 70 e da primeira dos anos 80, o período de tempo da emergência do Punk, do seu desenvolvimento e disseminação noutros géneros musicais. Curiosamente todos nascemos nesse período de tempo…

Primeiro nasceram alguns temas, depois surgiu o EP, agora o CD…

Acho que foi um percurso normal. Começar discretamente, na sala de ensaios a explorar ideias; sentir a necessidade de as registar, logo que possível, para poder mostrá-las; tocar ao vivo para promover e ganhar “rodagem”, aceitar com humildade críticas positivas e negativas, aprendendo com elas e não pondo a carroça à frente dos bois; depois, ter a sorte de alguém reconhecer talento em nós ao ponto de querer ajudar-nos a avançar para algo com mais qualidade.

O vosso som foi-se desenvolvendo. Quais os aspectos onde se sentem melhores?

Como banda sentimo-nos melhores em tudo. Tanto ao nível da composição musical como no conteúdo das letras. As vocalizações também são bastante superiores às do registo de estreia. Tudo passou por, ao contrário de no passado, pensar um bocado mais nas ideias que iam surgindo e tentar que elas ganhassem uma consistência que realmente achássemos que era boa. Se na altura do lançamento do EP havia aquela urgência de mostrar, para o álbum a prioridade era fazer o melhor possível.

Porque acham que conseguem captar a atenção de um público mais indie e menos “rockeiro”?

Pensamos que agradamos de forma igual a esses dois tipos de público que referes. Mas sendo mais verdadeiro, não te sabemos explicar o porquê. Acima de tudo, ao vivo, entregamo-nos ao máximo com toda a sinceridade possível mas talvez o facto de a ZDB já nos ter convidado para tocar, possa sugerir que temos algum público mais virado para indie. Entendendo o Indie como um bolo mais eclético onde confluem inúmeros estilos musicais…

Como se rotulam? Indie-Punk-Rock ? Que tal “riot boys”?

Obviamente, e claro que é um cliché, não somos apologistas de rótulos. Claro que não negamos nem o Indie, nem o Punk, nem o Rock. Seria, claramente, uma atitude pretensiosa fazê-lo. Temos características comuns a qualquer dessas referências. Riot Boys é uma ideia interessante. A insurreição perfeita seria, certamente, musicada e festiva, e nesse prisma gostaríamos de participar.

Existe um “gap” na música nacional que vocês podem aproveitar?

Pensamos que não existe ninguém semelhante a nós em Portugal. Nesse sentido talvez preenchamos essa lacuna. Já não é a primeira vez que nos encaram nesse sentido e nós próprios começamos a sentir isso a partir do momento em que nos vimos numa situação em que para um certo tipo de público nós éramos muito soft e para outro demasiado hard. Foi óptimo sentir isso.

Como surge a Loop nas vossas vidas?

O pessoal da Loop ouviu falar, ou leu, sobre nós. E foram curiosos. Contactaram-nos e acabaram alguns dias depois por nos convidar para trabalhar com eles. Tem sido interessante e gratificante esse trabalho. Não podia correr muito melhor do que correu até agora tendo em conta todas as possibilidades. Deram-nos oportunidade de podermos gravar bem, com o Luís Caldeira, e puseram cá fora o CD. Tudo correu bem pois houve uma empatia imediata entre ambas as partes. Estranhamente, nunca sentimos estar a entrar num território alheio, pois a cultura Hip Hop tem no seu conteúdo inúmeras ligações ao espectro em que nos movemos.

Este disco é um pouco mais comercial. Era esse o vosso objectivo? Ter mais airplay nas rádios e alargar o vosso público?

Airplay nas rádios nunca foi um objectivo primordial na construção das músicas. Até porque estas foram surgindo com naturalidade na sala de ensaios. Alargar o público pode passar por escolher tornar a música mais acessível, mas passa também – e este cremos ter sido no nosso caso – por um trabalho de auto-investimento e de promoção. Concordamos, claro, que o disco é muito mais acessível do que o EP. Acima de tudo, fazemos música que gostaríamos de ouvir, que gostamos de tocar, mas também fazemos música para incentivar a dança e, como tal, fazemo-la com um sentido de partilha. Tipo: “Isto não é só nosso. É para todos os que quiserem dançar connosco”. Simples. Se a nossa música se resumisse a uma estratégia de entretenimento fácil, mais valia fazer uma banda de covers. Não dava tanto trabalho.

O título do disco, “Up on the walls”, é claramente uma menção à cultura urbana. Expliquem-nos o significado deste título.

O significado é tão abrangente como a cultura urbana. Abarca toda uma experiência de vida na cidade e nos subúrbios.

As paredes são o último lugar (ilegalmente) livre para a exposição de ideias numa sociedade em que tudo é propriedade alheia e privada. Servem para comunicar das formas mais diversas. A verticalidade característica das cidades fornece esse espaço que, mesmo com dono, é exterior e acessível a todos. Serve de tela para autores anónimos. Entre o brejeiro, o cliché, o naif e a vanguarda, as paredes são o suporte ideal para mostrar. São muitas vezes a única forma de se apresentar seja o que for ao mundo. “Up On the Walls” como indicador de “estamos aqui, pois não nos deixam estar em mais lado nenhum”.

É possível desvendar muito de uma cidade pelo conteúdo de toda uma contra-informação patente nas paredes. Os melhores museus e galerias nem sempre são institucionais. Há muita cultura livre por aí.

A vossa música pode ser considerada de intervenção. Quais são as vossas maiores preocupações na sociedade de hoje?

Pode ser considerada de intervenção, claro! A partir do momento em que se tentam contornar valores que limitam a criatividade… contrapondo-os, precisamente, com ideias para reflexão… Ou quando se fala de amor sem nos armarmos em coitadinhos de coração destroçado.

Nós não conseguimos separar a música da comunicação de ideias. E essas ideias servem também para interagir com o público.

Falando concretamente sobre Portugal preocupa-nos muito a letargia dos “brandos costumes”. Ao que parece, muitos portugueses falam com orgulho sobre o seu país como um país de brandos costumes. Só que somos brandos pela negativa. Somos um povo que não reage aos problemas de forma particularmente empreendedora. Os portugueses limitam-se muito a criticar e a discordar mas têm medo de se impor. Impor através de mostrar algo seu. Algo que contribua positivamente para o País em que vivem. Nós próprios sofremos um bocado desse adormecimento, parece quase inevitável. Mas tentamos que não seja um impeditivo para o que gostamos de fazer. Isto não é nada que já não se tenha dito. Mas tem vindo a reflectir-se cada vez mais.

Depois, todo o mundo ocidental em geral está, progressivamente, a entregar-se ao entretenimento mais fácil e ao narcisismo egoísta pondo de lado os valores do convívio e da partilha.

Grande parte das faixas do disco fala de uma juventude descontente com o rumo dos acontecimentos. É para essa geração que existem os The Vicious Five?

É para essa juventude. Não é bem uma questão de gerações porque não vamos negar, à partida, a jovialidade de alguém pela sua idade.

“The Electric Youth” (a última faixa) resume todo o disco. Concordam com esta afirmação?

Concordamos em absoluto. Poderia, perfeitamente, funcionar como uma sinopse para apresentação do conteúdo do álbum. Não tanto no que respeita à estética musical mas sim ao conteúdo lírico ou, digamos, ideológico. São três ou quatro frases chave que, em jeito de apelo, sintetizam todo o imaginário explorado conceptualmente no disco.

A vossa música incentiva a acção. Acham que o mundo precisa de uma revolução?

O nosso desejo é que a música incentive à acção. Seja ela o simples dançar num concerto nosso ou o aproveitar momentos especiais, seja o apostar num empreendimento de consciencialização social.

Em primeiro lugar não acreditamos propriamente numa revolução de choque. Ou seja, não acreditamos que as coisas se processam de um dia para o outro. Também temos a noção de que transformar o mundo para melhor é cada vez mais uma tarefa ingrata e utópica. Ainda para mais perante um sistema que oculta quem o coordena e quem o faz funcionar em prol de benesse própria.

Temos em conta que a revolução é mais viável, primeiro a um nível pessoal e só depois como acção conjunta. Mas que o mundo necessita de ser mudado não é novidade para ninguém. A merda está à vista de toda a gente e cada vez mais os aparentes avanços para a resolução de problemas são apenas processos burocráticos que permitem a alguém ter um ordenado chorudo.

Falando da nossa realidade, temos uma vida em que nos tentam roubar tudo precisamente por nos oferecerem o excesso. O excesso que leva a tédio e à tal letargia que já mencionamos. Mas o que nos oferecem não é o suficiente. Queremos sempre mais e o que queremos não propriamente produtos pré-concebidos com objectivos comerciais. E como já nos mentiram tanto, e tantas vezes, só podemos, à partida, acreditar em nós.



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