Tiago Guillul
Em discurso directo na RDB.
“Oito dias em estúdio são o suficiente”, afirma Tiago Guillul no seu blog “A voz do Deserto”. Se com isto Guillul quiser dizer que poucos dias serão necessários para extrair o grau de implosão de uma certa hiperactividade punk e a euforia, agitada pelas letras que têm estado na base das criações saídas da editora que o tem como maior impulsionador, habilidosa do pregador, então o tempo dispendido foi mais que suficiente.
Ao contrário de “IV”, este é um disco, segundo o autor, mais dançável. Sem a urgência jocosa do primeiro tão evidenciada, não deixa de manifestar o efeito mimetizador que a FlorCaveira tem proporcionado numa nova geração de letristas.
Com Silas Ferreira (Pontos Negros) a ajudar na produção e a persistência de Nélson Carvalho (engenheiro de som e produtor) o último disco de Guillul utiliza a intuição e propulsão de “IV”, mas refina-as um pouco mais e envolve-as numa atmosfera, por vezes, mais quente e dançável.
Aqui sente-se claramente o característico disparo da suas palavras a invadir e intrometer-se com o universo litúrgico e a tradição africana, o disco e o punk, tudo aliado ao exercício da observação e até crítica social.
Na conversa com Tiago ficou-se a a entender um pouco melhor o estar “a solo” do músico/letrista/produtor, o modo como surgiu a ideia em torno do single de apresentação, a função dos amigos e músicos convidados e as fontes geradoras de maior impulso no momento de escrever e produzir.
“Só sei estar a solo no momentos de fazer canções”, começa por referir Guillul. “Posso trabalhá-las posteriormente em grupo, com os Ninivitas, com os Lacraus, com os Gratos Leprosos, com as Borboletas Borbulhas, mas não sei partilhar autorias no corpo essencial de uma canção. Letra e música vêm de mim. O arranjo, o ânimo, a abordagem podem ser alheios. Mas até aí o terreno vai sendo supervisionado. Sou um ditador bem-disposto”, brinca.
Tiago não considera existirem grandes ícones ou rochedos referenciais que lhe instrumentalizem as emoções no processo de criação. “Não existem grandes rochedos aos quais me agarre na hora de gravar um disco”, refere. “E nesse sentido a baixa-fidelidade sempre facilitou que o processo se tornasse âncora. Ou seja, e como diria o Macluhan, media is the message, e incorporar um modo transforma o que faz. Por outro lado existem coisas que já fazem parte e já nem se questionam: a música da igreja, a agitação africana, a hiperactividade punk. Mas o melhor exemplo de inspiração neste disco é a canção do Carcereiro que querendo ser Springsteen se tornou apenas João Pedro Pais. Às vezes a surpresa está na maneira como os desejos não se concretizam em pleno” fundamenta.
Dos convidados só alguns foram realmente escolhidos para o novo trabalho. Tiago explica: “Dos muitos convidados escassos foram escolhidos. A maior parte ia aparecendo pelo estúdio e eu arranjava coisas para eles fazerem. O Reininho e o Nick Nicotine foram as grandes excepções a essa regra porque as canções onde participam estavam feitas à sua medida. De resto a grande maioria são amigos e velhos companheiros musicais. Esse tipo de avalanche social é típica na nossa maneira de trabalhar na FlorCaveira”, considera.
Falo-lhe em expectativas, mas Tiago Guillul avança com alguma precaução: “prognósticos eram reservados até porque não nego uma certa preocupação mariquinhas da minha parte com a crítica. Este é o primeiro disco que faço sabendo que a crítica vai prestar atenção e isso é novo. Por outro lado, e como diz o Samuel Úria, na FlorCaveira não somos de discos perfeitos. Uma das provas mais eloquentes disso é o último álbum do Fachada, que sendo perfeito, já foi feito fora da editora. Há um desequilíbrio emocional, que diria protestante, que dificulta sempre uma fácil assimilação de tudo o que fazemos. Mas simultaneamente é verdade que as críticas têm sido muito positivas. Four stars everywhere”.
Será que existe um público específico na senda FlorCaveira?
“Não sei entender se existe um público específico da FlorCaveira. Sei que há pessoas que prestam uma atenção devota àquilo que gravamos. E isso é óptimo para nós”, acredita.
A respeito do single de apresentação: “andava muito mergulhado em nostalgia, daí a proximidade com a caderneta de cromos do México 86. A primeira ideia era um teledisco para as Sete Voltas mais à Dreyer só que eu e o Marco Miranda, o realizador, achámos que a coisa poderia ficar entalada entre o arty e o amador, o que se tornaria desconfortável. Daí para o divertimento assumido do que escolhemos fazer foi um salto”, recorda Guillul.
A ideia de valor pedida para os leitores da RDB é assertiva como as suas letras, ou não falássemos de Tiago Guillul:
“Tenho uma ideia incrível: que tal comprar o disco?”
Fotografia por Tiago Ramos
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