Tiguana Bibles
Por entre risos e suor musical, sob as luzes mais descansadas do final de um concerto lotado, no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra, caminhámos pelo universo dos Tiguana Bibles, numa conversa despida de instrumentos, mas com acordes de histórias para contar.
Por entre risos e suor musical, sob as luzes mais descansadas do final de um concerto lotado, no Teatro Académico de Gil Vicente, em Coimbra – cidade que de alguma forma lhes deu origem – caminhámos pelo universo dos Tiguana Bibles, numa conversa despida de instrumentos, mas com acordes de histórias para contar.
Depois de terem lançado, em Abril, o EP de estreia “Child of the Moon”, com a chancela da Optimus Discos, e divididos entre Reino Unido e Portugal, os Tiguana Bibles contam como se faz da amizade um encontro musicado, da improbabilidade um som único, e do futuro sem planos, uma história com sentido.
Para começar, uma pergunta tão banal como inevitável: como surgiram os Tiguana Bibles?
Pedro “P-Rocka” Serra (Ruby Ann and the Boppin Boozers) – Os Tiguana Bibles surgiram de uma conversa de bar entre o Carlos “Kaló” Mendes (Tédio Boys, Garbage Catz, Bunnyranch) e o Vítor Torpedo (Tédio Boys, Parkinsons e Blood Safari) onde, por acaso, eu surgi um bocado esgazeado e onde me convidaram para fazer parte deste projecto. O que aconteceu foi que nos juntámos, pensámos o que gostávamos de fazer do projecto, que seria talvez uma banda-sonora para alguma coisa que pudesse acontecer. Mas, naquela altura, vimos necessidade de juntar uma voz e aí chegou a Tracy Vandal (Karelia, Giant Paw, Lincoln) que foi uma surpresa para mim, não tanto para o Vítor, mas para mim foi uma valente surpresa. Depois, em 2007, fomos para o estúdio, gravámos três ou quatro faixas, achámos piada e depois disso voltámos ao estúdio novamente, a convite da Optimus, para gravar este EP – intitulado “Child of the Moon” – que está a ter algum impacto.
Em que medida é que o universo dos Tiguana Bibles se diferencia do dos projectos que cada um tem paralelamente?
Kaló – Para mim a diferença é total. Aqui, estou na parte de trás do palco, posso ouvir verdadeiramente o concerto. Eu adoro estes gajos.
Tracy – Ele já não se lembra dos nomes deles (risos).
Vítor – Para mim, a diferença é que posso jantar antes dos concertos (risos).
Certamente, por se tratar de uma banda mais “contida”. Onde fica guardada a energia toda?
Pedro Serra – A energia está lá toda, apenas comunicada de outra maneira. É completamente diferente.
Kaló – Talvez a energia esteja ainda mais presente do que estava antes, noutros projectos.
Pedro Serra – Eu estava muito mais contido nas bandas que tinha anteriormente, por ter medo que alguma coisa falhasse, do que nos Tiguana Bibles onde, não sei porquê, não sinto esse receio.
Kaló – É da quantidade de ensaios que nós temos: uma vez de seis em seis meses (risos).
Qual é a essência da banda?
Pedro Serra –É um pouco a virtude de poder fazer algo que nos transcende a todos. Juntar um pouco da influência do hillbilly e do country, da minha parte, um bocado do punk-rock e do country do Vítor, a voz da Tracy, um bocado do rock e blues do Kaló e do rock do Paul Hofner, juntar tudo e fazer este som que ainda não conseguimos definir como um estilo musical. Já pensámos pôr country-rock-qualquer coisa. Tenho amigos do rockabilly que gostam de Tiguana Bibles, por exemplo. É um estilo muito indefinido. É, acima de tudo, uma banda de amigos.
Paul – Eu acho que soamos comos os The Eagles (risos).
Tracy – É melhor não escrever isso, antes que descubram algo dos The Eagles em nós (risos).
Foram incluídos nos Novos Talentos Fnac de 2008, com o tema «Hometown». Como viram esse reconhecimento?
Pedro Serra – Isso foi uma participação, em 2007, para a qual fomos convidados, e aceitámos, mas não era um trabalho produzido, sequer. Portanto, não era por aí que íamos começar alguma coisa. Este EP, sim, foi o trabalho de produção que realmente queríamos fazer. Na altura, gravámos o tema, mas não era de longe o que queríamos fazer.
Mas, ainda assim, acaba por ser uma distinção. No ano de 2008, destacaram-se de tantas outras bandas que surgiram em simultâneo. Como lidam com esse reconhecimento?
Pedro Serra – O mais importante é, simplesmente, que a maior parte dos sons que saem dessas compilações podem trazer algo de diferente para o meio musical e isso, relativamente a Tiguana Bibles, tem-se notado nas rádios, na imprensa. Traz algo de diferente. Para nós, é importante que realcem isso. É a tal questão de não haver um estilo definido, a qualidade do som, que podemos identificar como rockabilly-pop, como já ouvi dizer, e que é completamente horrível. Nós não temos nada de rockabilly ou de pop. Chamem-nos o que quiserem, agora rockabilly-pop é que não (risos). Queremos é marcar a diferença.
[alguém entra no camarim e grita old-fashion rock ‘n’ rol!l]Pedro Serra – Boa! És um gajo inteligente, muito à frente.
As Tijuana Bibles eram os pequenos livros clandestinos de banda desenhada erótica, populares nos EUA, entre os anos 20 e 60. Como é que ilustrariam os Tiguana Bibles? Há pouco falaram de serem a banda-sonora de algo.
Vítor – David Lynch, sem dúvida. Podia ser Quentin Tarantino, mas não, porque o universo do Lynch é um bocado mais dark. Consigo visualizar a «Against the Law» num filme dele. Era óptimo.
Como surgiu a colaboração com Boz Boorer (produtor e músico de Morrissey)?
Pedro Serra – Conheço o Boz Boorer há muitos anos, principalmente a mulher, dos festivais de rockabilly, mas o Boz Boorer surge mais por causa do Kaló que trabalhou com ele nos Bunnyranch, e disse que o estúdio era fantástico e que o Boz era um colaborador excelente. E, realmente, foi fabuloso. Nós fomos gravar sem um ensaio, chegámos lá, um take, dois takes, três takes, está feito! E isso foi fenomenal. O Boz trouxe mesmo muito ao álbum. Tocou, inclusivamente, instrumentos – tocou slide guitar, guitarra. Colaborou bastante e desenvolveu um trabalho excelente.
Coimbra é muitas vezes descrita como sendo o epicentro do rock português, dado que é berço de algumas das bandas que agitam e agitaram o cenário musical do país. É um epíteto exagerado?
Vítor – É mais um mito, mas ao mesmo tempo não é. Coimbra teve um boom desde os anos 1980 até meios de 1990. O que é certo é que agora não há concertos como na altura.
Pedro Serra – A questão, nesse aspecto, é que a Internet revolucionou tudo isso. Trouxe coisas boas e coisas más. As pessoas já não se dão tanto à descoberta, como eu e o Vítor, que andávamos aí no Moçambique (café de Coimbra, já extinto) e por essas festas fora a “rebentarmo-nos” todos, digamos assim, sempre a ouvir o melhor rock. E era em cassetes! Arranjávamos os discos e gravávamos cassetes. Com 17 anos, fui ao meu primeiro festival rockabilly, trouxe discos, que depois passávamos uns aos outros… Hoje em dia, é tudo muito fácil. É tudo tão fácil que ninguém quer saber. É a fase do “deixa-te estar”. E as pessoas revoltam-se contra esta facilidade toda, então, é mais fácil seguir o modo do “deixa andar”, encarnar um estilo mais hippie, e vê-se mais isso na rua. É a rebeldia contra a Internet, quanto a mim. É tão fácil ter acesso às coisas que as pessoas não ligam. E uma das coisas que foi bastante curiosa, quando editámos o álbum, foi pôr à disposição o download das músicas e pôr, à mesma, o disco à venda. E podem pensar que as pessoas não querem comprar os discos, mas compram, ainda assim. Há muita gente nova que compra o álbum.
Integram, com outras bandas como Madame Godard ou The Bombazines, a primeira fase de lançamento e sugestões da editora Optimus Discos, sob a selecção de Henrique Amaro. Como encaram este conceito de música livre? Acham que o mercado não vai voltar a ser como era?
Vítor – Já não é como era, de qualquer forma. Ao princípio estava muito apreensivo em relação a disponibilizar o EP na Internet. Mas agora vejo que foi a melhor ideia de produção para a banda. Chega a muita gente e foi mesmo um boom, pelo menos, pelo feedback que eu tenho de Portugal, que me chega através do Pedro Serra.
Têm tido feedback por parte de amigos/personalidades do meio musical?
Vítor – Sim, um pouco de toda a gente. Ainda há pouco tempo, a Sónia dos The Gift disse-nos que adorava o projecto.
Tracy – De uma maneira estranha, acho que te preocupas mais com aquilo que as pessoas que não conheces te dizem, do que com a opinião dos mais próximos. É importante saber o que pensam esses “desconhecidos”, tens de ter feedback da parte de quem não tem opinião alguma. Isso é o que faz a diferença, porque não actuas para a tua família e amigos. Afinal de contas, esses não te vão dizer que não vales nada, não é? (risos) Não tomo o apoio deles como garantido, não me entendam mal. Mas quando tocas, tocas sobretudo para pessoas que não conheces e essa é a parte assustadora.
E como foi a reacção em Londres?
Tracy – Em Londres, mantemo-nos mais… em segredo. Ainda não entregámos o EP às editoras, ainda não foi o momento certo. O mercado inglês é muito complexo, tens de ter muito cuidado com a altura em que apareces. Não podes aparecer muito cedo, porque se nos damos a conhecer e se passarem o nosso trabalho, arranjarem-nos sessões, mas depois não darmos seguimento com concertos… morremos aí. Vão esquecer-se de nós. E se depois, mais tarde, já avançarmos com concertos, eles dir-nos-ão “vocês já foram há seis meses atrás, tiveram oportunidade e não a aproveitaram…”. Temos de sentir que temos um plano. Em Londres, é muito mais assustador, envolve muito mais pressão. Temos de ter tudo muito bem planeado: lançamento, promoção, concertos. É muito fácil uma banda perder-se no burburinho musical londrino.
É essa a grande diferença que sentem relativamente a Portugal?
Paul – Não, o que eu acho é que Inglaterra é como Espanha e Portugal é como a Irlanda. A única diferença é que em Portugal, o Vítor é rei (risos).
Como é trabalhar com eles, Tracy?
Tracy – É óptimo. De todas as bandas em que estive, eles são os mais acessíveis. Mal posso esperar pelos momentos de tensão entre eles. É inevitável (risos). Não, é uma banda que trabalha muito bem, há um óptimo ambiente. Isso é o mais importante.
Paul – Eu e a Tracy já nos conhecemos há cerca de 10 anos, por exemplo.
Tracy – Sim, eu tinha só 16 anos! Nalguns estados norte-americanos, isso é ilegal (risos).
Qual é a receita para uma banda funcionar bem?
Vítor – Respeito, acima de tudo. Saber respeitar o espaço musical de cada um. A pessoa com que estou mais surpreendido é o Pedro Serra. O Kaló é aberto, em termos musicais, já o Pedro é de uma escola mais fechada, mais fixa. Ele já nem ouve rock‘n’roll, ouve hillbilly. Ele gosta tanto deste projecto que está mesmo obcecado. Está a ser óptimo para ele, tornou-se mais aberto musicalmente.
De que planos se constrói o amanhã dos Tiguana Bibles?
Vítor – Não tenho planos. O meu plano principal é trabalhar na próxima segunda-feira (risos). O meu plano é assim: “quando é que eu posso tirar férias e tocar com estes gajos?”. Vamos gravar o álbum no Verão, na terceira semana de Agosto, em Sierra Vista, com o Boz. Serão as minhas férias. A partir daí, é ver como isto desenvolve. O processo envolve esperar um pouco, mas não muito. Os nossos planos estão em plena mutação.
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