Tomás Wallenstein @ Culturgest (24.02.2023)
Cancioneiro Pessoal
Entrando em cena ao som de Georges Bizet, Tomás Wallenstein parecia transmitir imediatamente a sensação de confiança no trabalho que tinha para apresentar, e a linguagem corporal com que saudou a plateia confirmava-o.
E só mesmo essa confiança lhe permitiria inaugurar a noite com uma abordagem tão sensível e contemporizada de «Responso Para Maridos Transviados», tornando o tema de B Fachada ainda mais sentido e pesaroso. E foi uma das notas da noite, o facto de Tomás Wallenstein conseguir fazer ressoar as teclas do piano de forma ainda mais segura que nos registos de estúdio que preenchem “Vida Antiga”. Facto que certamente não será lisonjeiro perante um Auditório Emílio Rui Vilar muito bem composto, e para quem está mais que acostumado a ter companhia em palco além do piano.
Por entre cada par de canções, a reconhecida voz de Capitão Fausto fez questão de dialogar com o público, apresentando e explicando a escolha das composições que ia interpretando. Com o elemento comum da língua portuguesa (com excepção do sensacional instrumental do gaulês Erik Satie), o leque de compositores seleccionado por Tomás Wallenstein compreende várias gerações, indo de Cartola a Luís Severo, ou de José Mário Branco a Tim Bernardes. As releituras ao piano acabam por ser uma cola que faz com que quase pareça o repertório de um só compositor.
Não faltaram obviamente as passagens pela sua casa de partida, a Cuca Monga, descrevendo como essa turma fez a «Travessia» dos confinamentos à boleia do Conjunto Cuca Monga, ou assinalando álbuns que são já referências no contexto sónico português, por meio da versão de «Amor e Verdade», de Luís Severo, e de «Amanhã Tou Melhor», dos seus Capitão Fausto.
Após uma primeira metade mais despojada a nível visual, a restante actuação traz-nos truques de luzes, igualmente simples e sóbrios, mas que vão jogando com os temas em questão. Desde a lâmpada que se movimenta como um moinho na canção de Cartola, até ao clarão vermelho que permaneceu por baixo do piano ao longo do épico «Cantar Alentejano» repescado no catálogo de Zeca Afonso, não olvidando o terrífico alumiar (apenas) da face de Tomás ao longo da abordagem sublime de «Não Tenho Medo da Morte», do espólio do mestre Gilberto Gil.
Para um merecido encore, quer para o músico em palco, quer para um público que conseguiu ser irmãmente entusiasta e respeitador, Tomás Wallenstein trouxe o único original e tema-título do seu disco, encerrando com «Boa Memória» (recordando novamente Capitão Fausto) uma noite que será certamente para ele inesquecível.
Tomás, e toda a sua família da Cuca Monga já agora, tem sido um dos destacáveis agitadores e contribuintes para o panorama musical nacional dos últimos anos, e não restarão dúvidas que num futuro não muito longínquo serão as suas próprias composições a serem alvo de bonitas homenagens como aqueles que ele promove nesta sua obra a solo. E justamente assim será.
Alinhamento:
– Responso Para Maridos Transviados
– Amor, a Nossa Vida
– Gymnopédie No. 1: Lento e Doloroso
– Amor e Verdade
– Travessia
– Nascer, Viver, Morrer
– Cantar Alentejano
– O Mundo É Um Moinho
– Não Tenho Medo da Morte
– Volta
– Amanhã Tou Melhor
– Eu Vim de Longe, Eu Vou P’ra Longe
(encore)
– Vida Antiga
– Boa Memória
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