Trovoada
“Dois solos acompanhados”
Este espetáculo surge na sequência do trabalho do coreógrafo e bailarino Luís Guerra, de “Vento” (2013), solo criado numa edição das Quintas de Leitura, no Teatro de Campo Alegre (Porto) e da coreografia “Nevoeiro” (2013) uma criação para 4 intérpretes, ambas com composição musical electrónica de Ulrich Estreich. Estes trabalhos coreográficos marcam o abandono de “Laocoi”, um universo desenhado e fabricado por Luís Guerra e que foi construção identitária de um período do seu mundo criativo.
A deslocação do ar, em “Vento”, é pensada sobre uma mesa com movimentos precisos, curtos e perturbadores, remetendo para a figuração da criação dos ventos, por parte do deus Éolo. Esta mesma figura surge de seguida com um bastão, que numa dança pírrica e com movimentos marciais revela o som da movimentação do ar.
A composição coreográfica em “Nevoeiro” é mais abstracta, há uma concentração maior na expressão dos movimentos. Luís Guerra afirma que é um “(…)apelar à intuição, à emoção, ao indizível”; “Quer ser uma dança onde o espectador sinta e veja coisas que não saiba classificar”.
“Trovoada” são dois solos acompanhados, entre a pianista Joana Gama e Luís Guerra. Há um prólogo, Vento, que é trazido de trás e que abre a cena. A mesma mesa, os mesmos movimentos precisos e agitados, seguindo-se a mesma dança pírrica com o bastão com um silvo fino e feroz, a mesma composição electrónica de Ulrich. Apenas a presença do piano nos faz adivinhar a não solidão do intérprete. A luz desaparece dando lugar à escuridão permitindo a ilusão do aparecimento de uma nova figura, a pianista. A luz abriu.
Os figurinos de Aleksandar Protic acentuam a fotografia clássica do bailarino e da pianista. Nesta imagem há uma mistura de períodos e de estilos, de detalhes com um acento contemporâneo e uma modulação que faz com que tudo seja mais que uma preciosa peça de biscuit.
Antes de soarem os primeiros acordes no piano da composição de João Godinho, interpretada virtuosamente por Joana Gama, o corpo do bailarino já dança. Aparentemente os movimentos são dessincronizados com a música, uma pianista que toca sem acompanhar, um bailarino que dança sem escutar. Tudo é definido com uma extrema precisão e grande detalhe, desde as expressões faciais à gestualidade das mãos.
A composição é estruturada por subtis quadros, onde cada transição é extremamente cuidada, recorrendo a uma técnica de “blackout” quase completa e em que parecem sugerir várias personagens no mesmo corpo, onde cada uma é rápida e finamente desenhada. Cada parte é um diálogo entre o bailarino, a pianista e a música. A exceção é o início e o fim onde existem dois “frames” distintos.
Trovoada parece procurar um estilo perfeito, com um rápido trabalho de pés assim como uma alteração preciosista da mímica. Sugere um trabalho técnico da arte da pantomima executado de forma equilibrada e aludindo à naturalidade de outro tempo, assim como uma nova abertura na compreensão da teatralidade na dança contemporânea.
Contudo é inevitável não viajarmos até “Vestris”, solo criado por Leonid Jacobson em 1969 para Baryshnikov, sobre o bailarino virtuoso do séc. XVIII com o mesmo nome, que ficou famoso pela sua técnica de mimética e a facilidade/habilidade de mudar rapidamente de uma expressão para outra.
Com uma especial destreza para criar passos e caracterização para os mesmos, ideias para cada gestos e movimentos, Luís Guerra conseguiu materializar a ideia que tinha iniciado em Novoeiro, ver “(…)na arte da dança uma das maiores e mais amplas formas de expressão artística(…)”, “(…)aquilo que apreendemos do movimento dos corpos humanos é imensamente rico por ser vago”.
“O Vento” que antecipou um Nevoeiro semicerrado fez antever uma Trovoada que é claramente a “obra de dança que fala por si só, sem necessitar de palavras”(usando palavras do próprio coreógrafo no texto de Nevoeiro).
Trovoada
15 e 16 de Janeiro 2015
21h – Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém (Lisboa)
Direcção Artística e Coreografia: Luís Guerra
Interpretação: Joana Gama (pianista) e Luís Guerra
Composição electrónica: Ulrich Estreich
Composição para piano: João Godinho
Desenho de Luz: José Iglésias
Figurinos: Aleksandar Protic
Produzido até 2014 por Mafalda Jacinto – Bomba Suicida
Apoiado por Fundação Calouste Gulbenkian, O Espaço do Tempo, Teatro Viriato e Alkantara.
There are no comments
Add yoursTem de iniciar a sessão para publicar um comentário.
Artigos Relacionados