“Um Porco em Gaza”
O porco escondido com o rabo de fora
“Um Porco em Gaza” de Sylvain Estibal, relata a insólita captura de um porco vietnamita pelas redes de um pescador paquistanês, na costa de Gaza. O contexto é de escassez de peixe (pelo menos nas redes de Jafaar, o pescador), pelo que ganhar a vida torna-se uma tarefa complicada, envolve pagamentos fiados e mentiras conjugais, e o aparecimento do “animal impuro” não suaviza as circunstâncias.
Jafaar tenta livrar-se do animal, mas não sem antes tentar tirar algum partido do seu irónico destino: seja na tentativa de vendê-lo a um agente da ONU com problemas de auto-controlo ou a traficar fluidos para um campo de refugiados. Situações caricatas que, de resto, se afastam de clichés narrativos reciclados: servem antes para construir um território cómico que se serve, sim, de alguns estereótipos culturais, sem tentar perpetuá-los.
E será com esta leveza que se abordam os temas quotidianos que constroem “Um Porco em Gaza”. Sem grandes aparatos, vamos sendo apresentados a um conjunto de personagens com ténues ligações que desaguam em Jafaar. Isto será, contudo, posto à prova quando o filme se aproxima da recta final, que se encaminha para um feliz encontro entre as várias dimensões, enquanto a trama relativa ao conflito militar e religioso se adensa.
É impossível fugir à realidade actual do conflito israelo-palestiniano, com foco particular na área em que decorre a acção. Mas também não é por aí que se conta uma história: pelo contrário, o filme de Sylvain Estibal descarta as possibilidades de tomar uma posição política em detrimento de uma aproximação quase introspectiva do seu micro-cosmos de acção. Ainda que a omnipresença do conflito seja inescapável: não será por acaso que o andar de cima da casa de Jafaar é ocupado por militares em vigia.
Mas todos estes pequenos confrontos quase ingénuos acabam por ditar a mensagem do filme: se por um lado é quase demasiado inofensivo para surtir efeito, por outro acaba por cumprir precisamente aquilo a que se propõe: uma comédia despreocupada que brota num cenário adverso, como que um primeiro raio de Sol que anuncia a Madrugada.
Estreia a 24 de Janeiro.
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