“Vamos Comprar um Poeta” de Afonso Cruz
Genial, a mais de 99%
E se vivêssemos numa sociedade em que tudo deveria dar lucro e o afeto e a moralidade se medem em percentagem e estar apaixonado, a mais de 75%, é um acontecimento sério? E se o materialismo controlasse a vida das pessoas? E se os nomes fossem substituídos por números e uma vírgula fosse sinal de estatuto? E se os alimentos fossem contados ao grama e uma metáfora fosse sinónimo de mentira? E se a poesia morresse? E se isto fosse um livro?
Então o resultado seria “Vamos Comprar Um Poeta” (Caminho, 2016) uma pequena história da autoria de Afonso Cruz sobre a importância da Poesia, da Criatividade e da Cultura na nossa existência e, simultaneamente, uma ode à beleza das ideias e dos sentimentos movidos ao mais puro sentido da amizade.
No centro da narrativa está uma menina de 12 anos que queria ter um artista como animal de estimação. A escolha, mais económica e asseada, caiu na figura de um poeta, um ser estranho que dá vida e cor às palavras, faz sonhar, fala uma linguagem impercetível e apela ao devaneio «inutilista» face ao determinismo da economia, do crescimento e da prosperidade.
Para desespero do chefe da família, o poeta trouxe para dentro da sua casa, um reino particular onde o principal mantra era a filosofia da «contenção e do apertar do cinto», a arte de libertar o pensamento, de exercitar a liberdade, de interrogar os dogmas, de abrir e estender a felicidade ao quotidiano, ousando mesmo sugerir um outro tipo de crescimento que não o económico e gerar a eternidade em valores sentidos no âmago humano.
Numa mordaz e assertiva critica ao impulsivo vício consumista puro e duro que gera apenas uma «felicidade momentânea», Afonso Cruz volta a um território que já havido explorado em, por exemplo, “Capital”, um álbum ilustrado que tinha no centro da “narrativa” a relação entre um menino e o seu porquinho-mealheiro que era alimentado com capital.
Entre tiradas inutilistas, lucrativas e situações «exponencialmente parvas», “Vamos Comprar um Poeta” reserva ainda espaço para “supérfluas” tiradas de poesia de gente como Walt Whitman, Herberto Hélder, Dylan Thomas, Robert Frost e Wallace Stevens.
Tida como uma obra para um universo mais juvenil, esta mais-valia em formato de bolso de Afonso Cruz volta a explorar um planeta criativo único e desarma mentes de todas as idades fazendo uso de um poder narrativo que eleva o literário capital nacional, sacode para longe o cenário de queda e aumenta os dividendos da crítica inteligente evitando, definitivamente, a falência do cogito.
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