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Viagem a Cabo Verde no Doc Lisboa

Será possível viver sem antecipar o dia seguinte?

Quem o questiona é José Miguel Ribeiro, realizador de “Viagem a Cabo Verde”, a curta-metragem vencedora do festival de curtas de Vila do Conde na categoria de animação. Em apenas dezassete minutos, três regras e muitas estórias, vamos, estamos e voltamos da terra da morabeza. Cabo Verde. Para quem ainda não teve a oportunidade de lá ir, é aproveitar e fazer o check in neste DOC Lisboa.

Poderá parecer complicado ilustrar, visual e literalmente, uma viagem de sessenta dias em apenas dezassete minutos, conseguindo interligar harmoniosamente registos dois diários gráficos dispares e ainda tirar lições disso. E é. A priori o desafio seria o mesmo em Cabo Verde ou em qualquer outro lugar do planeta. Mas neste caso particular conhecer a terra das dez ilhas e do alto mar, da cachupa e das Hiaces, das mornas e do funaná torna-se mais simples em tom de curta que através de algum pacote impecável de uma ou outra agência de viagens de renome, com 10 dias de sonho e bar aberto no Sal ou na Boavista.

Nesta Viagem a Cabo Verde, a essência está no ir sem rumo, no questionar a vida e o dia-a-dia rotineiro, sentir o que se tem ( a mais) ou não se tem de todo. Deste modo, o nosso personagem principal, qual Bruce Chawin, propõe-se a fugir do mundo sem fugir de si, evadir-se sem chegar a perder-se num lugar pouco comum que não seja uma rua sem saída ou uma montanha perdida entre tantas outras.

Pelo menos é o que José Miguel Ribeiro, também realizador de “Suspeita” ( Festival Cinanima 2009), se propõe e nos desafia. Deixando tudo para trás – tudo a não ser a sua mochila nem a vontade de descobrir uma terra tão inóspita quanto rica – segue em frente rumo ao desconhecido. Não sendo o seu objectivo descobrir o que rege a humanidade muito menos perpetuar verdades absolutas, o nosso personagem tira, em dois meses de viagem, ensinamentos tão simples quanto importantes do que é a vida. Ambicioso? Cliché? Eventualmente. Mas aprendamos com ele.

Regra número 1: Sacudir as botas antes de usar

Não vá o diabo tecê-las ou as baratas e os milpés, por nós de cá chamados de centopeias, entrarem onde não devem. Em Cabo Verde, a Europa de África para uns, África insular para outros, é assim. Há que estar atento ao chão, ao ar, a tudo. Isto para não ter surpresas. E o nosso viajante aprende-o logo na chegada à capital, cidade da Praia. Entre frases em crioulo, Hiaces atoladas de gente e o caos do Sucupira, o mercado municipal, lá encontra o seu primeiro destino, a Assomada, uma espécie de Costa da Caparica sem praia lá da terra, não deslumbrante mas que aqui cumpre a sua função.

Regra número dois: Se não funciona, faz restart

Seja o que for, da televisão à maquina de café de saco, do pau para colher mangas à rede de pesca, do rádio à antena, em África ou se improvisa ou segue-se a regra básica dos técnicos de bancada: quando não funciona, desliga e volta a ligar. Para quê complicar? Para nada. Basta olhar para a grandiosidade do poilão da Assomada ( nome local para o Imbondeiro, árvore da savana africana que também se dá onde não há savana), sentir a morabeza da família do Paulo, provar a cachupa da sua mulher, respirar as noites ao relento, para conseguir viver as coisas que valem mesmo a pena fazer funcionar – mas quem é que ainda não percebeu?

Mas a viagem é longa e o tempo escasseia, por isso José Manuel Ribeiro transporta-nos rápido para o Fogo, desta vez pelo ar num qualquer avião a hélice da TACV. De Santiago ao Fogo, apesar de se avistarem mutuamente nos bons dias, a viagem de barco está longe de ser um pulinho, tal como subir ao cume do vulcão não o é. Para tingir esta coqueluche crioula, há que penar a um ritmo directamente proporcional ao prazer da solidão que se tem quando se atinge o ponto mais alto. Nesse sentido, e ao longo de todo o filme, as metáforas e imagens vão-se sucedendo à velocidade da descoberta.

Regra 3: não planear o dia seguinte

Não em Santo Antão ou em qualquer uma das outras ilhas de Cabo Verde. Aqui, lá, as casas constroem-se de tijolos transportados por burros, as estradas improvisam-se junto das escarpas, as pessoas dizem bom-dia como se o dia  não pudesse acontecer de outra forma. E bem, está na hora de voltar, de sentir o peso do regresso, pensar no que se viveu e mais aprendeu, agora ao som quente de uma morna. Sim, assim de repente. Como em qualquer viagem.

Então e afinal, é possível ou não viver sem planear o dia seguinte? Amanhã logo se vê. – porque amanhã há a primeira exibição desta viagem no DOC, pelas 20h45.


Viagem a Cabo Verde na competição oficial do DOCLISBOA 2010  / Culturgest dias 16 (às 20h45) e 21 de Outubro (às 19h).



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