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Youth – barulho – electrónico – less

Quase se chamaram Liquid Youth (referência aos Liquid Liquid e Sonic Youth), mas decidiram apostar em Youthless, por sugestão de uma amiga. Na semana em que actuam no Bacalhoeiro, em Lisboa, e dias depois do Coliseu dos Recreios, paramos o tempo e descobrimos Youthless, o duo mais internacional da música portuguesa (ou mais português da música internacional).

(Declaração de interesses: gosto de discos que sejam um todo, que não tenha que ouvir um segundo de silêncio entre as faixas. Os Youthless fazem isso no Ep de estreia, durante 15 minutos contam história com princípio, meio e fim).

Tracemos um plano geográfico, no mínimo inusitado, para que se perceba como tudo ocorreu. Alex Klimovitsky é norte-americano, com ascendência russa. Sebastiano Ferranti é inglês, com ascendência italiana. Os dois desembocaram, em dada altura das suas vidas, em Lisboa, conheceram-se no Instituto Espanhol. Confusos? (mais perdidos do que confusos, acredito…) Se sim, imaginem o resultado do encontro de diferentes sotaques e linguajares e transmitido através do português. No mínimo, hilariante (se bem, verdade seja dita, que apesar de tropeçarem recorrentemente no inglês – não é estranho, durante a conversa, ouvi-los a perguntar como se diz isto e aquilo -, falam um português muito aceitável para esta mescla de nacionalidades.

Alex e Sebastiano, tratemo-los assim, para facilitar as coisas, são a “internacional banda lisboeta” Youthless. Ainda no início deste mês partilharam o palco do Coliseu dos Recreios com os Horrors (alguém diz ao vocalista que aquele corte de cabelo já não se usa?) e com os Crystal Castles (a banda dos álbuns com o mesmo nome; senão atente-se: 2008 – “Crystal Castles”; 2010 – “Crystal Castles”; e já vamos com sorte de não levar com o mesmos temas nos dois álbuns…). O concerto foi promovido por uma marca de telemóveis, para comemorar a instalação da sua loja em Portugal. E os Youthless, arriscamos nós, não foram escolhidos ao acaso. Há algo de Horrors no grupo (não se preocupem, Alex e Ferranti, não é o cabelo!) e de Crystal Castles nas sonoridades (qual dos dois não se importa de ser a Alice Glass no próximo concerto?).

A estética sombria e barulhenta dos britânicos está lá; os sons aguerridos e electrónicos dos canadianos estão lá; mas Youthless é Youthless, que não restem dúvidas. Não é “Horrastles”. E muito menos “Crysorrs” (eles tiveram, aliás, grande problemas em descobrir um nome, como vamos ver daqui a pouco; estas eram duas boas sugestões! Não acham?)

“É um projecto electrónico sim, mas mais em disco do que ao vivo”, atira Alex em início de conversa, fazendo alusão ao EP “Telemachy”, lançado pela Optimus Discos o ano passado e o mote para uma série de concertos por todo o país. “Ao vivo fazemos tudo acústico, usamos um sintetizador e efeitos no baixo, mas de resto usamos a voz ao natural e objectos orgânicos”. É a reacção a uma notícia recente que dava conta da existência de beats e vozes processadas nos concertos. “Não é verdade”, atiram. Só prova que não viram bem o concerto ou então havia algum motivo de interesse maior na sala.

A “Odisseia” de Youthless

Recuemos ao período pré-Youthless. Muitos se recordam ainda dos sons do projecto “Three and a Quarter”. Pois, eram eles. “O projecto ainda não terminou (Three and a Quarter), o bicho está apenas a dormir”, revela Sebastiano. Mas agora Youthless marca uma viragem na sonoridade, é outra coisa. “É um conjunto de vários estilos musicais”, do noise à electrónica, “muito mais psicadélico”. Estilos e psicadelimos que encontram eco em “Telemachy”, o tal Ep lançado e que se ouve (literalmente) de um trago só. “Não é fácil segmentar as faixas. Digamos que é uma só faixa de 15 minutos”, alusão ao facto de não haver separação faixa a faixa (e isso é tão bom, tão bom!) “Quisemos com este disco que se ouvisse tudo de uma só vez. No fundo, é como aqueles desenhos animados de robots, em que que há ‘ bué’ robots, mas que se juntam a dada altura e fazem um robot maior”. É impossível não pensar no Power Rangers. E nos Transformers.

Mas o imaginário deles nao se centra apenas nesses desenhos animados de metal. Vai muito mais longe. Séculos e séculos atrás. “A inspiração para este Ep foram os quatro primeiros poemas da Odisseia. Foi baseado na história do Telemachus, filho do Ulisses. Nesses quatro primeiros poemas fala-se  da história do Telemachus á procura do pai, que está perdido. O filho tem que se formar num homem para ajudar o pai quando voltar”. É a história dentro da história. “Fizemos depois uma versão alternativa baseada em aspectos biográficos nossos e algumas coisas que nos foram acontecendo”, continuam, enquanto do outro lado da linha se ouve bater de pratos e palavras soltadas de boca cheia (adivinhamos que devem estar a almoçar, mas fora de horas!).

O trabalho foi gravado em tempo recorde, “fizemos a estrutura base em dez dias (antes da partida para Londres) e gravamos numa semana”, conta Alex, salientando, como não podia deixar de ser, a participação de Rory Bratwell, dos Test Icicles e dos (recentes) Kasms. “É alguém que estava no mesmo caminho que nós, uma mente super aberta e uma pessoa muito fácil de trabalhar. Sentimos que nos estavamos a divertir, apesar de estarmos a trabalhar”, relevam, destacando o impacto que a música de Bratwell teve no percurso musical dos dois. “Os projectos dele têm sempre muito energia, muito positivos, e adoro o novo projecto dele [Kasms], por exemplo”.

MGMT? Black Lips? Youthless!

Há quem os compare, por exemplo, aos MGMT do primeiro álbum de estúdio. Há quem aponte o noise pop/rock dos Wavves e Black Lips como presenças obrigatórias nas suas referências. Há quem prefira apontar atenções para o elemento dançável e compará-los (calma, calma…)… a Beth Dito e os Gossip ou a Karen O e os Yeah Yeah Yeahs (uff, estamos refeitos do susto!).

“Não somos particularmente isso nem são as nossas maiores influências. Nós começamos por ouvir grunge, nomes como os Nirvana, Pixies, Melvins… Sempre adoramos bandas de noise de Nova Iorque, ouvimos muito metal, como Black Sabath”, confessam, “tudo serve de influência para a nossa música”, continuam.

Mas ao ouvi-los é impossível nao imaginarmos o grupo ao vivo e, na mente, surge automaticamente a imagem de um clube londrino, estilo underground, escuro, com muito fumo, apinhado e barulho por todo o lado. “Já fizemos três tornées e tocamos mais em Londres do que em Portugal. Sentimo-nos muito confortáveis nesses espaços”. Mas em Portugal, admitem, é mais difícil encontrar um espaço em que se enquadrem. “Não queremos ser uma banda super mainstream mas em Portugal o underground não é muito grande, por isso é difícil para nós”.

Nos planos futuros, e para além de um albúm novo, Londres parece estar em primeiro lugar. No entanto, não é uma mudança pacífica, admitem. “É complicado, temos as nossas vidas cá, as nossas namoradas, as nossas tábuas de surf…”.

Youthless é isso, é música, sons desconexos, ligados, traiçoeiros, uma história contada em 15 minutos ininterruptos. Mas Youthless é ainda Lisboa, as namoradas e as ondas do mar português. Youtheless é passado, presente e, acima de tudo, o futuro da música.



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