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“Céu Nublado Com Boas Abertas” de Nuno Costa Santos

A literatura moderna portuguesa passa por aqui

A vida não é uma sequência lógica e encadeada de eventos, pelo menos não para quem os vive. Nesse aspecto “Céu Nublado Com Boas Abertas” (Quetzal, 2016) de Nuno Costa Santos não se contenta em ser mera ficção, quanto mais não seja por assumir mais do que um tipo de linguagem e posicionamento.

Mesmo que nenhum homem seja uma ilha, alguns são claramente penínsulas e assim é o autor neste romance de estreia, onde os acontecimentos não surgem, é o próprio personagem que se deixa flutuar entre eles de modo desencadeado, tendo como único foi condutor o Arquipélago dos Açores. Mais do que um romance, “Céu Nublado Com Boas Abertas” lê-se como um diário sentimental a 2 tempos, o do presente onde o autor é o personagem principal, e o do passado onde seguimos o seu avô, através da confusão e solidão da doença, um pouco à imagem de “De Profundis” de José Cardoso Pires.

Em qualquer dos casos, não sem algum pudor, o leitor encontra-se envolvido nos meandros psicológicos da vida interior dos Açores, tanto por intermédio da fraqueza humana como da sua força. Se à superfície a linguagem parece desplicente, esse facto apenas empresta realismo ao universo da obra, povoado por referências culturais endémicas da geração alternativa de 80, assim como de coloridas e inexplicáveis personagens que dão cor ao cizento da monotonia.

Nuno Costa Santos faz assim uma bem sucessida ponte entre o neo-realismo de Virgílio Ferreira e a escrita mais pop de um Rui Zink (menos o sarcasmo). Se a literatura moderna portuguesa tem esperança de fazer mais do que emular a anglo-saxónica ou ficar presa no passado cheio de mofo dos clássicos, ela passa por aqui.



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