“Colo”, de Teresa Villaverde

“Colo”, de Teresa Villaverde

Depois do fim virá o princípio.

“Colo” teve estreia mundial no Festival de Cinema de Berlim em 2017, abriu o IndieLisboa e recebeu o grande prémio  do festival suíço Bildrausch e passou por variadíssimos festivais um  pouco por todo o mundo. A estreia comercial em Portugal esteve agendada para Outubro desse mesmo ano, sendo agora certa para 15 de Março de 2018 – longa vai a espera mas valeu a pena pelo filme que Teresa Villaverde escreveu, produziu e realizou, sendo que este é a primeira obra em que é produtora de de si mesma.

“Colo” chega à tela do cinema num longo silêncio que despe o espectador, como se mostrasse as mãos despidas e nuas e convocasse a uma partilha maior que a vida, alheia a toda a lógica. É, aliás, longe dessa tão desejada lógica que o filme começa com um aparente fim e muitos fins e começos se desenrolarão ao longo do filme sem necessária sequência, como na vida. Esperar um desfecho ou uma explicação em circuito enclausurado é frustração em “Colo”, as suas imagens são sobre as vidas das pessoas e muitos alfas e ómegas explodem ou implodem na vida real sem que isso represente uma tragédia ou um drama sem fim. Haverá sempre o refúgio dos marinheiros, em última instância, lugar onírico onde o tempo não quer nem pode ser sujeito a medições.

O colo acrescenta, não diminui, nem sempre é pacífico

Sem música, quase só sentimentos e imagens, o novo filme de Teresa Villaverde sucede a “Cisne” no que toca a longas-metragens de ficção e apresenta-se como um tratado hiper real sobre a liberdade ou as várias formas que a liberdade ou a falta dela pode tomar, sob a forma de crise familiar em tempos de crise material no Portugal do século XXI.

São inúmeras as gaiolas criadas pelos seres humanos e esse paralelismo é introduzido aqui na transição do momento de intimidade entre Marta e o seu pássado e uma vista exterior lenta e contemplativa da vida familiar dentro das pequenas caixas de apartamentos. Existem vários tipos de gaiolas, armadilhas de conforto que mais não são que limitações iluminadas, aquecidas, enriquecidas pela ilusória luz artificial que é precisa para preencher necessidades mas a luz também gera sombras.

Simultaneamente, a visão exterior dos apartamentos não deixa de representar o macro cenário em que se movem outros compartimentos que se encontram dentro dos personagens e, sobre esses, nem sempre há acesso livre. Sobre isso, Marta parece querer resumir quando se confronta consigo mesma frente ao espelho e exclama “ Eu sou quem eu quiser!”, revolteando na língua um fragmento de espelho que grita na tentativa de reflectir nem que seja apenas uma parte do que igualmente revolteia no interior de Marta. A vida vista de dentro são só divisões sem luz e a luz que se apaga não é a da electricidade.

um tratado hiper real sobre a liberdade

Na visão dos personagens quase maiores de idade e assoberbados pela realidade, a vida surge como ela é, sem música, sem filtros mas deseja-se com todas as forças poder viver-se dentro de uma música, mesmo que seja só “Arabic Soul”, uma música de acordes e afinações sem outra finalidade que não a da libertação daquilo que não pode ser dito de outra forma. A amiga de Marta confia-lhe que a realidade é a pior coisa que existe mas dadas as circunstâncias está mais próxima da ficção do que aparenta.

cartaz_COLO

 

A liberdade num sopro, como quando Marta sopra o seu pássaro ou quando o pai de Marta lhe sopra a face, ambos tentando que nesse sopro de vida possa residir a tão simples resposta para todas as ansiedades e perguntas. “Um sopro e podes ir”, parecem ambos clamar sem voz, para se quedarem no mesmo sítio por muito tempo. Todas as personagens do filme fogem de casa, querendo escapar do exterior que as oprime mas fogem consigo dentro, acabando por voltar ao que sempre conheceram, uma espécie de pequena e necessária morte sem tragédia. A procura do conforto do colo fora do conhecido é a tentativa de adaptação ao caos instalado na normalidade da tríade familiar e faz-se de muitas formas, algumas violentas e vorazes, outras desesperadas, outras ainda inocentes. O colo acrescenta, não diminui, nem sempre é pacífico.

O ritual do eterno regresso ao local de conforto emocional remete para o protagonismo de Marta na santíssima trindade familiar, personagem ficcionada na realidade que não aceita, uma das poucas que pode ser nomeada, recebendo o seu pai com reverência e guardando para si em êxtase religioso o santo sudário, repleto de sofrimentos testemunhados apenas pela sua estrada de Damasco. A sua esposa sem nome lavar-lhe-á também as feridas, dando tréguas à guerra que não vê acontecer.

O fim? Dele não se avista nem uma fímbria, depois do fim virá o princípio.



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