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25 anos de magia

28 Óscares, seis Globos de Ouro, três Grammys e mais de 5 mil milhões de dólares depois, chega ao cinema "Cars 2" o 12º filme da Pixar. A história, os filmes e os realizadores. Tudo o que necessitam saber sobre o mais bem sucedido estúdio de animação do mundo.

Pixar. A palavra há muito que evoluiu e se transformou em significado de qualidade e originalidade inesgotável. A partir das origens mais humildes, de um simples, ingénuo e grandioso sonho de fazer filmes de animação diferentes, tendo sempre por base um amor à arte raro e ideias herdadas da Disney, este outrora pequeno estúdio conseguiu, em 25 anos, conquistar o mundo. 28 Óscares, seis Globos de Ouro, três Grammys e mais de 5 mil milhões de dólares depois, chega-nos o 12º filme da Pixar.

A estreia de “Cars 2” é, para qualquer fã do estúdio, um acontecimento grandioso. Para os restantes, é uma oportunidade de ver mais um sucesso estrondoso e um fenómeno de popularidade mundial. É também uma desculpa perfeita para dar a conhecer mais um pouco sobre a Pixar, desde as suas origens até ao momento que o estúdio mais criticamente aclamado de sempre vive. Este especial pretende dar a conhecer um pouco mais sobre a sua história e natureza, contribuindo, esperemos, para um maior interesse da parte do espectador comum em relação não só à Pixar, mas à própria animação, meio muitas vezes negligenciado e incompreendido. De referir, por último, que este especial teve a estimada colaboração de Ana Cardoso, fã particularmente devota da Pixar.

HISTÓRIA

SALA A113: ONDE TUDO COMEÇOU

Legenda da foto: Turma da CalArts de 1975, incluindo Lohn Lasseter e Brad Bird

A113. Dos muitos easter eggs da Pixar, este será, talvez, o mais significativo. Na realidade, a matrícula do carro da mãe do Andy nos filmes da saga “Toy Story”, o modelo da máquina fotográfica em “À Procura de Nemo” ou a directiva em “WALL·E”, é o número da sala do California Institute of the Arts (CalArts) por onde passaram vários dos criativos da Pixar. Dessa lista fazem parte John Lasseter, Pete Docter, Andrew Stanton, Brad Bird e Joe Ranft. No entanto, esta é uma história relativamente famosa. O que, provavelmente, não será tão conhecido é que, de certa maneira, as raízes da Pixar passam pelo próprio Walt Disney.

Nos anos 1950, o criador do rato mais famoso do mundo começou a preocupar-se com o seu legado. Para Walt Disney, o entretenimento não chegava, ele queria algo mais; assim, focou a sua atenção na educação. Desde a década de 30 que mantinha uma relação próxima com o Chouinard Art Institute em Los Angeles, onde os animadores podiam estudar gratuitamente se não tivessem meio de pagar as propinas. A fundadora da escola, Nelbert Murphy Chouinard, sofreu um enfarte no início da década de 50, tornando-se incapaz de gerir a escola pessoalmente e esta rapidamente caiu em declínio e dificuldades financeiras. Disney doou milhares de dólares à escola e, com a aprovação de Chouinard, entregou a gerência do instituto a uma equipa de executivos do estúdio.

Em 1961, o instituto fundiu-se com o Los Angeles Conservatory of Music e Walt Disney mudou o nome da sua nova escola para California Institute of the Arts. Disney ordenou a construção de um campus em Valencia, California, a cerca de 40 minutos de viagem de Hollywood. No entanto, Disney não chegaria a ver o seu sonho tornar-se realidade. CalArts foi inaugurado em Setembro de 1971, seis anos depois da sua morte. Uns meros quatro anos depois, em 1975, um jovem de 17 anos recebeu uma carta do CalArts a convidá-lo para se candidatar ao curso de Character Animation. Este curso tinha a duração de quatro anos e era leccionado por artistas veteranos da Disney. O objectivo era limar os novos talentos e recrutá-los para o estúdio. Esse jovem, John Lasseter, foi o segundo aluno a ser aceite e, enquanto se preparava para o início das aulas, tornou-se assistente pessoal de Jack Hannah, o realizador das clássicas curtas do Pato Donald.

Lasseter teve uma oferta de trabalho da parte da Disney no seu primeiro ano, mas optou por continuar na escola e terminar o curso, o que aconteceu em 1979. Quando terminou, juntou-se aos colegas Brad Bird e John Musker (futuro co-realizador de “The Little Mermaid” e “The Princess and the Frog”) na Disney, para trabalhar no filme “The Fox and the Hound”. No entanto, o entusiasmo do jovem Lasseter e dos seus colegas ia sendo lentamente abafado pelo pesado legado da companhia. Na altura, vivia-se sob o lema de “What would Walt do?”; porém, Walt Disney tinha morrido em 1966 e o estúdio parecia incapaz de seguir em frente. No seu segundo ano na Disney, inspirado por imagens do futuro filme “TRON”, Lasseter e o seu colega Glen Keane realizaram uma adaptação em forma de curta-metragem de “Where the Wild Things Are”, combinando animação tradicional com animação por computador (ainda rudimentar, na altura). Pouco tempo depois, Lasseter foi despedido devido às suas pressões relativamente à animação por computador.

Em 1984, John Lasseter juntou-se à equipa de animação por computador da Lucasfilm’s Industrial Light Magic, não tendo planeado ficar mais de um mês.

LUCASFILM

A Pixar (ainda como The Graphics Group) encontrou em George Lucas alguém genuinamente interessado e entusiasmado pelo desenvolvimento do potencial do computador no cinema mas também mais preocupado com a questão do hardware do que propriamente com a sua aplicação prática. Nasce então o Pixar Image Computer, criado especialmente para a Lucasfilm, que atrai muito interesse, especialmente da Disney Studios. Apesar da sua importância, a maior parte das vendas conseguidas destinam-se a agências do governo e algumas partes da indústria da medicina.

Ed Catmull, que trabalhara na Lucasfilm desde 1979, foi quem contratou John Lasseter, o que significava que o seu desejo e paixão por criar filmes de animação por computador se mantinham bem vivos, isto apesar de a sua função principal na empresa ser essencialmente o desenvolvimento de hardware, constantemente pressionado por Lucas. Mas ao trazer Lasseter, bem como Brad Bird e Loren Carpenter, tornava-se óbvio que estava muito mais embrenhado no sonho da animação. Para Lucas, no entanto, o que mais importava era o sucesso financeiro da sua empresa e não fazer filmes de animação. Frustrado com as escassas vendas do Pixar Image Computer, a pressão sobre Catmull e Lasseter para começarem a fazer dinheiro aumentava. O primeiro grande sucesso de ambos chega em 1982 na forma de “Star Trek II: The Wrath of Khan”, com influência directa numa cena em que um planeta inteiro é literalmente devorado. A Pixar começava finalmente a ganhar nome, nomeadamente na comunidade de efeitos especiais.

Dois anos depois, Catmull e Lasseter apresentam uma curta de dois minutos, “The Adventures of André and Wally B.”, na Siggraph, uma convenção gráfica de elite. Aplicando técnicas clássicas de animação da Disney, o filme maravilha tudo e todos, isto apesar da contínua descrença de Lucas, que considera o filme horrível. Na sequência de um divórcio dispendioso, a Lucasfilm, atravessando problemas financeiros e tendo em conta uma necessidade de equilibrar contas, ordena a venda da Pixar, deixando Catmull responsável por encontrar um comprador.

FUNDAÇÃO / STEVE JOBS

Legenda: Steve Jobs, Dick Cook e John Lasseter

É em 1986 que a Pixar propriamente dita nasce, com o seu logo tão característico a aparecer pela primeira vez em “Luxo Jr.”. Steve Jobs, que havia recentemente sido despedido da Apple Computers, estava à procura de um novo projecto. E a Pixar estava à procura de um novo “dono”. Jobs, procurando um projecto que rivalizasse com a Apple, compra a Pixar à Lucasfilm por cinco milhões de dólares e outros cinco adicionais investidos na empresa. Infelizmente, a Pixar teve em Jobs outro gestor sem interesse nenhum em animação, apenas obcecado pelo desenvolvimento de software.

A verdade é que, depois de “Luxo Jr.”, Lasseter e Catmull continuavam a criar filmes únicos e revolucionários para a sua época, como por exemplo “Red’s Dream”, que voltou a fascinar a Siggraph em 1987. As diferenças, contudo, mantinham-se, com Jobs preocupado e irritado com o facto de a empresa não fazer lucro. 1988 trouxe o primeiro grande sucesso da Pixar: “Tin Toy”, criado usando o software PhotoRealistic Renderman, revolucionário na altura, que essencialmente transformava os traços – neste caso de um bebé e de um conjunto de brinquedos – em animação foto-realista. “Tin Toy” conquistou o primeiro Óscar da história da Pixar, transformando-se por isso num marco da história da animação.

O sucesso desta quarta curta-metragem provava, pela primeira vez, que a animação por computador era uma forma de arte viável tanto artística como comercialmente. Jobs, apercebendo-se finalmente do potencial que tinha em mãos, começa a pressionar os animadores para fazerem mais filmes e anúncios publicitários, o que acaba por resultar na alienação de pessoas importantes dentro da família Pixar. O “reinado” de Jobs, entre 1986 e 1991, fica marcado por um ambiente degradante dentro da empresa, com a decisão de retirar as acções dos empregados, despedimentos em massa e pouco ou nenhum lucro. A Pixar parecia condenada à falência.

DISNEY

Sendo a Pixar uma espécie de “filho adoptivo” da Disney, não faria sentido que não fosse esta a salvá-la. A associação de ambos os estúdios era inevitável e algo que fazia todo o sentido, dada a influência de um no surgimento do outro. Com a Disney a seu lado, a Pixar floresceu finalmente, com a relação a trazer estabilidade e acima de tudo um ambiente em que os animadores pudessem trabalhar com vista à criação artística e não à venda de software.

A partir de 1991, a ideia da criação de uma longa-metragem deixou finalmente de parecer uma miragem. Depois de longas negociações, os dois estúdios chegam a acordo para o desenvolvimento, produção e distribuição de três longas-metragens, com a Disney responsável pelo financiamento e distribuição e a Pixar pela produção. Tudo o que a Pixar havia feito até então eram curtas-metragens; a própria animação por computador era um meio experimental e sem provas dadas, por isso era tudo muito embrionário e duvidoso, com a Disney a assegurar-se de que tinha controlo do argumento e espaço de manobra caso os filmes não fossem bem-sucedidos a nível da bilheteira. Depois de quatro anos de muitos anúncios publicitários, o primeiro filme da lista estava completo.

Chamou-se “Toy Story” e o resto é história. O filme não se limitou a salvar a Pixar; fê-lo sendo o campeão do box-office mundial de 1995 e tornando-se o primeiro filme de animação da história a ser nomeado para o Óscar de Melhor Argumento Original. O que “Toy Story” fez, na prática, para além de abrir caminho para outros dez filmes de sucesso astronómico, foi mostrar ao mundo que John Lasseter tinha razão, que ele era realmente um visionário: um filme de animação podia mesmo ser muito mais que uma forma rápida de divertimento infantil, centrando-se antes em personagens com comportamentos adultos, problemas e dúvidas adultas que passasse mensagens importantes, tudo isto sem esquecer o entretenimento.

“ZANGA” / AQUISIÇÃO

Depois de quatro anos de boas relações, consequência natural do sucesso de “Toy Story”, a produção de “Toy Story 2” causou desentendimentos e mau-estar entre a Pixar e a Disney. A primeira defendia que o filme, originalmente previsto como uma sequela a ser lançada directamente em formato vídeo mas que acabou por estrear nos cinemas, deveria contar como um dos três filmes consagrados no acordo entre os dois estúdios, opinião recusada pela Disney. A “zanga” prendia-se essencialmente com o facto de os lucros, nesta altura, serem distribuídos equitativamente, isto apesar de a Pixar produzir e criar os filmes de raiz, enquanto que a Disney se limitava a distribuí-los e promovê-los e, mesmo assim, detinha os direitos exclusivos das histórias e sequelas, gozando ainda de uma parcela de distribuição.

Depois de uma tentativa de acordo, em meados de 2004, em que a Pixar procurava a total separação entre produção e distribuição, salvaguardando os seus direitos a nível criativo e todos os lucros daí resultantes, pagando apenas os 15% relativos à distribuição, a situação agravou-se consideravelmente devido ao desentendimento entre Steve Jobs e Michael Eisner, director da Disney na altura. Depois da saída de Eisner da Disney e de longas negociações, a Disney anunciou, em Janeiro de 2006, a aquisição da Pixar por um valor astronómico de 7.4 mil milhões de dólares.

Esta transacção fez de Steve Jobs, detentor de 50.1% da Pixar, um dos homens mais ricos do mundo, ficando John Lasseter como chefe criativo da Pixar e da Walt Disney Animation Studios e mantendo-se Ed Catmull como presidente da Pixar e também da Walt Disney Studio Entertainment. Com estes dois a manterem-se em posições de chefia, certas condições foram incluídas no negócio com a finalidade de que a Pixar se mantivesse uma entidade à parte, incluindo questões relacionadas com a gestão interna e de recursos humanos da Pixar e, naturalmente, que o nome Pixar se mantivesse intocável, bem como a localização do estúdio (Emeryville, California). Para o fã anónimo, que não se podia preocupar menos com burocracia, a maior mudança foi mesmo a passagem de “Pixar” para “Disney • Pixar”, posta em prática a partir de Carros.

OS FILMES

“TOY STORY” (1995)

Se há filme imediatamente associado à palavra Pixar, esse filme é “Toy Story”. Sendo a primeira longa-metragem do estúdio, o filme que começou tudo, este tem e terá sempre um lugar muito especial nos corações tanto de fãs como de intervenientes. A história intemporal de Woody e Buzz Lightyear, originalmente concebida por John Lasseter como um especial de Natal de meia hora a ser exibido na TV, foi o primeiro filme da história a ser feito completamente em CGI, mas não há ninguém que não reconheça o carácter tremendamente humano destes brinquedos. O filme foi um sucesso fenomenal, facturando mais de $360 milhões em todo o mundo, a partir de um orçamento de apenas $30 milhões. Foi nomeado para três Óscares, incluindo Melhor Argumento Original. É, provavelmente, um dos filmes de animação mais influentes alguma vez feitos.

“VIDA DE INSECTO” (1998)

“Vida de Insecto” tinha uma das responsabilidades mais ingratas que se poderia imaginar: suceder a “Toy Story”. Haviam passado três anos e, com a pressão do público e crítica, bem como o surgimento da DreamWorks Animation, a expectativa era imensa para ver se a Pixar conseguiria criar um filme tão único como a da sua estreia. Com John Lasseter novamente no leme, desta vez com Andrew Stanton como co-realizador, as expectativas não foram defraudadas. O filme, escrito em conjunto por Lasseter, Stanton e Joe Ranft, essencialmente uma paródia a “The Ant and the Grasshopper”, de Esopo, sobre uma formiga excêntrica e inventora que tenta ajudar a sua colónia a sobreviver a um grupo de gafanhotos que se aproveitam da sua fragilidade, é essencialmente uma história de coragem e entreajuda, cuja mensagem se resume à importância do sacrifício e do trabalho de equipa. O filme maravilhou novamente em termos visuais; numa cena em particular, Lasseter e companhia animaram mais de 800 formigas numa única sequência.

“TOY STORY 2” (1999)

Originalmente previsto como um sequela de 60 minutos a ser lançada directamente em formato vídeo, decisão essa eventualmente revogada, e invariavelmente lembrado como o filme que despoletou a “zanga” entre a Pixar e a Disney, “Toy Story 2” teve um orçamento duas vezes superior ao primeiro filme, com um retorno proporcionalmente maior, na ordem dos $485 milhões. Terceiro filme consecutivo realizado por John Lasseter, desta vez com a ajuda de Ash Brannon e Lee Unkrich, esta sequela distinguiu-se por ser consideravelmente mais aventureira e pela introdução de novas personagens, como a cowgirl Jessie e o lendário Imperador Zurg. O filme deu uma sequência natural à história, focando-se de forma mais clara em Woody e nos seus conflitos como personagem e tocando em temas como o abandono e, como sempre, a amizade. Mantém-se tão adorado pelo mundo fora como o primeiro filme e como o único filme de animação a vencer um Globo de Ouro por Melhor Comédia. O seu final, quando visto com atenção, é um sinal óbvio de que uma segunda sequela seria feita um dia.

“MONSTROS & COMPANHIA” (2001)

“Monstros & Companhia” marcou a primeira vez em que um filme da Pixar não foi realizado por John Lasseter. Em 2001 o estúdio já gozava de um sucesso considerável, o que implicou uma necessidade de Lasseter se concentrar não apenas em realizar, mas também em gerir, tendo por isso que delegar tarefas. A de realizar esta quarta longa-metragem, que representou mais um êxito estrondoso para a Pixar, coube a Pete Docter, com a co-realização de David Silverman (nome incontornável de “Os Simpson“) e novamente de Lee Unkrich. Esta história tocante de uma cidade de monstros que temem as crianças humanas mais que tudo beneficiou em muito das vozes de John Goodman e Billy Crystal (que havia recusado o papel de Buzz Lightyear em “Toy Story”) e, especialmente, da pequena Mary Gibbs que, com dois anos de idade na altura, não conseguia andar, tendo a equipa que a seguir por todo o lado com microfones de forma a gravá-la enquanto brincava. Tal como Toy Story, o filme terá uma sequela depois de mais de uma década, agendada para o Natal de 2012.

“À PROCURA DE NEMO” (2003)

Considerado um dos dez maiores filmes de animação de sempre pelo AFI, em 2008, “À Procura de Nemo” mantém-se até hoje como o filme mais lucrativo da história da Pixar, com uma receita a nível mundial de mais de $860 milhões, tendo sido o segundo filme mais visto de 2003, apenas batido por “O Senhor dos Anéis: O Regresso do Rei”, e, desde 2006, o DVD mais vendido de sempre, com mais de 40 milhões de cópias. Realizado por Andrew Stanton (novamente com Lee Unkrich a seu lado) a partir de uma história originalmente sua, a história do peixe palhaço Marlin, que percorre oceanos à procura do seu filho, Nemo, na companhia da amnésica Dory, comoveu o mundo e encapsulou na perfeição tudo o que a Pixar sempre defendeu: um casamento perfeito de entretenimento e divertimento com a abordagem a temas muito mais complexos, neste caso o amor paternal e a dificuldade de um pai em deixar o filho viver e cometer os seus próprios erros. Foi o primeiro filme da Pixar a vencer o Óscar de Melhor Filme de Animação.

“OS INCRÍVEIS” (2004)

Filme marcante na história da Pixar por duas razões: foi a primeira colaboração de Brad Bird (que havia realizado “O Gigante de Ferro”, em 1999) com o estúdio, e também o primeiro filme produzido pela Pixar cujo protagonista era um ser humano. Talvez por essa razão seja por muitos considerado o filme mais atípico da história da Pixar, sendo particularmente violento (o primeiro com com uma rating PG nos E.U.A.), facto até então impensável. A verdade é que “Os Incríveis” foi mais um êxito universal (o sexto) tanto junto da crítica, com a conquista de dois Óscares, como do público. Uma história bastante pessoal para Bird, que escreveu e realizou sem colaboradores, o filme tem elementos claramente autobiográficos (um homem que se sente desmotivado e humilhado pela sociedade), mas também universais (uma família trabalhando em conjunto para um bem-comum). Para além disso, Bird recheia o filme com variadíssimas referências a super-heróis da DC e da Marvel, incluindo a cena sobre os perigos das capas, inspirada numa cena de “Watchmen”, de Alan Moore.

“CARROS” (2006)

Outro filme importante dentro da cronologia da história da Pixar, marcando o regresso de John Lasseter à realização (acompanhado por Joe Ranft) e representando o último filme produzido pela Pixar antes da aquisição da Disney, “Carros” é por muitos considerado o filme “menos bom” da Pixar, coincidindo com o facto de ser também o menos bem recebido por parte da crítica (basta dizer que é o único abaixo da barreira dos 90% (74) no Rotten Tomatoes). Também ao nível da bilheteira se nota esta queda, lucrando menos que os últimos quatro filmes lançados entre 1999 e 2004. Nada disto invalida, obviamente, o facto de “Carros” ser um filme tremendamente agradável e divertido, apesar de não ter personagens tão interessantes e fascinantes como havia sido norma até aqui. É também um dos dois únicos filmes da Pixar (sendo o outro “Vida de Insecto”) que não possui nenhuma personagem humana, e marca o último filme não-documental de Paul Newman.

“RATATOUILLE” (2007)

Mais um sucesso extraordinário a nível mundial, “Ratatouille” foi originalmente escrito por Jan Pinkava, realizador da curta oscarizada “Geri’s Game”, tendo trabalhado no filme entre 2001 e 2005, período em que desenvolveu grande parte do design, cenários e personagens. Apesar de se ter mantido como co-realizador, Pinkava foi eventualmente substituído pela Pixar, que escolheu Brad Bird para levar o projecto a bom porto. Foi Bird que rescreveu a história, dando ênfase às personagens de Skinner e Colette, alterando a aparência dos ratos e, eventualmente, fazendo do filme uma mistura de comédia física e algum drama contido. A grande façanha de “Ratatouille” é a forma como usa um rato como personagem principal e mesmo assim cria um laço tão forte entre ele e o público. Remy é uma das personagens mais memoráveis que a Pixar já criou e o facto de este ser um rato é uma conquista duplamente célebre. Depois, a comida e Paris são duas personagens em si só e na personagem de Anton Ego consegue vislumbrar-se uma subtil e irónica crítica aos críticos de cinema, passando a mensagem de que o que é criado do nada tem sempre mais valor do que qualquer crítica.

“WALL·E” (2008)

Segundo filme realizado por Andrew Stanton, “WALL·E” é frequentemente considerado o filme mais único e invulgar da história da Pixar, em muito devido ao seu carácter artístico e quase minimalista e mudo, sendo facilmente considerado um filme art-house antes de um filme de animação. Stanton, depois do oceano em “À Procura de Nemo”, consegue novamente o impensável ao criar um filme em grande parte situado no espaço e, quebrando uma barreira consideravelmente maior, ao fazer de um robot a sua personagem principal. A verdade é que “WALL·E”, ironicamente, é uma das personagens mais humanas da história do cinema, o que é uma contradição e ao mesmo tempo um feito memorável. WALL·E e EVE, ao contrário de todas as personagens não-humanas dos restantes filmes Pixar, não comunicam por palavras mas sim por linguagem corporal, expressões faciais e sons robóticos, criados por Ben Burtt, lendário engenheiro de som que trabalhou na trilogia Star Wars. Parte ficção científica, parte romance, parte comédia, parte conto caucionário, “WALL·E” é um dos mais belíssimos filmes da história não apenas da animação, mas do cinema.

“UP – ALTAMENTE!” (2009)

Primeiro filme da Pixar desenvolvido e lançado em formato de 3-D digital e nomeado para um Óscar de Melhor Filme, “Up – Altamente!” é, até à data, o segundo filme mais lucrativo do estúdio, tendo ultrapassado a barreira dos $700 milhões. Vencedor de dois Óscares, por Melhor Filme de Animação e Melhor Banda Sonora Original (um dos mais fabulosos trabalhos de Michael Giacchino), foi a segunda aventura de Pete Docter na realização a solo, sendo a palavra “aventura” duplamente apropriada pois “Up – Altamente!” é um filme que vive imenso do espírito de aventura e de um entusiasmo pela vida típica da infância, ou não fosse a história de um homem que ruma às profundezas inexploradas da América do Sul usando a sua casa como meio de transporte, suspensa por milhões de balões de hélio. Considerar “Up – Altamente!” o filme mais “humano” da Pixar poderá eventualmente ser algo subjectivo, mas dizer que é o mais emotivo talvez o seja em menor grau. Quando acaba, o que fica é uma necessidade sufocante de ir ter com alguém e dizer-lhe que gostamos dele/a.

“TOY STORY 3” (2010)

O que sempre fez desta saga algo único não apenas no panteão da animação, mas do cinema em si, foi uma inteligente e eficaz combinação da aventura e comédia, contra-balanceados pelo drama, e essa combinação nunca foi mais perfeita que em “Toy Story 3”. O filme é uma autêntica montanha russa de emoções, divertindo e entretendo durante mais de uma hora, mas esse divertimento é uma estrada em direcção à resolução da história, para o qual nada nos prepara. Tudo o que possam já ter lido sobre o quão emotivo o final é não faz justiça, por mais descritivo que possa ser, à forma como estas personagens se despedem de nós. Triste, sim, muito possivelmente indutor de lágrimas, sem dúvida, mas também inevitável, belo e poético na sua simplicidade, o desenlace de “Toy Story 3” é, em vários sentidos, o coroar de 24 anos de história da Pixar e, ao mesmo tempo, o epítome de tudo o que sempre significou: um misto genial de emoção, fantasia e imaginação pura e realidade sem enfeites.

OS REALIZADORES

JOHN LASSETER

Principal figura da Pixar e nome incontornável da animação, o futuro de John Lasseter começou a desenhar-se quando, em 1975, se inscreveu num novo curso de animação no CarlArts, onde teve como professores Eric Larson, Frank Thomas e Ollie Johnston, três dos primeiros animadores da Disney, e como colegas Brad Bird, Henry Selick e Tim Burton. Depois de uma passagem pela Walt Disney Company, Lasseter tornou-se um dos animadores da Walt Disney Feature Animation, altura em que começou a estudar e interessar-se pela possibilidade do aproveitamento do computador na animação, nomeadamente através do uso de fundos tridimensionais e do 3-D. Em 1986 Steve Jobs compra a Lucasfilm Computer Graphics, que se torna a Pixar. Lasseter torna-se produtor executivo e responsável pela supervisão de todos os seus filmes, para além de se manter como animador e realizador, fazendo quatro longas-metragens e sete curtas. Hoje é o director criativo tanto da Pixar como da Walt Disney Animation, bem o principal conselheiro criativo da Walt Disney Imagineering, o que na prática significa que gere dois dos maiores estúdios de produção do mundo.

ANDREW STANTON

Formado, como John Lasseter, no CalArts, Andrew Stanton é talvez, depois de Lasseter, a figura de maior relevo da história da Pixar. Parte integrante do estúdio desde o seu início, tendo sido o seu segundo animador e nono funcionário, Stanton esteve directamente envolvido nos onze filmes da Pixar até à data, ora como realizador, escritor, produtor ou mesmo actor. Para além de “À Procura de Nemo” e “WALL·E”, ambos realizados por si, “Toy Story” e “Vida de Insecto” partiram de histórias suas (e de Lasseter, Pete Docter e Joe Ranft), tendo também colaborado no argumento de “Monstros & Companhia” e produzido “Ratatouille” e “Up”. É, no entanto, por “À Procura de Nemo” e especialmente “WALL·E” que será lembrado, distinguindo-se no universo Pixar como uma figura profundamente imaginativa, como um criador de histórias que transbordam de emoção e ao mesmo tempo um visionário da animação, capaz de criar imagens de tirar a respiração. O seu próximo projecto chama-se “John Carter of Mars”, uma adaptação da clássica série de romances de Edgar Rice Burroughs (criador de “Tarzan”). Está previsto para 2012 e – surpresa – não será um filme de animação.

PETE DOCTER

Outra das figuras proeminentes da animação contemporânea que frequentaram o CalArts, Pete Docter, como criança introvertida e socialmente limitada que era, sempre revelou um fascínio especial por ilustração, florescendo depois num ambiente de educação específica, com algumas das suas curtas de estudante a receberem grande atenção. Depois de licenciado, Docter trabalha para a Disney e outras empresas, acabando por juntar-se à família Pixar aos 21 anos. É aqui que se distingue como um nome importante da animação, começando por trabalhar em “Toy Story” como animador e argumentista e em “Vida de Insecto” como artista de storyboard antes de co-realizar “Monstros & Companhia”, cuja história é da sua co-autoria. Em 2009, depois de vinte anos na Pixar, surge o momento mais alto da sua carreira, quando escreve e realiza “Up”, um dos filmes mais aclamados do estúdio e cujo protagonista, Carl Fredricksen, é baseado em si próprio.

BRAD BIRD

Colega e amigo de longa data de John Lasseter, Brad Bird distingue-se dentro do lote de realizadores da Pixar como o outsider, o elemento que chegou depois. Depois de um período como animador na Disney em filmes como “The Fox and the Hound” e “The Plague Dogs” e de oito anos em “Os Simpson“ como consultor executivo, Bird consegue finalmente realizar o seu primeiro filme. Lançado no Verão de 1999, “O Gigante de Ferro” comoveu o mundo e convenceu Lasseter ao ponto de, quando Bird “vendeu” a ideia de “Os Incríveis” à Pixar, a resposta ter sido um SIM categórico. O filme, marcadamente autobiográfico, foi um sucesso entre crítica e público, conquistando dois Óscares, por Melhor Filme de Animação e Melhor Edição de Som, e abrindo caminho para o próximo projecto de Bird, “Ratatouille”, que o consagraria novamente como um dos rostos da Pixar. À semelhança de Andrew Stanton, o seu futuro próximo não envolve a animação.

LEE UNKRICH

Dos cinco realizadores aqui descritos, Lee Unkrich é uma espécie de benjamim da Pixar. Vindo de um passado na edição, tanto em cinema como em TV, foi nessa qualidade que Unkrich se associou à Pixar pela primeira vez quando, em 1994, assinou um contrato temporário durante o qual trabalharia em “Toy Story”. O que começou como algo temporário tornou-se em algo definitivo, com Unkrich a aventurar-se na realização, co-realizando três filmes consecutivos (“Toy Story 2”, “Monstros & Companhia” e “À Procura de Nemo”). Sete anos depois, dezasseis depois de tudo ter começado, John Lasseter escolhe-o a dedo para realizar “Toy Story 3”.

Artigo “completo” originalmente publicado em http://www.ante-cinema.com

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