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Sufjan Stevens @ Coliseu dos Recreios

Bigger than life.

Sufjan Stevens mudou. Já não é o rapaz (homem, que ele já vai nos 35 anos) tímido de guitarra em riste e folk na alma. “Age of Adz”, seu último álbum, mudou isso. Sintetizadores, apoteoses, faixas que chegam a superar os vinte minutos. Sufjan ainda é Sufjan e ainda é genial, apenas de forma diferente.

O concerto que deu no Coliseu de Lisboa no passado dia 31 de Maio foi sinal disso mesmo. Ambição desmedida, uma festa de proporções épicas que teve direito a uma banda de oito membros (sem contar com as duas bailarinas), projecção vídeo, coreografias, confettis, balões, roupas fluorescentes e muito mais. Na transição de “Age of Adz” para o palco (do qual só não tocou três músicas), o músico encenou um concerto tão belo quanto arrebatador, tão apoteótico quanto festivo, tão divertido quanto sincero. Se a perfeição existe, então tivemos a honra de a presenciar. Numa epifania visual, sonora e emocional, Sufjan Stevens mostrou que pode ter mudado, mas o cerne continua o mesmo.

Antes da sua entrada em palco, assistiu-se a uma agradável primeira parte por DM Stith, músico da banda de Stevens, que com os seus loops e alguns dos membros da banda do nome principal da noite deu aos presentes canções íntimas e cativantes. Resultou, talvez, melhor quando começou e terminou a solo, sentado com os seus pedais de loops, que quando tinha trompetes e baterias (sim, o Sufjan Stevens tem dois bateristas) por trás de si. Ainda assim, foi sempre agradável ao longo dos cerca de 25 minutos que tocou, tendo entregue quatro canções a um público que pareceu conquistado.

Tocou pouco mas fê-lo bem, e após a sua saída foi ainda uma longa espera de meia-hora até à entrada de Sufjan num palco repleto de uma panóplia de instrumentos. Pouco passava das dez quando as luzes finalmente se apagam, e um Coliseu bem composto (muito mais que no Porto, parece) imediatamente grita e delira pelo homem que ali estava para ver. Os músicos entram, com o seu brilho fluorescente que as roupas e fitas na cara lhes davam, e imediatamente se fica com a noção do teor visual que o espectáculo iria ter. E quando Sufjan entra em palco com asas de anjo (para baixo, não abertas… ainda), essa impressão ainda mais forte fica.

A tela atrás (e todo o palco do Coliseu, já que, num belíssimo efeito, as projecções vídeo se alastravam por toda a fachada) começa a encher-se de estrelas que formam uma casa, e Sufjan começa a cantar a belíssima «Seven Swans», do disco com mesmo nome, acompanhado por uma banda suave e em perfeita harmonia. As bailarinas ao fundo do palco, também de asas, entregam backing vocals e uma calma coreografia de forma perfeita, e Sufjan canta na perfeição, com aquela voz calma e sussurrante que lhe conhecemos. A canção vai crescendo, subindo de tom. Entram as baterias, os trompetes, e subitamente estamos perante um arrepiante Sufjan Stevens fluorescente de asas abertas no meio de uma apoteose sonora. Arrepiante e de ficar com o queixo no chão, foi um início que acabaria por colocar a fasquia bem lá em cima; fasquia essa que não viria a descer ao longo das quase duas horas e meia de espectáculo. Ao meu lado oiço alguém dizer “Melhor opening de sempre”. Se não foi, bem perto esteve.

O que se seguiu foi um perfeito equilíbrio entre momentos absolutamente épicos e apoteóticos e momentos mais calmos e íntimos, em que o Sufjan do folk e da simplicidade espreita. «Too Much», que foi logo a segunda canção, foi festiva e mostrou logo aquilo que toda a noite viria a confirmar: se em disco “Age of Adz” é um belíssimo disco, ao vivo é absolutamente avassalador (a sorte que tivemos, em vê-lo nesta digressão). Sufjan dança ao mesmo tempo que as bailarinas atrás de si, em coreografias simples e divertidas, cantando de guitarra aos ombros na frente do palco, e todos os músicos fazem o seu trabalho na perfeição. Nota-se o tamanho da banda na forma complexa e perfeita como conseguem colocar em palco um disco todo ele tão pormenorizado e difícil; os arranjos estão perfeitos (tal como a acústica), sem qualquer tipo de falha.

Se «Too Much» é festiva, «Age of Adz» que se segue é indescritível. Dez minutos arrebatadores de uma onda sonora e sensorial incrível, que deixará marcas para quem a viveu. Aquele coro, aqueles trombones, aqueles efeitos… difícil de descrever. A projecção de vídeo ajuda a tornar tudo ainda mais envolvente, e o público canta em coro, tal como já antes tinha feito em «Too Much», mostrando estar bem familiarizado com o novo disco. Incrível, uma experiência que apenas pode ser explicada para quem lá esteve (como, aliás, o foi todo o concerto).

Vai falando antes de algumas músicas (e alguns irritantes membros do público não se calam e deixam ouvir…), explicando a sua génese e a de todo o novo disco. “É tudo muito melodramático, bipolar, hormonal e psicótico. Por isso peço desculpa! Para aligeirar o ar, vou tocar uma música folk”, diz a certa altura, antes de se atirar a «Enchanting Ghost», de “All Delighted People”, que foi uma mudança completa (mas bem-sucedida de tom). O músico de guitarra acústica, acompanhado apenas ao piano por DM Stith. Um momento bonito, calmo e que mostrou Sufjan na vertente pela qual ficou famoso. Momento íntimo, que ajudou a equilibrar um concerto que, mesmo com todo o seu espalhafato visual e sonoro, nunca caiu nem no ridículo nem no cliché. Sufjan sabe bem o que faz, e tem tudo pensado ao pormenor. Mais tarde toca «The Own and the Tangier», num novo momento íntimo, e volta a sentir-se que o homem simples com a sua guitarra ainda ali está. Apenas se apresenta numa forma diferente. “Somos todos gente das estrelas, vimos do pó e voltamos ao pó. Por isso, vamos falar de amor”, diz ele. E amor foi algo que não faltou.

O corpo principal, antes do encore, termina com a louca, surreal, inexplicável e perfeita «Impossible Soul», canção de 25 minutos que em palco se transforma numa mescla de estilos, num deslumbre tão visual quanto sonoro. Num momento temos Sufjan fluorescente, no seguinte temo-lo com um fato em forma de diamante que serve de bola-de-espelhos para todo o Coliseu (uma visão lindíssima), e de repente desaparece e quando volta a aparecer tem óculos, um fato de balões, e há confettis a cair. Num momento estamos no Carnaval do Rio de Janeiro (aquelas bailarinas…), no outro num concerto de rap. Celebração total, arrebatadora, over-the-top e rigorosamente genial. Sufjan a cantar em cima das colunas, tal como uma das suas bailarinas, perante um público eufórico. 25 minutos puramente inesquecíveis, sempre espantosos tanto a nível sensorial como sonoro. No final, termina sozinho, com a guitarra apenas, cantando o refrão. Agradece, sai do palco, e deixa-nos com aquela epifania que acabou de ser vivida.

Uma longa espera até ao seu regresso e quando o faz parece subitamente que estamos num concerto diferente: entra sozinho em palco, com roupas normais, e dirige-se ao piano para tocar a magnífica «Concerning The UFO Sighting Near Highland, Illinois», do genial e espantoso “Illinois” (ou, preferencialmente, “Illinoise”), o seu melhor disco até à data (e, diga-se, um dos discos da última década). A banda entra calmamente em palco após este grande momento, todos vestidos normalmente, e “Illionois” volta a soar com a lindíssima e comovente «Casimir Pulaski Day». Um dos melhores momentos da noite, talvez o mais comovente e emocional, com lágrimas e um coro calmo e dedicado do público. E o maior momento da noite (difícil dizer, dada a consistência de todo o espectáculo) viria logo a seguir, após mais agradecimentos (fomos o melhor público, diz ele) quando o épico festivo voltou a surgir, com a grandiosa «Chicago» (aqueles trompetes…), também de “Illinois”, a terminar o concerto com uma chuva de centenas de balões por todo o Coliseu. Membros da banda saem do palco e vão para o fosso atirar balões ao público, Sufjan (com uma máscara de macaco no topo da cabeça) acaba por fazer o mesmo, e por todo o lado se vê uma festa enorme. Não foi apenas festivo, épico ou intenso: foi, também, lindíssimo. A celebração de um concerto, de um músico, de toda uma noite que por aquela altura já tinha lugar assegurado na memória de todos os presentes. Melhor é, simplesmente, impossível. Atiram-se balões pelo ar com um sorriso na face e lágrimas nos olhos enquanto se canta a altos berros aquela letra que todos sabem tão bem, e vê-se toda a banda tão divertida quanto um público eufórico.

O concerto termina, Sufjan e a banda saem do palco com um sorriso do tamanho do mundo (nós com um sorriso ainda maior, possivelmente), e aquela que terá sido a noite da vida de muitos termina. Sufjan Stevens largou o folk, apostou no épico e no transcendente, e saíram todos a ganhar. Naquele que foi certamente um dos concertos mais singulares vistos por toda a plateia, o músico mostrou toda a sua genialidade não só enquanto músico, mas também enquanto artista conceptual que tenta (e consegue, tão, tão bem) criar realmente um espectáculo que transporta o espectador. Foi uma viagem sem igual; imaculada, intensa, profundamente arrebatadora em todos os sentidos e absolutamente inesquecível, incomparável e insuperável. Mais ninguém conseguiria fazer algo assim. Sufjan Stevens mudou, mas no cerne de tudo é o mesmo: sempre foi um génio, e a genialidade está agora maior que nunca. Uma noite que perdurará para sempre.



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