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Os filhos do rock

Há que violentar o sistema

Como é típico de todo o português, também sofro do complexo do “velho do restelo”, e até me orgulho um pouco disso, não falhando na hora de despreciar a produção nacional. Mas ao mesmo tempo, tento não perder nada que seja português, porque se há uma lição que o nosso país ainda não aprendeu é que o lixo importado não é melhor que o lixo nacional, talvez apenas um pouco mais apelativo. Dito isto, em Portugal existe, e sempre existiu produção cultural de qualidade, o que acontece é que é mais fácil detectar os defeitos no que é nosso.

“Os Filhos Do Rock” é mais uma serie de época da RTP, que conta a história duma banda (Os Barões) como veículo para retratar o boom do rock português. Logo aqui, marca pontos por ser única, e ainda que fosse uma serie medíocre, confesso que veria todos os episódios. Mas esse até nem é o caso, ainda que os personagens sejam algo “over the top”. O argumentista e o realizador certamente tiraram apontamentos do filme de Cameron Crowe “Quase Famosos” já que quase todas as personagens se comportam como se fossem “deuses dourados”. Admitidamente não me lembro, mas suspeito que Portugal em 1978 não tinha muitas semelhanças com a América do início de 1970. Se por um lado esta característica pode ser desmotivadora pela falta de veracidade, por outro contribui para alimentar o mito, e todos sabemos que no rock a verdade é secundária, e o mito é o barro a partir do qual se criam as lendas. Alguém se interessa que o Lemmy (Motorhead) tenha problemas derivados do consumo excessivo de álcool? O que interessa é que o homem é a encarnação do espírito do rock, e não o preço que se paga para isso acontecer. A verdade sofre-se no corpo, mas a lenda é forjada no espírito.

Não é só a personagem do João Pedro (João Tempera) que está exagerada, a do Xavier sofre do mesmo mal, se bem que no caso do Ivo Canelas, que o representa, isso aconteça de forma inspiradora, ao passo que o Pedro (Albano Jerónimo), demasiado caricaturado, parece um vilão dos desenhos animados dos anos 80. Existe também o problema dos enredos telenoveleiros que se desenrolam paralelamente à história principal, aproximando em determinados momentos a série ao universo da telenovela. Aqui o problema é sobretudo notório no facto do João Pedro ser um (excelente) ditador no seio da banda, mas um coração de manteiga na vida particular, uma dicotomia até agora não totalmente bem concretizada.

No entanto nada disto é sintomático duma série de qualidade inferior, são apenas arestas a ser limadas, e o que é importante, é acima de tudo o facto de esta série desbravar terreno para o que esperamos, venha a ser um hábito no nosso país. Existe definitivamente um potencial nos “Filhos Do Rock” que espero ver ser explorado nos episódios que restam, e que possa inspirar as novas gerações a redescobrir bandas e momentos que nunca deveriam ter caído no esquecimento. Talvez a série possa também dar o mote às editoras para reeditar vários discos que nunca deveriam ter desaparecido do mercado, e ao mesmo tempo as leve a apostar na música de produção nacional. Afinal, além de todos estes problemas, há míudas descascadas, cintos de ligas, coletes de ganga, garrafas vintage da sagres, excelente música e cameos de famosos com o Jorge Palma.

Convém não esquecer que seja em Portugal, ou no resto do mundo, se não é unânime que a década de 70 foi a melhor, deveria ser. E tão importante como tudo isso é o facto de “Os Barões” ser um dos melhores nomes que uma banda portuguesa poderia ter. Naturalmente também poderá haver aqui a questão da homossexualidade latente de qualquer fã  de rock, que é gostar de ver gajos gadelhudos a tocar em tronco nu. E a banda até não é má, podiam era partir umas merdas de vez em quando.



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