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Um Mundo Catita

A minha caralhada é cultura!

Entre dançarinas de arte contemporânea vanguardistas, uma possível relação amorosa entre Clara Sousa Dias e Tony Barracuda, prostitutas estudantes ou a sequela de Aniki-Bóbó por Manoel de Oliveira, de tudo se ouviu em casa de Manuel João Vieira. Numa animada conversa com Tiago Gomes, da revista Bíblia, que tinha como objectivo descortinar a série “Um Mundo Catita”, saiu-se apenas bem disposto e com uma certeza. Ainda não foi desta que conhecemos o verdadeiro Vieira.

A série, há pouco transmitida na RTP2, gira em torno do “Presidente” Vieira e dos alter-egos por si criados. Dividida em seis episódios, conta a história de um cantor boémio e falido que se apaixona pela sua dentista, que por sua vez está noiva de um jovem executivo bem sucedido com fetiches e níveis de integridade a roçarem o indesejado. Em torno deste enlace amoroso tudo acontece, desde a morte da Vitória (essa mesma, a águia do Benfica) à actuação de Vieira no Natal dos Hospitais, coagido pelo director do hospital e o facto deste ter em sua posse um comprometedor filme do Gimba que envolve… cavalos.

Realizada há mais de um ano, por Filipe Melo (músico e realizador de “I’ll See You In My Dreams”) e João Leitão, foi apenas comprada e transmitida no final de 2008 e logo num canal de pendor cultural; daí a expressão usada por Manuel João Vieira – “Caralhada é cultura”.

Na expectativa de percebermos as motivações que o levaram a realizar a série e como foi trabalhar com Vieira, abordámos Filipe Melo que elucidou de bom grado as nossas dúvidas.

RDB – Porque decidiram fazer uma série em torno do Manuel João Vieira e a “saga” Irmãos Catita?

Filipe Melo – Esta ideia surgiu naturalmente. Conhecemo-nos há alguns anos e o Vieira queria uma biografia ficcionada sua. Na altura eu aproveitei os tempos livres, juntei-me com o João Leitão e começou a escrita do argumento, que foi relativamente rápida, e iria ser filmada com menos meios. Foi crescendo e ficando mais rica, como uma sopa de pedra. Pareceu-nos algo divertido para se fazer e que merecia o nosso tempo e dedicação.

RDB – Eram fãs do Vieira e/ou os Catita?

Filipe Melo – Bem, fã não será propriamente o termo, mas tenho uma grande admiração pelo Vieira e pelo conceito dos Irmãos Catita e somos “colegas” desde os meus 17 anos, tendo colaborado em inúmeros projectos bizarros, alguns musicais, outros não. Une-nos uma grande amizade e uma série de ideais e conceitos de terrorismo cultural.

RDB – Lello Minsk e Manuel João Vieira são um só, ou existe mesmo uma persona Lelo Minsk? Quais as diferenças entre um e outro?

Filipe Melo – Existe uma diferença notória e muito bem arquitectada entre os diversos alter-egos do Vieira. Conheço-os mais ou menos a todos, mas acredito que poucas pessoas conhecerão o verdadeiro Manuel João Vieira, é um privilégio que tem de se merecer e que ele não concede a toda a gente! Suponho que deve ser confuso para ele gerir os personagens que cria, e só uma pessoa com o génio criativo dele o conseguiria fazer da forma que ele faz.

RDB – Todas as personagens da série existem? O Tony Barracuda e o Cornetto, por exemplo, são reais?

Filipe Melo – O que fizemos na escrita do argumento foi agarrar em situações e pessoas que são reais e retratá-las e exagerá-las. Essas pessoas existem, sim, e estiveram presentes na minha vida e na do João Leitão. O Tony Barracuda já existia. Foi inventado pelo Vieira e pelo Pedro Cavalheiro, mas os diálogos foram “roubados” a uma pessoa real que não é o Tony Barracuda, é alguém que conheço. O Cornetto foi baseado num amigo de escola que um dia me visitou ao fim de muitos anos; infelizmente a história real não é nada divertida… Enfim, a verdade por vezes é mais estranha do que a ficção, não é o que dizem?

RDB – Que dificuldades encontraste em realizar a série e conseguir que fosse transmitida na RTP2?

Filipe Melo – Na altura as dificuldades que encontrei pessoalmente foram em gerir uma carreira dupla – continuo a fazer da música a minha ocupação principal – conseguir dar conta do recado sem parar de tocar piano. Depois, como todos os que fazem filmes saberão, numa rodagem as coisas ficam sempre muito complicadas. É uma espécie de campo de batalha, há muitas cabeçadas e muitos problemas. A nossa única paga é saber que no final as pessoas gostam e se riem com a história. A RTP2, embora não tenha comprado a série pelo preço que ela custou, deu-nos as condições mais dignas e apostou no nosso bizarro produto televisivo que, com todas as suas falhas, é uma série cheia de amor.

RDB – Existiram entraves políticos? O lápis azul ainda existe na televisão do estado?

Filipe Melo – Não senti nada disso. Não houve qualquer tentativa de censura.

RDB – Foi complicado trabalhar com o Vieira?

Filipe Melo – Essa é uma pergunta que todos os meus amigos fizeram após a rodagem. Posso dizer com franqueza que, além de ter uma naturalidade e facilidade para representar, o Vieira é extremamente rigoroso, profissional e atencioso. É um prazer trabalhar com ele, acrescenta sempre algo a tudo aquilo que faz. Quando começou o projecto sabíamos que era muito importante que ele não falhasse, porque todo o investimento era no seu personagem. Posso agora concluir dizendo que o Vieira é bom em tudo aquilo que quer fazer.

RDB – A série tem 6 episódios. Conseguiram abordar tudo o que idealizaram, ou haverá uma série dois?

Filipe Melo – Não haverá uma série dois. O “Mundo Catita” foi pensado para ser de 6 episódios, e agora voltámos todos ao mundo real. Haverá, no entanto, um DVD com vários extras!

RDB – Como passas de músico a realizador?

Filipe Melo – Filmes e música são as coisas de que mais gosto, e as únicas que sou capaz de me imaginar a fazer com integridade e total dedicação. Se estou a fazer uma dessas coisas, estou bem.

RDB – É uma carreira a seguir?

Filipe Melo – Realização? Não creio. Estou agora afastado dos filmes já há 2 anos. A minha carreira, se existir, será como músico. Apareçam nos concertos e venham todos dizer olá no final.

A conversa entre Manuel João Vieira e Tiago Gomes pode ser ouvida na íntegra e sem censura na nossa galeria áudio. Deixamos um aviso à navegação: o que estão prestes a ouvir terá com toda a certeza linguagem explícita e possivelmente ofensiva.



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