Rodrigo Leão @ Milão

Os sentimentos milaneses hipnotizados pelas ondas sonoras de Rodrigo Leão.

À chegada ao Piccolo Teatro Studio (nunca antes por nós visitado), no passado dia 3 de Novembro,  descobrimos o primeiro protagonista da noite, o próprio teatro. A versão restaurada e moderna de um teatro popular medieval.

Dentro sente-se como que fechados num cilindro. Nas paredes “crescem” anéis em meia lua verticalmente sobrepostos, com os parapeitos feitos em finas barras de ferro, dando quase a sensação de olhar para corredores públicos de um edifício visto de fora e não de dentro. Em cada varanda, alguns bancos tipo “banco-de-balcão-de-café” que, quanto mais não seja graças a algum desconforto causado, estimulam a inibição do preconceito de “estar num teatro”. Efectivamente, muitos preferem assistir ao concerto de pé apoiados no parapeito como quem vê “a banda passar da janela da própria casa”. No andar térreo, completamente alcatifado, em vez de uma fileira de varandas, um mini anfiteatro com várias fileiras de lugares sentados. Entre a equipa de som e o palco, mais algumas fileiras de bancos compridos e, à frente desses, olhos nos olhos com os músicos no palco, algumas almofadas serviam o lugar dedicado aos mais ferrenhos fãs, musicalmente obcecados e surdos.

Por alguma destas razões, não hesitamos a precipitar-nos para elas onde, entre os únicos primeiros corajosos, se contam exclusivamente um japonês e uma senhora que toma conta de uma irrequieta, mas simpática, miudinha de cinco anos. O cenário é praticamente perfeito para o contexto sonoro que se seguirá. Pouco a pouco o teatro enche-se. O ambiente de meia-luz dissipa-se na escuridão cortada exclusivamente pela penumbra dos focos sobre os lugares dos músicos. Violoncelo, violino, acordeão, bateria, baixo, guitarra eléctrica, voz e sintetizador. Começa a música.

Os primeiros 4, 5 temas (instrumentais) surtem desde o logo o seu efeito. A música de Rodrigo Leão é daquelas que se coloca algures em nenhures. Entre a música clássica “clássica” e contemporânea, popular, semi-étnica (de raízes, naturalmente, um pouco portuguesas, mas também castelhanas, argentinas e balcânicas), um pouco swingada por vezes, não é imediato perceptível qual a postura auditiva a assumir. Mas talvez seja esse o objectivo sonoro de Rodrigo Leão. E o impacto sente-se de imediato. O público ostenta um entusiasmo livre mas não exaltado, curioso mas não exigente, apaixonado mas não histérico. Soltam-se os bravo e bravi, praticamente a cada cadência final. O grupo delicia a plateia, seja com os temas mais recentes do ultimo disco (entre os quais duas canções com Beth Gibbons) e do reportório mais antigo. A reacção do público e, por dedução, portanto, o efeito da audição colectiva da música de Rodrigo Leão, é precisamente a melhor definição do estilo musical do compositor Luso.

O seu estilo musical é algo livre e despreconceituado, ao mesmo tempo que interessante e rico de engenho criativo. Melodias com frequente sabor erudito (menos neste concerto), por vezes épicas e sentimentais, outras mais nostálgica ou introspectiva, outras ainda um pouco festivas e “dançarinas”. Ritmos quase sempre muito balanceados, leves. Arranjos instrumentais, em sequências harmónicas geralmente circulares, nos quais o músico (de certeza com grande prazer e divertimento) joga num dos mais interessantes e estimulantes elementos da composição: o contraponto (ou, numa definição simplista, a sobreposição “coerente” de várias vozes/instrumentos). E um delicioso entretenimento do pavilhão auditivo do ouvinte com “bravo”destacado para os arranjos escritos para as mulheres do grupo, a saber, a acordeão, o violino e a(s) voz(es). E por vozes o público foi mimado.

Depois de encantado com a variedade estilística do canto da portuguesa Ana Vieira (sem acrescentar que o conhecimento multi-linguístico impressiona já qualquer italiano) o público milanês contou com uma rápida, mas gostosa, passagem da cantora dos Portishead, que entoou dois temas de Leão e, cortejada pelo grupo, com um tema seu/Portishead. Ambas voltariam ao microfone, por mais de uma vez, mas no final houve tempo ainda para Celina da Piedade (até então acordeonista) se levantar e assumir o papel vocal cantando, para nós, na primeira noite fria deste Inverno, em Milão, mais uma vez as notas de «Pasión». A mais puramente inocente e apaixonada melodia e respectiva interpretação. Brava Celina, bravo Rodrigo, bravi tutti.



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