“UMA CASA DE BONECAS”
Quando a boneca abandona a fantasia pela busca da verdade.
O facto de este espetáculo ser apresentado numa sala estúdio faz com que o cenário se assemelhe ainda mais com uma casa de bonecas. Mas o significado deste texto do norueguês Henrik Ibsen vai para além da semiótica do dispositivo cénico. Está presente na iluminação, na sonoplastia e nos figurinos da autoria de José António Tenente, cujo vestido branco da protagonista remete para o vestido que Jennifer Grey usa como Baby na épica cena final do filme Dirty Dancing, de 1988. Baby é uma personagem inocente e jovem, com um pai abastado que nunca deixou que lhe faltasse nada, e que acaba por se revelar uma mulher determinada depois que conhece o não tão sortudo Johnny Castle (Patrick Swayze).
Confesso que tinha poucas expectativas ao facto de ter uma atriz tão nova como Madalena Almeida a interpretar Nora Helmer, uma mulher casada em finais do século XIX. No entanto, os primeiros minutos justificam esta escolha e já não imaginava outra atriz a interpretar a Nora do início, com um ar de menina jovem, habituada a tudo e com muita energia. Madalena concede-lhe um ritmo frenético, que por vezes oculta o lado mais sombrio desta personagem. Durante grande parte do espetáculo vêmo-la inundada de marcações, das quais ela se liberta no final. A evolução emocional da personagem está muito presente na corporalidade desta atriz, como que se fosse manipulada pela voz do seu colega de contracena José Mata, que aqui interpreta o marido de Nora. A escolha de José Mata para o papel é bastante estratégica. A figura de galã e a interpretação de homem apaixonado fazem pensar “O que fará uma mulher querer desistir de um homem assim?”. Porém, esta encenação toca precisamente nessa constante conquista da sociedade – o feminismo. E encenar à luz dos dogmas da época do texto é levar o espectador a reconhecer parte daquilo que se vem conquistando, a perceber que aquilo que era considerado um escândalo mudou mas, que ainda hoje, existem mulheres submetidas a privações impostas por uma sociedade castradora das suas liberdades.
O conceito de feminismo não se prende apenas ao sexo feminino, mas a toda uma luta pela igualdade entre indivíduos, independente do género, nacionalidade e etnia. Não existe aqui um óbvio male gaze sobre o assunto, mas o momento final da peça carece de mais atenção e tempo de cena. Não se deveria encarar como um processo maquinal do qual se possa pegar num texto datado e, simplesmente, trazê-lo aos nossos dias sem refletir sobre a temática com um pouco mais de sensibilidade.
Embora o ambiente seja dramático, esta casa de bonecas é um espaço convidativo, onde é partilhado com o público um enredo bem arquitetado e um talento inegável.
UMA CASA DE BONECAS
Teatro da Trindade
Sala estúdio
Em cena de 17 Junho a 31 Julho
QUA A DOM 19:00 M12
FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA
De Henrik Ibsen
Tradução Miguel Graça
Dramaturgia João de Brito e Miguel Graça
Encenação João de Brito
Com Bruno Bernardo, Diana Nicolau, Inês Ferreira da Silva, José Mata, Luís Lobão e Madalena Almeida
Cenografia Carla Martinez
Figurinos José António Tenente
Desenho de luz José Álvaro Correia
Música Tomás Alves
Fotografia e vídeo Diogo Simão
Assistência de encenação Inês Ferreira da Silva
Coprodução Teatro da Trindade INATEL e LAMA Teatro
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