O Céu da Língua @ Teatro Aberto (21.11.2024)
À chamada para esta viagem, não faltam Camões, Pessoa, O´Neill ou Caetano
Foi uma algazarra, um fuzuê, uma bagunça, um alvoroço, enfim…uma maravilha. Uma festa de palavras e da palavra. Foi muito isto o “Céu da Língua”, espetáculo que Gregório Duviver criou propositadamente para vir apresentar a Portugal. É uma ode às palavras, à língua portuguesa, mas sem pretensiosismos, sem rodeios, sem saudosismos, sem glorificações bacocas. É simplesmente pensar sobre as palavras, os seus significados, as suas múltiplas vidas, os seus enterros e desenterros. É brincar, como se as palavras fossem peças de lego soltas nas nossas línguas.
Duviver tem muitos talentos, é um cómico brilhante que retira a luz do seu brilhantismo exactamente dessa capacidade extraordinária de mexer com as palavras e com a língua, como um alquimista que mistura os elementos mais simples, daqueles de que nos servimos todos os dias, que estão ali mesmo à nossa frente, para criar qualquer coisa maravilhosa, transformada, quase mágica. Olhar para a realidade através das palavras, como se fossem (e são) poliedros com múltiplos lados, ângulos e reflexos, que são criadas por nós e ao mesmo tempo nos criam.
As palavras que contam as nossas histórias, não só porque nos usamos delas para isso mesmo, mas porque crescem connosco, aquelas palavras que ficam património de cada família, de cada filho de as ouvir contar, e de cada pai de as ouvir das boquinhas que as estão a aprender e que queremos proteger, para construir um dicionário só nosso, porque são o símbolo de um tempo que se esvai mais depressa que areia entre os dedos.
A ideia de que o macaco inventa a palavra para expressar algo que está nele, (em nós!) quando se apercebe do som da engrenagem do universo e se confronta com a ideia da sua própria finitude, a palavra como artifício para preencher o vazio do silêncio da percepção de que vamos todos morrer…” não adianta dançar”. É a conversa fiada que fazemos no elevador da existência, para não nos confrontarmos com a nossa própria insignificância, “o destino da viagem é todo o mesmo”. Parece profundo, e é profundo, e o brilhantismo de Gregório está em que tudo isto é também muito muito engraçado, e ele sabe-o, e sabe como nos contar isto tudo, com graça, e graça, não só de rir, mas graciosamente, com mestria.
À chamada para esta viagem, não faltam Camões, Pessoa, O´Neill ou Caetano, tropeçando nos sentidos que teceram nas teias de palavras com que nos construíram nas ferramentas que nos ofereceram para podermos descodificar os silêncios de elevador da vida, oferecem-nos, de mão beijada, outras palavras para podermos chamar os nomes às coisas, sem chamar os nomes às coisas.
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