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Os Outros de C.J. Tudor

Alice do outro lado do espelho

Mulher dos sete (ou mais) ofícios, a britânica C.J. Tudor, confessa admiradora de Stephen King, estrou-se em 2018 no mundo dos livros com O Homem de Giz. Cerca de um ano depois voltaria aos escaparates com Levaram Annie Thorne. Em ambas as narrativas, Tudor combinava uma trama bem elaborada com elevadas doses de suspense e camadas generosas de negrume.

E é sob essa mesma filosofia que a autora apresenta Os Outros (Planeta, 2020), um thriller escuro, denso e intenso, que traz à tona uma história que faz viver o maior terror que um pai e marido: perder a família.

O pai é Gabe, antigo copywriter e hoje um fantasma de alguém que já não é, uma figura errática que após essa tragédia desafia luto e destino. Tudo por não acreditar que Izzy, a sua filha de 5 anos, não está morta e foi raptada. Essa ideia ganha ainda mais força pois, no referido e fatídico dia, Gabe afiança ter visto a filha no carro de um desconhecido com que se cruzara na autoestrada, mas, infelizmente, nunca o conseguiu alcançar derrotado por um trânsito caótico.

Mas, Gabe não desiste. Mesmo depois de anos a perseguir um carro fantasma na autoestrada ao volante da sua autocaravana, a passar minutos, horas, em estações de serviço na companhia silenciosa de estranhos e solitários, recusa aceitar o veredicto da polícia que acompanhou o caso: a morte de Izzy.

Paralelamente, também Fran e a filha, Alice, já perderam muitas horas a amealhar quilómetros na autoestrada, para contrariar uma ameaça que se agiganta e é cada vez mais real. E a corrida promete não parar, pois Fran sabe o que aconteceu a Izzy, e quem o fez, e vê na fuga a única saída, mesmo que o cerco esteja a apertar.
 
Com capítulos curtos, à base de uma escrita simples e direta que envolve e agarra, e a resvalar para o sobrenatural, a trama evolui à boleia de uma mescla de momentos presentes e flashbacks que empurram o leitor para o abismo que une Gabe, Fran, Izzy e Alice.

Nos meandros da narrativa, somam-se episódios que levam a duvidar do esgotamento físico e emocional dos sogros de Gabe e avós de Alice, que dão a entender a direção da investigação policial que está encarregue de desvendar o estranho caso da família de Gabe, a bizarra relação deste com a moribunda Isabella, o perverso mundo da darkweb, a obsessão/medo de Alice por espelhos ou seixos, quem será o «Homem da Areia», ou a curta distância que separa uma vida aparentemente normal da insanidade. E dentro desse labiríntico puzzle de desconfianças e pesadelos, tanto protagonistas como personagens secundários, complementam-se, com Turner a colocar Katie e o samaritano numa posição charneira.     

De leitura compulsiva, Os Outros é o livro mais complexo, interessante e competente de C. J. Turner, uma história bem montada e contada, e naturalmente fluida, sublinhada com uma (boa) banda sonora, que nunca “descarrila”, mantendo-se coesa, da primeira à última página.  



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