“A Vida não é aqui” | Milan Kundera

“A Vida não é aqui” | Milan Kundera

Um poeta que nunca o foi

Neste romance de Milan Kundera, tudo parece partir de uma ideia política e social ao jeito de preconceito: ao aceitar viver numa sociedade pautada por regras e convenções, o artista – neste caso o poeta – arrisca seriamente trair a sua criatividade.

O herói de “A vida não é aqui” dá pelo nome de Jaromil, a quem muito cedo a mãe antevê um futuro brilhante, condenando-o à ideia de que se trata de um ser verdadeiramente excepcional e predestinado a algo de grandioso. Esta característica de protecção maternal, que ganha contornos de incesto platónico, serve de ponte a um paralelo que Kundera faz com outros poetas como Rimbaud ou Shelley, ponte que será cruzada por diversas vezes ao longo do romance.

Apesar de Kundera por vezes lhe querer emprestar algum charme, Jaromil é um rapaz de triste figura: falta-lhe alma, é incapaz de conviver socialmente, é inábil ou violento para com as mulheres, revela-se um delator cruel que acaba por trair uma ideia de liberdade que ele próprio tinha julgado construir.

Ao mesmo tempo que o apresenta como defensor de um regime totalitário e opressivo, Kundera nunca o consegue mostrar como um poeta de eleição – nem sabemos, aliás, se seria essa a sua intenção. As linhas que nos são dadas a ler são, ou de uma grande ingenuidade, ou de uma poesia comunista sem espaço para o sentimento; poesia essa que é o próprio reflexo de Jaromil – um ser sem força e com pouco carácter, condenado pelo lado materno a cumprir um destino que nunca terá sido o seu.

Complexo, cómico e bastante irónico, “A vida não é aqui” é um retrato Kunderiano de um artista enquanto jovem, por entre a ânsia – e também o medo – da fuga ao instinto maternal, o desejo de fazer parte de uma revolução que vire o mundo do avesso e o sublimar da ideia de que, em cada um de nós, habita uma centelha de génio.



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