Ciclo de Conferências por Mário Moura na Culturgest

A ideia de partida para cada uma das seis conferências de Mário Moura, que decorrerão entre Novembro de 2011 e Abril de 2012, a um ritmo mensal, é escolher um objecto, um livro, que permita, por sua vez, apontar para outros objectos, outros livros, mas também para exposições, filosofias, políticas, etc. As escolhas, longe de obedecerem a determinada ordem, cronológica ou temática, assentam num critério difuso: cada livro, na sua forma física, na maneira como decide ocupar as suas páginas, no modo como hierarquiza os seus conteúdos, ou como as suas imagens se relacionam com o seu texto, implica não apenas uma autoria, mas também uma forma de edição e uma forma de se relacionar com a realidade, com a sociedade, com a política ou com a história.

Sábado, 12 de Novembro

1.    On the Self-Reflexive Page, de Louis Lüthi (Roma Publications, 2010)

Este livro é uma antologia de páginas recolhidas em outros livros e seleccionadas por, de alguma maneira, chamarem a atenção para o seu lado concreto, material – o que desde logo nos levanta algumas questões: trata-se realmente de uma antologia ou de um catálogo? Foi feito para ser lido ou para ser visto? É, a seu modo, uma colecção ambígua de textos ou de imagens – ou talvez de textos que, através de uma selecção, se tornaram imagens, ao ilustrarem o ensaio que dá o nome ao livro e que toma como assunto páginas auto-reflexivas, páginas que sublinham o seu estatuto de página. São textos que assim são convocados como ilustrações de um outro texto, que se situa como um apêndice ao livro. Porém, ao separar-se essas páginas do texto de Louis Lüthi, elas tornam-se um ensaio visual único, uma montagem de páginas de origens muito diversas, formando uma espécie de livro-colagem. Este carácter incerto é um ponto de partida para falar das estratégias editoriais de certas publicações contemporâneas, que oscilam regularmente entre áreas disciplinares, usando formatos experimentais de edição, recorrendo a métodos de apropriação e reutilização de objectos (sejam eles textos, imagens ou referências), que mudam radicalmente através destes processos, e pondo em causa as hierarquias tradicionais entre texto e imagem, entre publicação e exposição, entre arte, design e literatura. A análise deste livro serve, assim, também de pretexto para introduzir e comentar as estratégias editoriais usadas em publicações como a Dot Dot Dot (onde o texto de Lüthi foi publicado), a F.R. David, que funciona editorialmente de um modo análogo a este livro, ou a exposição e o catálogo Extended Caption. Por outro lado, e tendo como ponto de partida os textos convocados, que incluem autores como Georges Perec, Lewis Carroll, Jonathan Safran Foer, Lawrence Sterne ou Mallarmé, é possível investigar os locais onde a edição actual encontra a sua filiação histórica.

Sábado, 17 de Dezembro

2. Pioneers of Modern Typography, de Herbert Spencer (Lund Humphries, 1969)

A importância deste livro talvez se possa avaliar por uma anedota do pós-punk, provavelmente apócrifa: em 1978, quando Peter Saville, então um jovem estudante de design, foi pedir emprego a Tony Wilson, o fundador da Factory, não levou um portfólio do seu próprio trabalho, mas uma cópia deste livro, roubada na biblioteca da escola, dizendo que, se fosse contratado, queria fazer trabalhos como aqueles. Muita da obra posterior de Saville não desmentiria esta primeira provocação, citando e roubando sempre que possível o design mostrado em Pioneers. Num certo sentido, a anedota resumia bem o espírito de uma época marcada pela apropriação, pela citação e pelo historicismo, época a que o crítico cultural Jon Savage viria a chamar “the age of plunder”, num ensaio com esse título, publicado na revista The Face (onde usava como exemplo as capas de discos de Saville).

Pioneers mostrava a história de uma maneira nova, dessacralizando-a e tornando-a acessível à apropriação. Os trabalhos apresentados, todos de designers modernistas, não são mostrados como documentos, isolados por uma margem branca, identificados claramente com uma legenda, mas como objectos vivos, quentes, sem fronteiras definidas à partida, confundindo-se com as suas legendas e com o próprio texto de Spencer. Não se tratava de reproduzir originais, mas de os reencenar através do uso de técnicas de impressão exóticas e tácteis, de diferentes papéis e de reenquadramentos ousados. A estratégia foi criticada na época por não mostrar o devido respeito pelos mestres, no fundo por não corresponder às convenções de reprodução de imagens num catálogo. A transgressão acabaria por se revelar produtiva, pelo menos no caso de Saville.

A partir deste exemplo, Mário Moura irá abordar o ideal modernista do “livro integrado”, onde a interacção estreita entre imagem e texto serve de suporte a uma nova forma de sociedade, um ideal que foi posto em prática em livros de László Moholy-Nagy, como The New Vision e Vision in Motion, nos guias de viagem concebidos por Chris Marker, ou nos atlas de Herbert Bayer.

Mário Moura é crítico de design. Escreve regularmente para jornais, revistas e antologias. Mantém o blogue ressabiator.wordpress.com desde 2004. Publicou o livro Design em Tempos de Crise, editado pela Braço de Ferro em 2009. Lecciona cadeiras de tipografia, história do design e autoria no design nas Faculdades de Belas-Artes das Universidades do Porto e de Lisboa.



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