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As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant

A alta sociedade num T0 na Brandoa. Em cena na sala estúdio do Teatro D.Maria II.

Ao entrarmos na Sala Estúdio do Teatro Nacional D. Maria II deparamo-nos com um bloco de madeira em cena. Percebemos que é articulado, que dali irá surgir o cenário. Ficamos curiosos… aos poucos, Marlène | Diana Costa e Silva, assistente de Petra Von Kant | Custódia Gallego, vai desmontando o puzzle que é aquele bloco de madeira. Surge uma cama, um estirador, um armário, uma mesa, um banco… e o cenário fica com ar de T0, de uma habitação social algures para os lados da Brandoa, feio e acanhado. As actrizes tropeçam, dão encontrões nos adereços, limitam-se a um espaço mínimo de representação. Poderia funcionar para criar alguma tensão dramática mas… O cenário de Luísa Bebiano em nada retrata o ambiente de alta sociedade em que Petra Von Kant se movimenta (ou deveria movimentar). A originalidade e surpresa inicial do desmembramento do cenário perdem-se a partir do momento em que deixa de servir o espectáculo e passa verdadeiramente a toldá-lo. Na verdade, toda a componente plástica do espectáculo é má. Os figurinos de José António Tenente, em cetins, lantejoulas e transparências, são de um mau gosto indescritível e nada ajudam a elevar o nível social em que as personagens se movimentam (ou, repito, deveriam movimentar-se). As perucas também não ajudam… Passamos da Brandoa para a Damaia. Ninguém acredita que o confronto entre Petra e Karin | Inês Castel-Branco possa também passar por um conflito de classes, uma metáfora para um debate entre a velha e nova Alemanha.

A encenação de António Ferreira nada acrescenta a este texto. Na verdade não teria de o fazer, se se tivesse dedicado a uma boa direcção de actores. Às vezes, bons textos pedem apenas isso, que sejam bem dirigidos e bem interpretados. Sem subterfúgios. Mas ao ver este trabalho duvidamos que o tenha feito. E duvidamos que tenha percebido a peça. Nada na sua encenação é original, limitando-se a organizar entradas e saídas de cena. É penoso ver como as actrizes lutam com o cenário e o encenador a isso as submete. Justiça seja feita a Diana Costa e Silva cuja personagem sombria se movimenta silenciosamente em redor daquele espaço (se calhar teve a sorte de não ter de pular sobre a cama ou entrar para a zona da kitchenet).

E no meio deste desastre queremos que as actrizes salvem o espectáculo. Mas também não o fazem. C. Gallego não nos transmite a classe, a frieza, a arrogância e o drama que a personagem requer, mais preocupada em encontrar a piada e o gag fácil (aliás a sua personagem é digna de qualquer bêbeda numa tasca de Alfama). Inês Castel-Branco passa quase despercebida, nem fascinada pela figura de Petra, nem oportunista, nem anarca. Apenas desfila pelo palco. Sidónia | Paula Mora, amiga de Petra também não ajuda a compor o ramalhete. Os figurinos que a enchoiriçam em cetins brilhantes transformam a sua personagem numa mulher vulgar (quase que sentimos, na cena em que apresenta Karin a Petra, que se trata da dona de um bordel a apresentar uma menina a uma cliente). Cláudia Carvalho | Gabriela Von Kant, filha de Petra, apresenta-se num figurino (uma vez mais o figurino!) tão pouco credível para uma filha adolescente, que qualquer esforço de representação que possa fazer é inválido. Resta Diana Costa e Silva, que compõe uma Marlene tensa, masoquista, subserviente, credível e até memorável e Isabel Ruth | Valéria Von Kant, mãe de Petra, cujo porte aristocrático nos transporta finalmente para um ambiente de alta sociedade, arrogante e preconceituoso que esperámos encontrar desde o início da peça (ainda que as botas e lenço leopardo me tenham arrepiado).

É francamente um mau espectáculo. E tendo em conta toda a polémica que rodeou este espectáculo e as trocas de palavras entre um suposto encenador afastado do projecto e o Director do Teatro Nacional, esperávamos encontrar um espectáculo brilhante, que fosse uma chapada de luva branca a todos os que se manifestaram contra a substituição. Mas o Director perdeu ao defender um encenador que transformou uma peça magnífica num momento de teatro constrangedor. Não sei se a outra versão seria melhor. Mas esta, sabemos que é má!

SALA ESTÚDIO
15 DE SET A 06 DE NOV 2011

de Rainer Werner Fassbinder
a partir da tradução de Yvette Centeno
encenação António Ferreira
cenografia Luísa Bebiano
figurinos José António Tenente
desenho de luz José Carlos Gomes
sonoplastia Baltazar Gallego
desenho de maquilhagem Nuxa Araújo
desenho de cabelos Carlos Gago
interpretação Cláudia Carvalho, Custódia Gallego, Diana Costa e Silva, Inês Castel-Branco, Isabel Ruth e Paula Mora
coprodução TNDM II e ACE / Teatro do Bolhão

Fotografia de Rui Freitas



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