BLACKBIRD
Culpa, abuso, ou algo sobre o amor.
Tiago Guedes encena “Blackbird” de David Harrower, autor escocês que cedo obteve um enorme sucesso nos principais palcos europeus com a sua primeira peça F”acas nas Galinhas”. “Blackbird” foi produzida para o Festival Internacional de Edimburgo, havendo outras apresentações um pouco por todo o país, em Londres e em Kensington.
O local é uma sala onde os trabalhadores de uma industria farmacêutica tomam café e refeições. Cacifos, caixas, sacos, lixo, restos de batatas fritas e de sanduíches encontram-se espalhados por todo o lado. Ray, de 56 anos, é o responsável por esses trabalhadores e no que parecia ser um dia igual a tantos outros, é surpreendido pela visita de Una, uma jovem e linda mulher de apenas 27 anos.
O silêncio dos dois e o olhar atónito de Ray diz-nos que aquela mulher por algum motivo não é bem-vinda, nem é suposto estarem alí os dois juntos. O diálogo entre os dois desenrola-se ao mesmo tempo que Ray vigia constantemente a porta. Una tem a jovialidade e a insolência de 27 anos, Ray a discrição e a tolerância de 56 anos.
Una provoca-o e obriga-o a regressar 15 anos até ao momento em que Ray falou com Una pela primeira vez, num churrasco entre vizinhos, e o que começou por ser uma educada e simpática troca de palavras entre um homem e uma criança, tornar-se-ia na maior transformação das suas vidas. Una tinha apenas 12 anos e Ray 41.
As emoções despertam e já pouco importa que alguém alí entre. Após 15 anos as personagens daquela estória estão mais vivas e disponíveis que nunca para enfrentar a culpa, a raiva e todas as emoções que tiverem de sentir.
“Eras a filha do vizinho que estava zangada com o Mundo nesse dia.”
“Sabias o que querias. Sabias mais de amor que ela e que eu. Tu surpreendeste-me. Fizeste-me rir.”
O diálogo crú e exasperado daqueles corpos reprimidos, faz com que o confronto entre os dois nos agarre e nos fixe à palavra e ao mundo interior de cada um deles, numa potenciação genial da trama que ao aproximar-se do fim faz-nos querer ver mais, e saber mais.
“Deixaste-me sozinha, a sangrar. Deixaste-me.”
“Nunca tive outro desejo. Não sou como os outros.”
“Blackbird” faz-nos questionar sobre a pertinência de julgar ou tentar qualificar determinados comportamentos humanos. Faz-nos questionar sobre a culpa e sobre os limites do amor, do ódio e do abuso, onde acabam e onde começam. Estarão assim tão próximos?
De David Harrower
Tradução e encenação: Tiago Guedes
Elenco: Constança Rosado, Filipa Rebelo, Isabel Abreu, Margarida Lopes, Miguel Guilherme
Cenário e figurinos: Joana Rosa
Desenho de luz: Nuno Meira
TNDMII, Sala Estúdio, de 14 de Janeiro a 21 de Fevereiro de 2010
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