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Fora-de-Jogo

Uma perigosa subversão.

Li há pouco tempo um texto de um crítico que se arrependia de ter considerado “Fora-de-Jogo” demasiado manso para com o regime iraniano quando o viu pela primeira vez (o filme data de 2006), especialmente tendo em conta o que Jafar Panahi, realizador do filme, tem vindo a sofrer nos últimos tempos: foi condenado a seis de prisão e proibido de filmar, sair do Irão e dar entrevistas por um período de vinte anos. Tenho pena de não achar a dita crítica, nem saber de quem é (se alguém souber, deixe a informação nos comentários); quando vi o filme no IndieLisboa em 2007, salvo erro, tive a sensação inversa: como é que um país com leis tão rígidas e tão pouco dado a liberdades de qualquer espécie deixava que um filme destes circulasse por aí? Se é verdade que “Fora-de-Jogo” não encerra uma crítica especialmente virulenta ao regime dos ayatollahs, é contundente na sua simplicidade e, especialmente, na sua essência, na sua maneira de ser cinema.

No dia do jogo entre Irão e o Bahrein, que irá qualificar uma das duas selecções para o Mundial da Alemanha, algumas mulheres (impedidas de entrar num estádio de futebol) mascaram-se de homens e tentam arranjar maneira de ver o jogo ao vivo, sendo interceptadas e temporariamente aprisionadas por soldados provincianos e enfastiados. Quase todo o filme se passa fora de cena, de fora desse jogo, do qual só se ouvem as reacções dos adeptos e se vêem umas imagens de esguelha (que, ao que se sabe, Panahi filmou à socapa), concentrando-se nesse grupo que se forma por acidente, como numa peça teatral em que a acção principal aparentemente decorre noutro lado.

As pequenas violências, as pequenas autocracias, as incoerências, as falácias do Irão, vão sendo encenadas com uma enganadora doçura por um grupo de actores não-profissionais, levados pela câmara subtil e inteligente (não só a câmara como toda a estrutura do filme é muito inteligente) de Panahi. Ou, dito de outra maneira, como de um pequeno incidente se retira toda uma oposição: neste filme, as mulheres são fortes e lutam pelo que querem (as fugas, os disfarces) e os homens são fracos e deixam-se levar facilmente (talvez por isso tenham tanto medo de alargar a rédea), mas são eles que retêm o poder, que, quanto mais é posto em causa, mais se fila às suas incongruências. E a visão do xador a cobrir o rosto de uma daquelas raparigas é mais terrível do que litros de sangue. Porque é a suprema humilhação.

Talvez para acalmar a censura, Panahi deixa o espectador com o hino do Irão, no meio das celebrações da passagem do país ao Mundial. Talvez tenha sido isso que o crítico mencionado no primeiro parágrafo não gostou (penso que foi). Esqueceu-se, porventura, do que ficou para trás: o simples acto que questionar uma lei injusta pode ser o motor da revolução, uma coisa muito perigosa. Por isso, por o cinema ser um dos últimos espaços de liberdade, o regime apertou o cerco aos cineastas desde a Revolução Verde de 2009. Este filme já não seria possível agora.

Mesmo que por tristes razões (a atenção mediática que a recente desgraça de Panahi gerou), saúda-se a estreia em sala deste filme, assim como a de “Isto Não é Um Filme”, também alvo de crítica na Rua de Baixo. Mais do que antes, são verdadeiros filmes políticos. No entanto, que isso não faça esquecer o muito cinema que há neles.



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