Terry Hayes

“O Ano do Gafanhoto” de Terry Hayes

O meu nome é Ridley, Kane Ridley.

No final de 2015, ano de publicação de Peregrino, de Terry Hayes, ficou um amargo de boca depois de ler as últimas páginas da referida obra, pois, quem gosta de um bom livro, no caso um thriller avassalador, quer sempre mais e era natural o sentimento de orfandade em relação à escrita do britânico ex-jornalista de investigação, correspondente político, colunista e argumentista de vários filmes aplaudidos pelas massas cinéfilas.   

E eis que, nove (!) anos depois, surge o muito aguardado O Ano do Gafanhoto (Topseller, 2024), e as expectativas estão ao rubro. Consegui Hayes, entretanto residente em Lisboa, agraciar os fãs com mais um (grande) livro? A resposta é sim!

Falamos, portanto, de um thriller de contornos épicos, onde a espionagem é rainha, havendo também espaço para mesclar sentimentos de dever, ira, sacrifício, vingança, fé, perdão, perda e, acima de tudo, amor àquilo em que se acredita e em prol da Humanidade, assumindo o protagonista o papel de um “cavaleiro da tempestade” com a tarefa hercúlea de salvar o mundo caído na escuridão total do extremismo e fanatismo religioso. 

Assim, ao longo de quase 700 páginas, divididas em quatro partes, o leitor é convidado a entrar num alucinante mundo de ação que, brilhantemente, garante uma sensação imersiva num universo onde a tecnologia militar está ao serviço tanto do radicalismo como de quem nos quer salvar de um cruel destino. 

Vivem-se os ecos do 11 de setembro e o planeta está em suspenso numa espécie de “Era do Pânico”, como também sublinha Kane, um espião da CIA que é uma lenda anónima nas chamadas Áreas de Acesso Restrito e especialista em fazer missões “limpas”, sem deixar rasto, tarefa que, no entanto, é ainda mais complicada quando tem de se explorar as perigosas fronteiras entre Paquistão, Afeganistão e Irão, onde a violência é o meio, e fim, para sobreviver. 

No entanto, são poucos os obstáculos que atemorizam Kane, um viajante solitário, que, em jovem, foi forçado a seguir uma carreira na CIA quando foi expulso da Marinha. Além de uma coragem ímpar, Kane confessa que a sua vida secreta é como “viajar através de um mar de velas”, tentando sempre concentrar-se na luz, ainda que, por vezes, seja tão ténue que coloque em causa todo o sucesso e fé naquilo em que se acredita ou tem como missão, nem que para tal tenha de confiar nas suas visões proféticas e na sua intuição, algo tão importante e decisivo quanto o treino militar. Com a conhecida capacidade de construir uma narrativa que nos habituou em  Peregrino, Hayes oferece um enredo sinónimo de uma busca constante, levando Kane até aos confins do mundo, e de volta, para salvar a Humanidade de uma pessoa que conquistou o seu lugar no “panteão do terrorismo”.

A história, que inicialmente é uma espécie de tour de force que “obriga” o leitor a adaptar-se a uma escrita repleta de pormenores táticos, tão próprios de um espião, rapidamente evoluiu para uma narrativa em velocidade de cruzeiro e que é partilhada do ponto de vista de um Kane completamente embrenhado na sua demanda, onde são mais ou menos subtis as referências bíblicas (não é de todo inocente o imaginário da Praga de Gafanhotos e “Kane”, ou “Caim”, ser um nome bíblico e uma referência ao Génesis).  

Por outro lado, Hayes faz um retrato profundo ao modus operandi da CIA e da Agência de Segurança Nacional, especialmente quando Kane se prepara para cada etapa da sua viagem. Os cenários são envolventes e os pormenores históricos notáveis. Do Afeganistão ao Paquistão, de Washington aos recantos negros e profundos da Rússia, e a tantos outros lugares, cada paisagem por onde Kane viaja é descrita com um rico pormenor geográfico e com histórias de fundo convincentes que contextualizam as culturas e os valores de cada região, e, acima de tudo, o pior inimigo que já enfrentou de seu nome Kazinsky, aquele que provoca o uivo dos lobos.

Compreender as nuances dos lugares e os seus contextos culturais torna a busca de Kane mais complicada e as suas escolhas mais difíceis. Estes elementos, juntamente com um enorme elenco de personagens secundárias, com destaque para a sua esposa, Rebecca (também um nome bíblico), e Falcão, o maior aliado de Kane e nome forte da conjuntura da espionagem norte-americana, conferem a este livro um estilo consistente, impressionante e “musculado”.

Caro leitor, tem nas suas mãos, assumidamente, uma tarefa exigente. Às centenas de páginas, juntam-se temas difíceis, assustadores pela verosimilhança e possibilidade de se tornarem reais (muito à imagem das aventuras preditivas/proféticas de Gabriel Allon, pelas mãos do seu criador Daniel Silva), e carregadas de suspense e violência, algo que, acreditamos, ser tudo aquilo que os leitores de Terry Hayes esperam. Com uma pequena ressalva (e reserva) para o derradeiro capítulo que passa para o território da ficção científica, e que, alerta spoiler, pode confundir alguns leitores, ainda que sejam mais duzentas páginas de um bom enredo e de cortar a respiração.

Mas, tal como diz Kane numa das passagens do livro, “mais importante do que o ponto de partida e de chegada, é a viagem em si”, e isso está assegurado por mais um excelente livro de Hayes.



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