25º Festroia
As bodas de prata de um dos mais antigos festivais de cinema nacionais.
O Festroia deste ano comemorava uma data especial – afinal de contas, vinte cinco anos é uma daquelas datas especiais que merecem uma comemoração diferente, uma efémeride que se quer de certa forma memorável. E não se pode dizer que não tenha sido especial. Passemos a enumerar alguns factores: uma sala oficial nova, em substituição do velhinho fórum municipal Luís Todi, que sofre actualmente obras de requalificação – uma tenda gigante instalada em frente ao Convento de Jesus, ex-libris setubalense e do estilo manuelino; Michael Madsen em carne e osso para receber o Golfinho de Ouro para a sua carreira; um novo prémio, com o nome do seu fundador, Mário Ventura, para distinguir o melhor argumento de curta-metragem; e, claro, dezenas e dezenas de filmes, nas mais variadas secções e muitos convidados especiais. Ao fim ao cabo, estamos a falar de um dos mais antigos festivais portugueses (o terceiro, para ser mais exacto) e o mais internacional deles todos (só em prémios internacionais são três, o Signis, o Cicae e o Fipresci).
Para além da maioria dos realizadores com obras presentes em competição, passaram pela passadeira vermelha do Festroia este ano vários nomes famosos da sétima arte, desde os mais velhos aos mais novos, dos estrangeiros aos portugueses. Esteve, por exemplo, Fernando Luís, a integrar o juri oficial, assim como esteve Juraj Jakubisko (o Fellini eslovaco) ou Paul Morrison. Esteve ainda Jirí Menzel, um dos grandes mestres do cinema checo (curiosamente na mesma semana em que Milos Forman, o outro vulto da sétima arte da República Checa, esteve a ser homenageado em Portugal), a apresentar uma reposição do clássico “Comboios Rigorosamente Vigiados”, que lhe valeu o Oscar para melhor filme estrangeiro. E, claro, esteve Michael Madsen, a grande atracção da edição deste ano.
Michael Madsen passeou estilo, deu uma lição de humildade, assinou autógrafos e apresentou-se igual a si mesmo: andar gingão, voz roufenha e sempre muito espirituoso. A única coisa que não condisse com o Michael Madsen que estamos habituados a ver no ecrã foi o seu bom feitio, contrariando aquela ideia que temos de que, quando o seu nome aparece, é porque algo de ruim/cruel/sádico (escolher o que preferir) vai acontecer. Madsen agradeceu o Golfinho de Ouro, elogiou o Festroia, emocionou a directora do festival, Fernanda Silva, com as suas palavras gentis e prestou tributo aos seus “heróis”, como Robert Mitchum (também ele distinguido no Festroia). Um senhor!
No entanto, o Festroia – como qualquer festival de cinema – faz-se dos filmes que exibe. E, como este não é a excepção à regra (e como nós também lá fomos, especialmente, para os ver), aqui fica um apanhado em modo sucinto do que de mais importante se passou no Festival Internacional de Cinema de Setúbal.
OS FILMES
Forbidden Fruit, de Dome Karukoski (2009) [Secção Oficial]
O grande vencedor deste ano – que acumulou ao Golfinho de Ouro para melhor filme, o galardão para melhor actriz (Amanda Pilke) e o prémio Cicae – foi uma enorme desilusão. O que devia ser um retrato realista de dentro para fora de duas jovens laestadianistas (uma religião conservadora que segue as palavras da Bíblia literalmente) que descobrem o mundo e a vida (por esta ordem),acaba por ser uma espécie de drama adolescente metade-Larry Clark metade-“Thirteen – Inocência Perdida”, com um final clímax em que as jovens, em apenas uma noite(!), experimentam tudo: álcool, drogas, prostituição, sexo e acidentes de viação(!!).
Mammoth, de Lukas Moodysson (2008) [Secção Oficial]
Será que somos capazes de substituir o insubstituível? Esta é uma das muitas questões que “Mamute” nos leva a fazer. Um filme tocante e inteligente que aborda questões básicas na vida e nas relações de hoje. Uma família que, a pouco e pouco, se distancia e que procura diferentes vivências no seu dia-a-dia. Do outro lado do mundo, outra família vivendo semelhantes experiências. No centro, as prioridades profissionais que atropelam o significado de “família” e que leva a redifinir prioridades e a fazer escolhas inevitáveis. Com as óptimas interpretações de Michelle Williams e Gael Garcia Bernal. Era o nosso favorito à vitória.
Comboios Rigorosamente Vigiados, de Jirí Menzel (1966) [Homenagem à República Checa]
Considerado por muito boa gente como o melhor filme checo de sempre, “Comboios Rigorosamente Vigiados” é uma comédia em jeito de farsa, que descende directamente da comédia muda de Chaplin, das comédias screwball do período áureo de Hollywood (tem uma estranha obsessão por sugestões a sexo) e antecede o cinema de personagens de Wes Anderson ou Woody Allen. Nas entrelinhas, conseguimos ler no cenáiro da Segunda Guerra Mundial várias críticas subversivas ao regime comunista que se vivia então na Checoslováquia e que valeu ao filme, na altura, apenas uma nota de rodapé na história.
Mal Nascida, de João Canijo (2008) [Cinema Negro]
Canijo é, actualmente, um nome incontornável no cinema nacional e “Mal Nascida” prova-o. Um relato trágico-poético de uma filha maldita que lida com os fantasmas do passado e com a dor de viver com uma mãe e um padrasto que a confrontam a sua condição da encarnação do Mal (com letra maiúscula). O cenário da aldeia nortenha, perdida no mundo da civilização, é perfeita para a radiografia ao Portugal profundo. Tudo isto evitando os clichés que tantas vezes pairam sobre o novo cinema nacional. Sem pretenções ou intelectualices, “Mal Nascida” não é de todo um filme acessível mas é certamente um bom exemplo de como contar uma história convencional de forma não convencional. Isto é o lado positivo; o negativo é que, quando comparado com os outros filmes portugueses presentes no cartaz, concluimos que 2008 não foi um ano nada famoso para o cinema nacional (credo, que raio foi “Veneno Cura”?).
Longe da Terra Queimada, de Guillermo Arriaga (2008) [Ante-estreia]
Depois de uma parceria que deu excelentes frutos (“Amor Cão” ou “21 Gramas”, por exemplo), o argumentista Guillermo Arriaga separou-se do realizador Alejandro Inarritu e decidiu ele próprio fazer os seus próprios filmes. “Longe da Terra Queimada” é a sua estreia nessa cadeira e pode-se dizer que não se sai nada mal. Mantém as marcas dos filmes já citados – filme de actores, em formato mosaico, com uma tendência pelos ares do México, um ritmo pausado e uma fotografia saturada – e coloca o nosso Joaquim de Almeida na cama com Kim Basinger.
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