Ed Wood, o anti-génio
A história daquele que foi considerado o pior realizador do mundo.
Filmou mal e incompreensivelmente.
Com mácula desde o começo ao fim!
Seria português este jumento?
Naah… Que disparate! Realmente…
Os argumentos não tinham tantos palavrões assim!
Fui ver… era o Ed Wood!
Quem? Comecemos pelo fim. Edward D. Wood Jr., nascido em 1924 em Nova Iorque (cidade de onde sairiam mais tarde cineastas de alto calibre como Woody Allen ou Martin Scorcese), viria a falecer em 1978, deixando-nos 9 longas-metragens (que escrevia, produzia, realizava e muitas das vezes protagonizava, à semelhança do que fizera Orson Welles, o seu modelo de eleição, em obras memoráveis como “Citizen Kane” de 1941 ou “Othello” de 1952), entre outras participações como actor e/ou argumentista, com as quais, ao invés de fama e fortuna, granjeou somente o direito a figurar na história do cinema como o pior realizador do mundo!
Agora que os Wachowski já respiraram de alívio, tentemos perceber porque é que foi considerado tão detestável este pobre rato parido na grande montanha que é a “Big Apple” em 1953.
Com a benção do pouco endinheirado produtor de série B George Weiss e somente após 10 dias efectivos de rodagem, “Glen or Glenda” estreia nos circuitos comerciais tradicionais. A partir do mediatismo gerado à volta de George Jorgensen (ou Christine Jorgensen), o primeiro homem a assumir publicamente ter feito uma mudança de sexo, (razão tinha o professor Salazar para desconfiar do que vinha do exterior…) Wood escreve, realiza e protagoniza (com a sua namorada da altura Dollores Fuller entre o elenco) um drama sobre o dilema de um jovem hesitante entre contar ou não à sua noiva a paixão que tem pelo transformismo. O narrador de tão desconcertante história é, pasme-se, Bela Lugosi! Outrora no topo pelo seu desempenho como Conde Drácula no clássico de Tod Browning, e após ter protagonizado mais de trinta filmes de horror, Bela, um dos heróis de infância do realizador, encontrava-se na fase descendente da sua carreira e, já viciado em morfina, precisava do cachet oferecido por Wood como de pão para a boca.
Se este argumento não convenceu ninguém, o que dizer dos seus filmes de terror? “Bride of the Monster”, de 1955, disserta sobre um cientista louco (Lugosi) e o seu ajudante (Tor Johnson, um ex-wrestler parecido com o Hulk) que planeiam criar uma nova raça de super-homens radioactivos através de uma máquina de raios atómicos. Já em “Night of the Ghouls”, a sequela (ou mais ou menos isso) de 1959, um detective privado investiga a actividade paranormal existente na casa que fora do cientista apresentado anteriormente, e que apresenta mais um erro de casting fabuloso, o ex-jornalista e proeminente adivinho Criswell, que entre outras previsões geniais afirmou que em dado momento todos nos EUA se tornariam gays.
Porém, a sua obra-prima (em sentido figurado, claro) é um hino à ficção científica de nome “Plan 9 From Outer Space”, de 1956. Trata-se de um filme onde extraterrestres pretendem conquistar o planeta, ressuscitando mortos de entre a vasta cadeia de cemitérios ao seu dispor. Ao naipe notável de actores já aqui apresentados, Wood juntou o contributo de Maila “Vampira” Nurmi, uma obscura estrela de televisão de Los Angeles que incompreensivelmente aceitou um papel em que não tem um único diálogo!
Estas e outras curiosidades são magistralmente explanadas por Tim Burton no altamente recomendável “Ed Wood” de 1994, com Johnny Depp e Martin Landau, fantásticos como Wood e Lugosi, respectivamente.
No entanto, esta obra de cariz essencialmente biográfico de um dos maiores “enfant terribles” de Hollywood (que entre outras bizarrias escreveu e produziu “O Estranho Mundo de Jack”, dirigiu “Marte Ataca” e “Eduardo Mãos de Tesoura” e escreveu e ilustrou uma pequena pérola literária que dá pelo nome de “A Morte Melancólica do Rapaz Ostra e Outras Estórias”, editado entre nós pela Errata Edições) acaba por ser o ponto de partida para compreender o Homem aparte do realizador.
É bem verdade que os cenários eram rudimentares, os actores péssimos, os duplos inarráveis, os efeitos especiais medonhos e as dificuldades de Wood atrás da câmara iam ao ponto de ser um quebra cabeças conseguir alternar os efeitos do dia e da noite mas ninguém amava mais o cinema do que Edward D. Wood Jr..
Desprovido de grande talento e de orçamentos robustos (embora enorme no querer e na determinação) lutou pelo seu sonho de ser realizador, acreditando sempre no que o seu coração indicava, contra todas as adversidades. Como afirma Bob Bankard, no “The Ed Wood Guide”, “os seus filmes são o equivalente aos desenhos das crianças, pobres artisticamente mas cheios de amor”. Quis a sorte que encontrasse o sucesso pelo seu fracasso e já depois de morto, mas seguramente que Wood não dará voltas no túmulo por causa disso, pois passou um bom bocado com os seus filmes, divertindo-se e conseguindo inclusive conviver com alguém que idolatrava desde a infância, Bela Lugosi. Epítetos à parte, afinal de contas Ed Wood, orgulhoso, dirigiu com impressionável mestria a mais importante das obras: a sua própria vida.
E foi assim, através do amor, que o mundo foi redescobrindo Ed Wood e os seus filmes pois, tal como cantavam os Prefab Sprout (essa banda ícone da verdadeira música pop), “All The World Loves Lovers”.
Actualmente, o culto à sua volta, entre outras manifestações menos exuberantes, chega ao extremo (que realmente só poderia ter lugar nos EUA) de existir desde 1996 a Church of Heavenly Wood, uma igreja que acredita que Ed Wood é, à semelhança de Jesus Cristo, um messias, salvador da humanidade e que o insucesso dos seus filmes representa o estímulo à ultrapassagem dos obstáculos que a vida coloca a cada indivíduo: o apelidado Woodismo! Se 5000 fiéis baptizados on-line, um calendário próprio e um majestoso hino (uma versão do tema “Candle in the Wind” de Elton John, entoada por um reverendo de serviço e disponível para download) não chegam para garantir a imortalidade de Wood, não sei o que mais será necessário.
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